Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Como marco introdutório, tem-se que o conceito clássico de "lei" estava vinculado aos trabalhos do Poder Legislativo, observada a estrutura de "separação de Poderes", tendo por escopo criar segurança jurídica para a sociedade. Nos tempos atuais esse conceito ganhou amplitude, pois também passou a disciplinar políticas públicas e as modalidades de intervenção do Estado.
Na esfera do direito administrativo essa ampliação conceitual e de normatização ecoou de forma a se estabelecer uma situação de "inchaço" legislativo[1], ganhando tração com o incremento do Estado liberal.
Originária da preocupação para o estabelecimento de um freio institucional normatizador paras todas e quaisquer situações da vida, a partir do Reino Unido temos a adoção do modelo de instituições fracionadas para o atendimento das legislações editadas; sendo que, ato contínuo, os Estados Unidos adotaram agências: reguladoras, não reguladoras, executivas e independentes.
Na contemporaneidade e com um reclame para a descentralização do Estado na prestação de serviços públicos, o poder público focou sua atuação na construção de políticas públicas que dessem eficiência e efetividade na regulação, fiscalização, permissão e concessão de serviços públicos.
Daí que ganhou destaque o papel das agências regulatórias, tendo disciplinadas sua criação no Brasil pela Constituição Federal e nos anos 1990, sendo que através de lei específica receberam a delegação para o exercício normativo de regulação, fixadas pelo Legislativo as finalidades, objetivos básicos, estruturas e a fiscalização de suas atividades.
E a intervenção por intermédio de agências regulatórias tem o condão de fazer com que sejam observados e realizados os princípios constitucionais da ordem econômica firmados nos artigos 170 e seguintes da Carta Magna; e, mais, o regime especial autárquico que foi a essas conferido (estabilidade e mandatos garantidos aos gestores, regime de incompatibilidade e quarentena) teve por finalidade afastar interferências indevidas, seja pelo Poder Executivo, seja pela prática de advocacy, "blindando" e preservando as decisões técnicas proferidas pelas agências regulatórias.
Essa blindagem e preservação decisória para as agências regulatórias também tem por condão permitir que sejam alcançados os seguintes objetivos: conceder maior disputa entre os entes privados no exercício das atividades então em poder do Estado; manter o Estado como ente normatizador e indutor do alcance do bem comum no exercício das atividades realizadas pelos entes privados; afastar a prevalência da simples busca pelo lucro; instituir a intervenção e o regramento permanente das atividades exploradas pelos particulares; criar políticas intervencionistas que melhorem os ambientes de negócios e incrementem a concorrência, inclusive para a prestação de serviços públicos.
O alcance desses objetivos e o modal de intervenção regulatória estatal tem serventia para as hipóteses de identificada impossibilidade de o Estado agir diretamente na economia, mas permitindo que este atue como agente regulador do intitulado "mercado livre", garantindo a concorrência na ocorrência das verificadas externalidades negativas, monopólios naturais e assimetrias de informação. Dessa forma, assegura-se proteção aos consumidores, mantidas as obrigações de serviços públicos.
Entretanto, é preciso deixar claro que essa delegação "regulatória", combinada a um "afastamento" do Estado para com atividades destinadas às ações de competência das agências regulatórias, não pode servir a justificar práticas anticoncorrenciais e de abuso de direito, conforme alerta feito por doutrina balizadora para o tema[2].
Aliás, legalmente[3], agências regulatórias e o Conselho Administrativo de Direito Econômico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cade">Cade</a>) trafegam em "via de mão dupla", pois, identificadas práticas de infração à ordem econômica e/ou anticompetitivas, deve aquele que verificou a suposta ilicitude oficiar ao outro órgão da administração, para as averiguações de sua competência.
E a quem compete o controle da função e atividade regulatória? Com fundamento na Constituição e em seu artigo 71, afirmamos que ao Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>), observando que não pela decisão e/ou pelo controle regulatório, mas, sim, por possíveis vícios na realização de procedimentos regulatórios[4].
Procedimentos que podem estar comprometidos por constatadas ilegalidades de atos administrativos ou sejam exorbitantes à fundamentação[5], pela insuficiência de tecnicidade e proporcionalidade ou ainda resultantes de omissão regulatória[6], cabendo ao TCU o exame de haver ou não o exercício da boa técnica decisória[7].
Diante do papel executivo das agências regulatórias, competência legal, trabalhos desenvolvidos ao longo de quase três décadas e sujeição à fiscalização (TCU) e colaboração (Cade) a que estão atreladas suas atividades, causam espécie movimentos que buscam esvaziar parte de suas funções; quando, entende-se que em sentido contrário, dever-se-iam criar políticas públicas de publicidade dos trabalhos desenvolvidos pelas agências, combinada à construção paralela de textos normativos que incrementem ainda mais o poder fiscalizatório realizado para as delegações realizadas ao entes privados atuantes em distintos setores com impactos para a sociedade .
Concluindo e rendida a devida homenagem, consigna-se que este expediente tomou por fundação a obra coordenada por Tojal e Oliveira Souza[8].
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[1] MORAES, Alexandre de. Agências reguladoras e seus limites. Direito e Infraestrutura – Portos e transporte aquaviário – 20 anos da Lei nº 10.233/2001 – Belo Horizonte: Fórum, 2021, pp. 27 a 38
[2] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Abuso de poder econômico por prática de licitude duvidosa amparada judicialmente. “Revista de Direito Público da Economia”, n 1, p 215-225, jan/mar 2003
[3] <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13848.htm">Lei nº 13.848/19</a>
[4] Acórdão TCU nº 715/2008-Plenário
[5] Acórdão TCU nº 308/2018-Plenário
[6] Acórdão TCU nº 923/2019-Plenário
[7] Acórdão TCU nº 1.704/2018-Plenário
[8] TOJAL, Sebastião Botto de Barros. OLIVEIRA SOUZA, Jorge Henrique de. (Coordenadores). Direito e Infraestrutura: portos e transporte aquaviário – 20 anos da Lei nº 10.233/2001 – Belo Horizonte : Fórum, 2021 – Vol. 1

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Delegação 'regulatória', combinada a um 'afastamento' do Estado, não pode justificar práticas anticoncorrenciais

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