Aline Ferreira

Priscila Kashiwabara

O Brasil é um dos cinco países mais megadiversos do planeta (abriga entre 15% e 20% de toda a biodiversidade global)<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, além de ser o 13º país em produção de artigos científicos no mundo<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Cosméticos com a biodiversidade brasileira são populares em muitos países e um dos principais remédios para hipertensão do mundo é elaborado a partir de uma substância presente no veneno da jararaca<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. A partir desses dados, seria de se esperar que houvesse um número expressivo de patentes brasileiras depositadas que tivessem origem em inovações com nossa biodiversidade. Entretanto, não é isso que ocorre.
Além dos depositantes nacionais serem minoria nos depósitos de patentes apresentados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> (com predominância de universidades públicas<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>), poucos desses pedidos são relacionados a ativos da biodiversidade. Conforme pesquisa realizada por FRANÇA et al.<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>com foco em fitoterápicos, apenas 1.977 pedidos de patentes depositados no Brasil e publicados no período de 1995 a 2017 referem-se a fitoterápicos, sendo que apenas 12 patentes foram concedidas no período (1,3% do total depositado). Considerando o panorama geral do depósito de patentes por residentes, a situação não parece ser muito diferente em cosméticos e outras áreas que potencialmente poderiam utilizar ativos da biodiversidade brasileira.
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Dado o grande potencial brasileiro em bioinovação, pergunta-se: como mudar este quadro e aumentar o número de patentes nacionais com bioinovação?
Brasil precisa reduzir o tempo de exame de um pedido de patente
Um dos grandes desestimuladores a um maior número de depósitos de pedidos na área de bioinovação, especialmente por depositantes nacionais, é o elevado tempo de exame de patentes pelo INPI (backlog). Conforme dados de 2018, o INPI levava naquele ano uma média de dez anos para examinar um pedido de patente, com um média de 12,41 anos para biofármacos, 10,17 anos para biotecnologia e 8,16 anos para cosméticos<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> - apenas para citar algumas áreas que podem utilizar biodiversidade. Em que pese o INPI ter iniciado um programa de combate ao backlog que reduziu o estoque de pedidos em 18,1% já em 2019<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>(não há números consolidados disponíveis para 2020), é certo que o trâmite de um pedido de patente no Brasil é demorado.
No caso dos fármacos, o tempo também é elevado pela necessidade de anuência prévia da Anvisa na forma do artigo 229-C da Lei nº 9.279/1996. Tal anuência prévia, que não existe em outros países, não só não parece ter melhorado a qualidade do exame de patentes no Brasil como, durante anos, gerou uma celeuma entre INPI e Anvisa que sobre quem teria competência para fazer exames substantivos de patentes – celeuma essa só solucionada com a chegada da Portaria Conjunta INPI/Anvisa nº 01/2017.
Essa demora certamente não estimula o inventor a utilizar o sistema de propriedade intelectual, visto que a exclusividade para o invento só vem com a concessão da patente, conforme artigo 42 da Lei nº 9.279/1996. Ou seja, enquanto a patente não é concedida, o seu titular não pode impedir terceiros de utilizar a invenção, ficando assim em uma situação de verdadeira insegurança jurídica. Tendo em vista a ADI 5529, prestes a ser julgada pelo STF, há ainda o risco de que os depositantes não possam contar nem com um tempo mínimo de vigência das patentes – tornando o ambiente de negócios ainda mais instável, especialmente na indústria farmacêutica, que historicamente tem seu modelo de negócios amparado em patentes.
Portanto, de nada adianta a Lei nº 9.279/1996 seguir os parâmetros internacionais ditados pelo TRIPs (tratado internacional sobre propriedade intelectual) se no fim do dia é uma luta árdua proteger uma criação. Vale ressaltar que o inventor tem de pagar anuidades ao INPI a partir do terceiro ano de depósito e, em geral, as verbas obtidas via fomento público não podem ser utilizadas para pagar essas taxas.
Tal desestímulo fica ainda mais evidente considerando-se que, conforme relatórios do INPI, boa parte dos depositantes nacionais são universidades públicas ou pessoas físicas – ou seja, pessoas que em geral não dispõem de elevados recursos para assumir riscos de investir no lançamento de um novo produto e que, para licenciá-lo, precisam torná-lo atraente ao parceiro.
