Ivan Allegretti

Michell Przepiorka

O presente texto adiciona algumas reflexões a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-lei-geral-do-processo-administrativo-fiscal-10052022">artigo anterior publicado no JOTA</a>, com o mesmo intuito de fomentar a discussão sobre a Lei Geral do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm">PAF</a>, por meio da qual se poderiam uniformizar certos aspectos centrais do processo administrativo fiscal em âmbito nacional, vinculando União, estados, Distrito Federal e municípios.
O artigo anterior tomou como ponto de partida a análise do <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/611441">Projeto de Lei Complementar nº 381/2014</a>, apontando para a importância de estabelecer um rol fixo de meios de defesa e recursos, com os respectivos prazos, bem como de exigir que todos os julgamentos sejam realizados em sessões abertas ao público e com a participação das partes e seus advogados, além da obrigatoriedade de divulgação do inteiro teor dos acórdãos e de intimação pessoal do contribuinte.
Há ainda outros pontos do referido projeto que merecem análise, como a obrigatoriedade de sua aplicação, a exigência de duplo grau, a composição paritária dos julgadores e o efeito vinculante das súmulas.
Quanto à obrigatoriedade da Lei Geral do PAF, a questão é relevante em razão da grande diferença de realidades entre os entes federativos, especialmente entre os municípios, variando enormemente o tamanho da população, densidade e distribuição demográfica, e também o montante da receita corrente líquida e da arrecadação tributária.
Neste aspecto, o texto original do projeto previa a dispensa para municípios com menos de 40 mil habitantes enquanto o substitutivo ampliou a dispensa para municípios de 500 mil habitantes ou menos. Não resta claro, entretanto, se um município dispensado do cumprimento da Lei Geral do PAF poderia criar um processo administrativo fiscal fora dos moldes nele previstos.
Aliás, o projeto não distingue claramente entre a observância do balizamento prevista na Lei Geral e a obrigatoriedade mesma de instalação do contencioso administrativo.
O mais adequado, portanto, seria prever um conteúdo mínimo aplicável indistintamente a todos os entes, mesmo municípios pequenos, fixando-se a obrigatoriedade de implantação do contencioso quando ultrapassada determinada quantidade de habitantes ou, por que não, determinado patamar de arrecadação.
Uma outra possibilidade seria tornar obrigatório o contencioso administrativo e assegurar o duplo grau em todos os casos, mesmo em relação a municípios pequenos, inclusive estabelecendo como padrão que o secretário da Fazenda e o próprio prefeito atuem respectivamente como primeira e segunda Instâncias, facultada a delegação, caso não haja lei municipal dispondo em sentido diverso.
Ou até mesmo permitir aos pequenos municípios a tramitação em instância única. É preciso lembrar que a Suprema Corte já se manifestou no sentido de assegurar o acesso à segunda instância administrativa, ao concluir pela inconstitucionalidade de se condicionar o recurso a qualquer tipo de garantia<a href="#_ftn1" name="_ftnref2">[1]</a>. No entanto, não ficou absolutamente claro se se tratava de assegurar o acesso no contexto de uma estrutura que já previa duas instâncias ou propriamente da exigência de que toda estrutura de discussão administrativa conte necessariamente com duas instâncias. O julgamento parece admitir a primeira interpretação.
Outro tema próximo consistiria na autorização para a fixação de um valor de piso para acesso à segunda instância<a href="#_ftn2" name="_ftnref3">[2]</a>.
O projeto exige composição paritária de representantes do fisco e dos contribuintes para órgãos colegiados de segunda instância, o que por um lado revela o reconhecimento de que se trata de um modelo experimentado e historicamente adotado, com bons resultados, mas de outro lado esconde os tormentosos problemas relacionados à sua funcionalidade, basicamente porque nos denominados casos difíceis (hard cases) haverá empate, reclamando saber qual efeito adviria do empate ou qual seria o mecanismo de desempate.
Assim, se é para adotar a composição paritária, deve-se desde logo definir o efeito jurídico do empate ou o critério de desempate.
Também seria desejável a previsão de critérios para a seleção de conselheiros, quando menos para exigir ampla publicidade e condicionar o acesso à experiência comprovada em direito tributário.
