Thiago Ferreira Almeida

A análise de países tradicionalmente importadores de capital permite revelar a sua presença histórica no processo de construção normativa do Direito Internacional do Investimento. Em sua maioria, a participação da África, América Latina e Ásia é recorrentemente negligenciada, mesmo tendo sido parte signatária ainda nos primeiros acordos internacionais de investimento (Bilateral Investment Agreements - BITs) já na década de 1960.
No contexto africano, tais países adotaram em um primeiro momento os modelos provenientes dos países exportadores de capital e assinaram os primeiros BITs na década de 1960, como o BIT França e Chade em 1960, o BIT Togo e Alemanha em 1961 e o BIT Niger e Suíça em 1962. Seguindo a mesma trajetória de expansão dos BITs na década de 1990, no contexto neoliberal, houve um clímax de assinaturas nesse período. Até 2019, quase um terço de todos os BITs assinados no mundo envolveram países africanos e, dentre eles, 162 como partes os países do continente africano (MBENGUE, 2019, p. 457).<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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É de se observar, em um primeiro momento, que os países africanos signatários de BIT assumiram uma posição passiva, absorvendo modelos das nações exportadoras de capital, sendo estas vinculadas a uma herança de dominação colonial. Os primeiros modelos de BIT foram assinados no mesmo momento em que ocorriam os movimentos de descolonização afro-asiática nas décadas de 1960 e 1970, o que demonstra a reação das ex-metrópoles em criar um modelo jurídico de proteção ao investimento estrangeiro a nível internacional. Ressalta-se também que os países em desenvolvimento, recém-independentes, atuaram de forma recorrente por meio das resoluções na Assembleia das Nações Unidas pelo reconhecimento da soberania permanente dos recursos naturais e pelo direito dos Estados em regular as atividades de exploração em seus territórios.
Não somente os países como a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (Southern African Development Community - SADC) em 2006 codificou o Protocolo sobre Finanças e Investimento (emendado em 2016), permitindo a utilização do ICSID, após esgotado todos os remédios internos. O referido protocolo se encontra em processo de ratificação pelos seus países-membros.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
É necessário ressaltar que, dentre o rol dos principais casos de arbitragem de investimentos utilizando as regras do ICSID, destaca-se a decisão sobre a competência ratione personae da jurisdição do tribunal arbitral oposta por Marrocos, no caso Salini Costruttori SpA and Italstrade SpA v. Kingdom of Morocco,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> que gerou a importante decisão que definiu as quatro características basilares do conceito de investimento. Bem como, o caso Bernhard von Pezold and Others v. Republic of Zimbabwe,<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> que assentou as condições para a participação de ONGs como amici curiae em procedimentos arbitrais com fundamento em violações de direitos humanos (MBENGUE, 2019, p. 462).<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Essa mudança de tomadores (rule-takers) para formadores (rule-makers) do Direito Internacional do Investimento é observado a partir das reformas dos códigos domésticos de investimento e de acordos bilaterais e regionais no continente.
No plano continental, foi codificado pela primeira vez um código de investimento único, o Código de Investimento Pan-Africano (Pan-African Investment Code - PAIC),<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> que se estrutura como o principal instrumento para a negociação do Protocolo de Investimento do Acordo Continental Africano de Livre Comércio (African Continental Free Trade Agreement - AfCFTA).<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
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Além das propostas na África de regionalizar a solução arbitral sobre investimentos, o PAIC sugere a possibilidade de se criar uma corte arbitral africana a julgar os casos entre investidor e Estado, similar à proposta da Comissão Europeia de uma corte própria sobre investimento.