Assim, o estímulo à inovação nacional (inclusive aquela com ativos de biodiversidade) passa pela redução do backlog do INPI. Para que essa redução seja sustentável, é importante que haja investimentos constantes e a longo prazo na estrutura e recursos humanos da autarquia, sendo importante a pauta da autonomia administrativa e financeira do INPI. Tal assunto é objeto do PL 4819/19. Embora seja um órgão superavitário há anos, o INPI sempre sofreu sucessivos contingenciamentos.
Ainda nos esforços para reduzir o backlog, a anuência prévia na forma do artigo 229-C da Lei nº 9.279/1996, após quase 20 anos de sua criação, se mostra um instituto inútil e que só vem contribuir para mais atrasos no exame de patentes. Sua completa abolição seria bem-vinda.
Revisão das diretrizes do INPI
O INPI escolheu adotar um posicionamento bastante restritivo com relação à possibilidade de proteção de invenções biotecnológicas em suas Diretrizes de Exames de Patentes na área de Biotecnologia<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.  A Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/1996 estabelece que seres vivos ou parte deles, e materiais biológicos encontrados na natureza não são considerados invenção e, portanto, não são patenteáveis (artigo 10<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>). Ao definir o que é material biológico, o INPI, considera que extrato isolado de material biológico, mesmo que enriquecido com determinadas frações ou substâncias e que, portanto, não é encontrado na natureza tal como, estaria contido na proibição do artigo 10.
<blockquote class="jota-article__eye">Esse tipo de interpretação excessivamente restritiva desfavorece a competitividade das empresas e instituições brasileiras de pesquisa que têm como foco justamente o estudo e a exploração destes componentes biológicos isolados da natureza.</blockquote>
Ao invés de simplesmente excluir a possibilidade de patenteabilidade, é preciso desenvolver regramentos e critérios de exame que sejam mais maleáveis e, ao mesmo tempo que impeçam apropriação indevida da biodiversidade, contemplem a possibilidade de proteção de soluções técnicas desenvolvidas a partir de materiais biológicos, ainda que incrementais.
Lei da Biodiversidade
Outro entrave comumente citado para inovações envolvendo biodiversidade é a legislação nacional sobre o tema. Como membro da Convenção da Diversidade Biológica, o Brasil estabelece em sua legislação que o acesso a seu patrimônio genético importará em repartição dos benefícios auferidos. Até o advento da Lei da Biodiversidade (Lei nº 13.123/2015), a matéria era regulada pela Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Além de ter redação confusa, a Medida Provisória nº 2.186-16 condicionava o acesso ao patrimônio genético a uma autorização dada pelo CGEN (órgão do Ministério do Meio Ambiente) e obrigava toda a cadeia produtiva a repartir benefícios.
Com a Lei da Biodiversidade, basta a realização de um cadastro eletrônico no SisGen (Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado) do Ministério do Meio Ambiente para a maior parte dos acessos, inclusive para aqueles que podem gerar patentes. Ademais, apenas aquele que produz produto final acabado ou material reprodutivo deve repartir benefícios.
Com a redução da burocracia e a rastreabilidade dos ativos da biodiversidade proporcionada pelo cadastro eletrônico no Ministério do Meio Ambiente, o uso da biodiversidade pode se tornar um chamariz adicional para consumidores, especialmente na área de cosméticos, ante a crescente preocupação com sustentabilidade e rastreabilidade de produtos.
Contudo, os sucessivos atrasos na completa implantação do SisGen e a escassa disseminação de informações sobre os mecanismos da atual lei parecem estar esvaziando o entusiasmo inicial com as simplificações trazidas pela Lei da Biodiversidade.
Financiamento regular e constante
É bastante revelador o relatório do INPI que mostra que os maiores depositantes nacionais são universidades públicas. A tímida participação do setor privado também se verifica no percentual de sua colaboração com a universidade. Apenas 1% dos artigos científicos brasileiros publicados entre 2011 e 2016 tinham um autor da indústria, sendo a maior parte dos colaboradores pesquisadores de grandes farmacêuticas estrangeiras<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Boa parte do financiamento das pesquisas no Brasil vem do setor público, via CNPq, CAPES, FINEP, BNDES e Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa. Do ponto de vista do setor privado, se destacam ainda a Lei do Bem e a Lei de Inovação como marcas legislativos importantes.
