Felipe Kertesz Renault

Micaela Dutra

A paz social é o fim perseguido por todo e qualquer sistema jurídico. Estabelecer direitos e obrigações, limites de atuação e a impositiva contribuição à manutenção do Estado, como preço pela segurança, são previsões esperadas, seja na lei escrita, no modelo do civil law, seja na lei estabelecida por precedentes, no modelo anglo-saxônico da common law.
Ricardo Lobo Torres chamou de preço da liberdade<a href="#_ftn1" name="_ftnref3">[1]</a> o pagamento do tributo. Mas ousamos alargar a expressão cunhada pelo saudoso professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, inserindo, ainda, que além do preço da liberdade, é o preço da estabilidade, da segurança e, portanto, da previsibilidade. Ora, ser livre, mas sem o mínimo de previsibilidade das consequências das suas escolhas, é uma liberdade perigosa, que não condiz com um sistema de direitos e garantias, como o vigente no Brasil e tão analiticamente desenhado na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/constituicao-federal">Constituição Federal</a> de 1988.
Na concepção que ora se apresenta, e reconhecendo a impossibilidade de se entregar, pelo trabalho do aplicador, a tão almejada paz social, instrumentos de resolução de conflitos se fazem prementes. E, ao contrário do que se almeja pela sociedade, a Constituição Federal, para além de estabelecer os alicerces do sistema jurídico, mesmo que no modelo analítico brasileiro, não pode esgotar as previsões naturalmente vocacionadas às leis infraconstitucionais.
No entanto, como uma fagulha ativa, com potencial de criar um grande incêndio, nota-se um anseio que a <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45</a>, ora em votação no Senado, garanta um mínimo de segurança jurídica, em vista do estressado e estressante sistema tributário brasileiro, com litigiosidade interminável.
Mas o desafio é grande: a decisão por um IVA dual para acomodar as pretensões federativas traz consigo a impositiva identidade entre seus tributos, ou seja, IBS e CBS precisam, obrigatoriamente, seguir regras e formatos idênticos. Logo, a Lei Complementar precisa ser a mesma, o meio de resolução de conflitos, idem, de modo que as decisões que venham a interpretar às normas que advirão, garantam a plena isonomia aos contribuintes e contribuam para a manutenção de índices baixos de litigiosidade, ao contrário do que atualmente se nota.
Nesse sentido, por intuitivo que se espera uma ação coordenada dos fiscos, como previsto no 156-B, 2º, V; de modo que as fiscalizações serão exercidas pelos corpos locais/regionais, já que não faria o menor sentido se deslocar uma equipe de fiscalização de Goiânia para uma diligência no Rio de Janeiro, por exemplo, mesmo que se considere o suporte eletrônico de envio de documentos. Ocorre que, em nenhuma hipótese, poder-se-ia cogitar de a decisão hermenêutica que possa culminar na lavratura de auto de infração seja desta autoridade designada para fiscalização no caso concreto. Longe disso.
A ratio precisa ser única. E frisamos esse ponto. Logo, a decisão acerca da lavratura de auto de infração precisa ser definida pelo Conselho Federativo ou órgão de consulta a ser designado pela Lei Complementar ou constante da estrutura do referido Conselho, sob pena de a tão prometida simplificação se tornar uma nova arena de interminável combate.
Ademais, lembramos o que defendemos <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/o-contribuinte-atlas-e-a-reforma-tributaria-29052023">recentemente</a>, a previsão contida no artigo 105, j; não se mostra suficiente. Atribuir ao STJ competência para dirimir conflitos entre os entes federativos e o Conselho Federativo resolve em parte, e mantém a rotina de se jogar para o contribuinte o problema.
Logo, imperiosa a criação de um tribunal administrativo ou arbitral, com competência para julgamento da CBS e do IBS, além do Imposto Seletivo, tripartite por óbvio, mesmo que criado como órgão do Conselho Federativo e que a PEC 45 seja aprovada sem a participação da União, mas dele, tribunal, deve ela participar. Aliás, diga-se, dele e do órgão cuja atribuição seja expedir a interpretação do fisco – ou dos fiscos – acerca dos temas sob análise, no modelo que hoje desempenha a Cosit.
E veja que isso só resolveria a priori o contencioso administrativo, sendo essencial, como forma de respeitar o sistema dual criado, atribuir ao STJ competência para, via IRDR, uniformizar entendimentos divergentes que existirão entre os TRFs, ao julgarem a CBS, e os TJs, ao julgarem o IBS. Pois se formos federalizar o debate do IBS, não faz sentido a criação de um IVA dual. Melhor manter a proposta originária que gera menos impactos em termos de controles federativos.
Dito isso, para que o proposto artigo 145, 3º; que inaugura no texto constitucional, dentre outros, os princípios da simplicidade, transparência e justiça tributária, tenham o mínimo de concretude e eficácia, a uniformidade de entendimento sobre os tributos ora em gestação e a resolução de conflitos precisam ser alicerce, e não temas secundários.
Se não for assim, prosseguiremos com tribunais administrativos de julgamento sendo considerados pelo Executivo como órgãos com meta de arrecadação, e com o custo inerente ao sistema tributário decorrente do contencioso cada vez mais crescente e o ambiente de negócios inóspito, mesmo com um modelo moderno de IVA (só para o Brasil) de tributação.
Existe um provérbio persa que diz “Não ergas alto um edifício sem fortes alicerces, se o fizeres viverás com medo”. Não defendemos, portanto, que a PEC esgote todas as possibilidades a serem enfrentadas quando da redação da Lei Complementar, pois isso nos levaria a uma constitucionalização nociva do direito tributário, mas que edifique com fortes alicerces a reforma tributária, incluindo a resolução de conflitos, como dito, como uma das balizas fundamentais.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a><a style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="#_ftnref1" name="_ftn3">[1]</a> TORRES, Ricardo Lobo. A Ideia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de. Janeiro: Renovar, 1991, p.14.

Senado

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JOTA

PEC 45 precisa garantir um mínimo de segurança jurídica

Ainda sobre a resolução de conflitos na reforma tributária

PEC 45 precisa edificar com fortes alicerces a reforma tributária, incluindo a resolução de conflitos como uma das balizas fundamentais