Contudo, o continente africano é marcado no século XXI por sobreposições de instrumentos sobre investimento e pela falta de coordenação entre as suas regras. Trata-se de um momento inicial de adoção ou reforma das tradicionais regras de proteção ao investimento. Esse contexto é chamado por Mbengue de o “baby boom” da formulação e formação de novas perspectivas do Direito Internacional na África. Apesar das inovações a nível normativo, observa-se que existe ainda forte posicionamento político por parte das tradicionais nações exportadoras de capital em impor seus modelos de BITs nos países africanos (MBENGUE, 2017, p. 377-378).<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>
Dessa forma, em virtude da recente mudança normativa no plano africano de investimentos, a consolidação de uma perspectiva africana demandará tempo e, uma vez inserido no contexto de plural de fluxos de investimentos no século XXI, torna-se campo fértil para a reforma das tradicionais bases do Direito Internacional do Investimento.
Essa realidade pode ser também estendida para o contexto da América Latina e da Ásia, em que tais países apresentam maior posicionamento normativo no Direito Internacional do Investimento, revertendo a concepção tradicional de serem receptáculos de normas dos países de industrialização antiga.
Portanto, a “africanização" do Direito Internacional do Investimento deve ser estudada em conjunto com as proposições regionais para uma "latinoamericanização" e "asiatização" do Direito Internacional do Investimento, reformando a sua estrutura historicamente europeia (ou centrada no Norte Global) para um contexto contemporâneo mais diversificado.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MBENGUE, Makane Moïse. Africa’s Voice in the Formation, Shaping and Redesign of International Investment Law. Special Focus Issue. ICSID Review, Vol. 34, No. 2 (2019), pp. 455–481. Published Advance Access December 18, 2019. Disponível em: <a href="https://academic.oup.com/icsidreview/article/34/2/455/5680362?login=true">https://academic.oup.com/icsidreview/article/34/2/455/5680362?login=true</a>. Acesso em: 12 out. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SOUTHERN AFRICAN DEVELOPMENT COMMUNITY - SADC. Protocol on Finance and Investment (2006). Disponível em: <a href="https://www.sadc.int/documents-publications/show/Protocol_on_Finance__Investment2006.pdf">https://www.sadc.int/documents-publications/show/Protocol_on_Finance__Investment2006.pdf</a>. Acesso em 12 out. 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ITALAW. Salini Costruttori S.p.A. and Italstrade S.p.A. v. Kingdom of Morocco. ICSID Case No. ARB/00/4. Disponível em: <a href="https://www.italaw.com/cases/958">https://www.italaw.com/cases/958</a>. Acesso em: 12 oct. 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> ITALAW. Bernhard von Pezold and Others v. Republic of Zimbabwe, ICSID Case No. ARB/10/15.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Cf. n. 2.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR AFRICA - UNECA. Draft Pan-African Investment Code. E/ECA/COE/35/18 AU/STC/FMEPI/EXP/18(II). Publicado em 26 de março de 2016. Disponível em: <a href="https://repository.uneca.org/bitstream/handle/10855/23009/b11560526.pdf?sequence=1&amp;isAllowed=y">https://repository.uneca.org/bitstream/handle/10855/23009/b11560526.pdf?sequence=1&amp;isAllowed=y</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> AFRICAN UNION. Agreement Establishing the African Continental Free Trade Area. Disponível em: <a href="https://au.int/en/treaties/agreement-establishing-african-continental-free-trade-area">https://au.int/en/treaties/agreement-establishing-african-continental-free-trade-area</a>. Acesso em: 3 ago. 2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> MBENGUE, Makane Moïse. Africa and the Reform of the International Investment Regime - An Introduction. Special Issue. Journal of World Investment and Trade, 2017, vol. 18, no. 3, p. 371-378. Disponível em: <a href="https://archive-ouverte.unige.ch/unige:135659">https://archive-ouverte.unige.ch/unige:135659</a>. Acesso em: 12 out. 2021.

lagos nigeria

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JOTA

Movimento deve ser estudado em conjunto com as proposições regionais para uma 'latinoamericanização' e 'asiatização'

Africanização do Direito Internacional do Investimento

Recente mudança normativa faz da África um campo fértil para a reforma das tradicionais bases do Direito Internacional do Investimento