Igualmente relevante seria o estabelecimento de prerrogativas mínimas para a atuação dos julgadores, como prazo mínimo de mandato, permitindo-se que os conselheiros representantes do fisco possam julgar contrariamente à administração sem temer represálias, e a imposição de critério igualmente paritário de remuneração para representantes do fisco e do contribuinte, bem como a definição das hipóteses de suspeição e do impedimento (ou não) do exercício de outras profissões, não apenas a advocacia como também a contabilidade ou qualquer outra profissão remunerada, ressalvado apenas o magistério.
Outro tema enfraquecido pelo substitutivo é o efeito vinculante das súmulas dos Tribunais Administrativos.
É bem verdade que o texto original foi longe demais ao pretender uma espécie de uniformização entre todos os estados e o Distrito Federal, por um tipo de colegiado único de âmbito nacional, do qual resultaria a vinculação de todas as Administrações Tributárias estaduais e distrital. A idéia é louvável pelo ineditismo, mas de difícil implementação, colidindo com a necessidade de melhor delineamento deste novo órgão e, aí sim, na necessidade de compaginar a autonomia dos entes subnacionais.
Outra coisa é atribuir efeito vinculante às sumulas editadas pelos Tribunais Administrativos, para obrigar a Administração Tributária como um todo a observar a interpretação nela contida, mais precisamente vinculando a fiscalização.
Tanto o texto original como o substitutivo, no entanto, condicionam o efeito vinculante à aprovação pelo ministro de Estado ou secretário estadual ou municipal, o que retira muito da eficácia do instrumento, na verdade permanecendo tudo como já se encontrava em âmbito federal, apenas transpondo o mesmo mecanismo para o âmbito estadual e municipal.
Vale refletir, contudo, que a atribuição automática de efeito vinculante às sumulas poderia constituir um grande vetor de mudança no comportamento da Administração Tributária.
É histórica e notória a inércia da Administração Tributária em assimilar as correções apontadas pelos Tribunais Administrativos em relação a ilegalidades contidas nas normas regulamentares ou em sua interpretação pela fiscalização.
Muitas vezes o entendimento do Tribunal Administrativo se consolida, mas a ilegalidade é preservada latente nas normas regulamentares ou a fiscalização insiste na interpretação ilegal, mantendo-se a fabrica de autuações que apenas serão mantidas em relação ao contribuinte que não apresentar defesa administrativa, boa parte das vezes aquele mais vulnerável.
Estes temas são de difícil consenso, mas o atual momento de concentração de esforços para a reforma do processo administrativo e do judicial propiciam as condições necessárias para o debate aberto e democrático. É preciso, enfim, que se produza uma reflexão aprofundada a respeito destes aspectos para que a Lei Geral do PAF traga consigo um real avanço na construção de uma autêntica cidadania fiscal.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn2">[1]</a> RE 388359, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/2007, DJe-042 DIVULG 21-06-2007 PUBLIC 22-06-2007
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> Em relação ao Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT) a Lei 16.498/2017 fixou em R$ 501 mil o valor mínimo para acesso à segunda instância administrativa. A OAB-SP apresentou ação direta de inconstitucionalidade alegando a criação de obstáculo e prejuízo da defesa justamente daqueles contribuintes pequenos que mais precisariam de proteção (Processo n. 2068939-71.2018.8.26.0000, atualmente em trâmite no STF como Recurso Extraordinário nº 1.204.149). No âmbito federal, a Lei 13.988/2020 introduziu o contencioso de pequeno valor (art. 23), segundo o qual o julgamento de última instância será realizado por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ), que corresponde à primeira instância, portanto sem acesso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

serviço público

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JOTA

Obrigatoriedade, composição paritária e efeito vinculante das súmulas

Ainda sobre a Lei Geral do PAF &#8211; Parte 2

Ainda sobre a Lei Geral do PAF - Parte 2

É histórica e notória a inércia da Administração Tributária em assimilar as correções apontadas pelos Tribunais Administrativos