Com os sucessivos cortes orçamentários para P&amp;D, a ciência brasileira como um todo vive um momento delicado. Portanto, seria importante não só manter um mínimo de editais de fomento públicos constantes como estimular a entrada do setor privado no financiamento de P&amp;D. Embora a Lei de Inovação tenha sido atualizada em 2016, a mesma não trata, por exemplo, de qualquer estímulo a um mercado de venture capital nacional para capitalizar e garantir o desenvolvimento ao longo prazo de iniciativas inovadoras locais.
Por todo o exposto, resta claro que o Brasil tem diversos problemas estruturais que dificultam com que o país explore seu potencial para a bioinovação. Mais do que modificar leis, é fundamental haver uma política de Estado (e não de governo) que, de forma contínua, financie a produção deste tipo de conhecimento e propicie meios de que essas inovações se tornem produtos viáveis no mercado.
É preciso capacitar pesquisadores sobre a legislação vigente e aproximá-los de potenciais parceiros privados. É preciso, ainda, garantir um mínimo de segurança jurídica, com leis estáveis e prestação eficiente de serviços pelos órgãos públicos.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> UNEP. Brasil megadiverso: dando um impulso online para biodiversidade. Disponível em Brasil Megadiverso: dando um impulso online para a biodiversidade (unep.org), acesso em 28.03.2021
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ESCOBAR, Herton. 15 universidades públicas produzem 60% da ciência brasileira. Disponível em <a href="https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/15-universidades-publicas-produzem-60-da-ciencia-brasileira/">15 universidades públicas produzem 60% da ciência brasileira – Jornal da USP</a>, acesso em 28.03.2021
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ARRUDA, Lauro. Sérgio Ferreira: do veneno da jararaca ao captopril. Disponível em <a href="http://hospitaldocoracao.com.br/wp-content/uploads/2016/01/S%C3%89RGIO-FERREIRA.pdf">SÉRGIO-FERREIRA.pdf (hospitaldocoracao.com.br)</a>, acesso em 28.03.2021.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Conforme estatísticas apresentadas pelo próprio INPI, em 2019 depositantes nacionais apresentaram 5.464 pedidos de patentes de invenção de um total de 25.396 pedidos de patentes de invenção depositados no período. Estatísticas disponíveis em <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/acesso-a-informacao/pasta-x/estatisticas-preliminares/arquivos/documentos/ranking-maiores-depositantes-residentes-2019.pdf">Boletim Mensal de PI_Maio_Especial (www.gov.br)</a>, acesso em 28.03.2021.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> As primeiras colocadas no ranking de depositantes nacionais são a Universidade Federal da Paraíba, a Universidade Federal de Campina Grande e a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> FRANÇA, Everaldo de; VASCONCELLOS, Alexandre Guimarães. Patentes de fitoterápicos no Brasil: uma análise do andamento dos pedidos no período de 1995-2017.  In: Cadernos de Ciência &amp; Tecnologia, Brasília, v. 35, n. 3, p. 329-359, set./dez. 2018
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Conforme relatório do INPI disponível em <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/estatisticas/RelatoriodeAtividades2018.pdf">Sem título-1 (www.gov.br)</a>, acesso em 28.03.2021.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Conforme relatório disponível em <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/relatorio-de-atividades-inpi_2019.pdf">relatorio-de-atividades-inpi_2019.pdf (www.gov.br)</a>, acesso e, 28.03.2021.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Disponíveis em <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/pagina_consultas-publicas/arquivos/InstrucaoNormativa118_DIRPABiotecnologia_01122020.pdf">InstrucaoNormativa118_DIRPABiotecnologia_01122020.pdf (www.gov.br)</a>, acesso em 30.03.2021.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade: (...)
IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
<a href="applewebdata://43CC2FF7-506A-4CAE-9865-3A27ECC81D99#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> CLARIVATE ANALYTICS. Research in Brazil. A Report for Capes by Clarivate Analytics. Disponível em <a href="http://www.sibi.usp.br/wp-content/uploads/2018/01/Relat%C3%B3rio-Clarivate-Capes-InCites-Brasil-2018.pdf">Relatório-Clarivate-Capes-InCites-Brasil-2018.pdf (usp.br)</a>, acesso em 29.03.2021.

vacina covid-19

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JOTA

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