Ana Clara Xavier

Gustavo Fernandes

<p>Com um quadro alarmante em meio à pandemia de COVID-19 no Brasil, tornou-se clara a preocupação e o cuidado que as autoridades e a população do país devem ter. Como uma das medidas de contenção de disseminação do vírus, temos providências restritivas, reguladas previamente pelo legislador, as quais, caso não sejam cumpridas, acarretam sanções para aqueles que faziam parte da ação. Entretanto, a norma, que é necessária, deveria, também, ser neutra, e o que observamos é uma diferenciação em sua aplicação mediante a localidade da infração. Nesse sentido, nos cabe demonstrar casos, atrelar a aplicabilidade da lei neles e encontrar, talvez, uma explicação para esse tratamento diferenciado.</p>
<p>Na noite de 14 de maio, ocorreu no salão de festas do hotel de luxo Copacabana Palace uma comemoração de aniversário, que reuniu 500 convidados, com 5 apresentações artísticas. Durante a realização do evento, equipes da Secretaria de Ordem Pública e Vigilância Sanitária foram ao local, mas não constataram nenhuma infração. Entretanto, no dia seguinte, através da análise de imagens divulgadas da festa, a Vigilância Sanitária identificou infrações consideradas gravíssimas, que renderam ao hotel uma multa no valor de R$15.466,81. Até a presente data, nenhuma investigação foi instaurada contra nenhum dos artistas envolvidos nem contra os organizadores do evento.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a></p>
<p>Já no dia 17 de fevereiro de 2021, o cantor Marcelo Pires Vieira, conhecido popularmente como Belo, foi preso no Rio de Janeiro pela Delegacia de Combate às Drogas, acusado de promover aglomerações no Complexo da Maré. O artista, que teve o Habeas Corpus concedido, e mais 3 indivíduos respondem por: infração de medida sanitária (Art. 268, CP), crime de epidemia (Art. 267, CP), invasão de prédio público (Decreto-lei 2.848/40) e associação criminosa (Art. 288, CP).</p>
<p>Mediante a regulamentação de uma norma, essa deve ser aplicada para todos os cidadãos sem a adoção de um caráter diferente para determinados grupos. Na cidade do Rio de Janeiro, com a implementação do <a href="https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=398175" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Decreto N° 47152/20</a>, tornou-se vedada qualquer manifestação que promovesse aglomerações em locais públicos ou privados, salvo flexibilização de autoridades, que, ainda assim, possuem condição de contenção nas ruas.</p>
<p>Quando tratamos dos casos mencionados anteriormente, conseguimos ter dimensão da semelhança entre as infrações que foram cometidas. No primeiro caso, uma festa com cerca de 500 convidados, gerando assim aglomeração, fato constatado pela <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/15/apos-festa-de-luxo-para-500-pessoas-copacabana-palace-vai-ser-multado-em-mais-de-r-15-mil.ghtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">imprensa</a>. Em consonância aos delitos ocorridos, no segundo momento temos o acontecimento do cantor Belo, que também propiciou um caso de concentração, além do permitido e <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/02/17/belo-e-levado-para-presidio-apos-prisao-por-aglomeracao-e-show-em-escola-na-mare.ghtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">registrado</a>, na pandemia. Nesse sentido, podemos passar para a principal questão: a aplicabilidade da norma vigente foi observada para ambos os casos, com situações tão semelhantes, da mesma forma? Infelizmente, a resposta é negativa. Para o primeiro caso, foi entendido que seria viável a aplicação apenas de uma medida restritiva, o que resultou em uma multa de R$15.466,81 que foi aplicada ao responsável pela organização do evento. Entretanto, quando vamos analisar o caso do cantor de pagode, observamos medidas penais (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">artigos, 267, 268 e 288, CP</a>). No caso do artista em questão, foi realizada a prisão preventiva, revertida através do <a href="http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&amp;GEDID=0004854B658408B218C77D4FDE5B3EB2902FC50E31201056&amp;USER=" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><em>Habeas Corpus</em></a>, além da instauração de um <a href="http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=2021.059.04593" target="_blank" rel="noopener noreferrer">processo</a>, ao qual ele segue respondendo em liberdade.</p>
<p>Como reflexão final acerca dessa breve análise podemos destacar o único fator que diferencia um evento do outro: seu local de realização. Recentemente, tornou-se recorrente o debate sobre o fato da localidade que ocorre esses eventos e o tratamento diferenciado que se dá quando o assunto é a punição. A partir das ressalvas feitas, é evidente que há uma desigualdade alarmante entre um feito em Copacabana (Zona Sul do Rio de Janeiro) e o Complexo da Maré (favela do Rio do Janeiro), nos fazendo refletir se o artigo 5° da nossa <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Constituição Federal</a> se faz presente no cotidiano.</p>
<p>Através da descrição dos casos supracitados e da análise das normas aplicáveis, podemos observar um fenômeno denominado <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/discriminacao-indireta-o-que-e-e-como-supera-la-09112017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">discriminação indireta</a>, que ocorre quando um ato ou norma pública, com uma justificatica em critérios aparentemente neutros resulta em efeitos discriminatórios contra certos grupos marginalizados.</p>
<p>No caso concreto analisado aqui, tanto a norma do Decreto Nº 47152/20, quanto os artigos 267 e 268 do Código Penal possuem uma intenção nítida de realizar o controle das aglomerações mediante o atual cenário pandêmico. Entretanto, na medida em que a norma que possui como consequência apenas uma medida administrativa de multa é aplicada somente nas áreas mais nobres da cidade, enquanto a lei penal, mais severa, atinge apenas as áreas e eventos historicamente frequentados pela população periférica, é constatado um impacto desproporcional da mesma.</p>
<p>A prisão de Belo e de <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/02/policia-civil-pede-prisao-cautelar-de-organizadores-de-bailes-funks-durante-a-pandemia-no-rj.ghtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">outros artistas</a> que realizaram shows em comunidades nesse período não é resultado de uma lei que proíba diretamente a realização de eventos em favelas da cidade, mas sim de uma norma que apesar de externamente aparentar-se neutra, acaba punindo de maneira desigual uma parcela da população que já sofre com a exclusão social, que é a população periférica, majoritariamente negra, que vive nas favelas do Rio de Janeiro.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Podemos dizer que, para quem mora na zona sul, fazer uma festa que viola medidas sanitárias na pandemia custa aproximadamente 15 mil reais. Enquanto que, para quem mora nas favelas, organizar um baile funk ou um pagode custa um mandado de prisão, um inquérito policial e uma pena de até 15 anos no artigo 267 do Código Penal.</p></blockquote>
<p>O ponto defendido aqui, no entanto, não é que a prefeitura permita a realização dos eventos nas comunidades, tampouco que deixe de punir seus organizadores. Mas a fiscalização, e possível punição, deve ser feita de maneira equitativa, de maneira a evitar que o combate às aglomerações não acabe sendo mais um instrumento usado para perpetrar as desigualdades sociais que assolam a realidade brasileira.</p>
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The_Most_Expensive

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JOTA

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