Luiz Antonio Colussi

<p>A partir da contextualização da Constituição de um Estado Democrático de Direito, se procura compreender a competência da Justiça do Trabalho de forma ampliada a abarcar toda e qualquer relação de trabalho, nos precisos termos do seu artigo 114, inciso I, destacando-se hodiernamente os trabalhadores em plataformas digitais. Trava-se na doutrina e na jurisprudência uma discussão jurídica, se é de fato necessária uma legislação própria para estas novas atividades, próprias da era virtual, ou se as normas e princípios constitucionais e consolidados podem ser utilizados para proteção desses trabalhadores.</p>
<p>Não há dúvida de que, à luz da Constituição e da CLT, é possível, sim, proteger esses trabalhadores, posto que empregam sua força de trabalho como qualquer outro empregado. Não se deixa de levar em consideração as peculiaridades da forma de execução do contrato dos que trabalhavam nos aplicativos, porém na essência o trabalho não se diferencia dos demais. A aplicação imediata das normas em vigor, visando a proteção dos trabalhadores em plataforma, leva ao essencial, ou seja, a concretização dos direitos fundamentais sociais.</p>
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<p>Passados 15 anos da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, é o momento mais que adequado para se propor uma reflexão sobre o alcance do artigo 114 da Constituição e sua importância para a afirmação deste ramo da justiça, fundamental para o Estado Democrático de Direito. Nesse contexto é essencial que se tenha compreensão ampliada dessa competência e o avanço moderno na solução dos mais variados temas que passaram a ser apreciados na jurisdição especializada do trabalho, bem como, de outros que sejam assemelhados ao mundo do trabalho, funcionalizando este pensar para a concretização dos direitos sociais.</p>
<p>O foco deve estar voltado para a nova realidade do trabalho, cada vez mais digital e virtual, e a relação existente entre este novo trabalhador e a dignidade da pessoa humana. E, a dicotomia existente entre quem trabalha e as plataformas digitais, entender a necessidade de uma proteção mínima, senão total, como forma de se implementar os direitos sociais postos na Lei Maior.</p>
<p>Assim, se espera atender à compreensão de que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, e nela também, para conhecer e julgar as demandas dos trabalhadores em plataformas digitais, sendo possível demonstrar que mesmo nesse mundo de avançada tecnologia e em um Estado em crise, valorizar o ser humano e dar dignidade ao cidadão é o caminho, fortalecendo-se cada vez mais a justiça social.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>No Estado brasileiro é fundamental que exista um sistema judiciário que permita o cumprimento das normas constitucionais e legais de proteção ao trabalho. Sem a Justiça especializada do trabalho, não se teria condição de dar aos cidadãos a devida efetividade das normas trabalhistas, nem haveria suporte a existência do direito laboral.</p></blockquote>
<p>Necessário um recorte para examinar o crescimento da justiça obreira, a partir da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, em face da alteração constitucional que modificou a redação do artigo 114, demonstrando o avanço do direito processual do trabalho e da própria justiça especializada. Assim, aumentando sua esfera de competência, percebe-se uma ampliação do caminho para a qual foi criada e dar efetividade ao direito do trabalho, caracterizando-se sempre como a justiça social, eis que com a ampliação passou a conhecer questões que até então eram submetidas à apreciação de outros ramos do Poder Judiciário.</p>
<p>Diante de seus princípios e da sua própria natureza social, encontram-se fundamentos constitucionais e doutrinários que possibilitam uma interpretação ampliada da alteração constitucional promulgada, dando à Justiça do Trabalho melhores instrumentos para a efetivação de uma justiça social adequada e compatível com os tempos atuais, quando novas formas de trabalho imperam diante do mundo globalizado.</p>
<p>Em que pese a clareza da norma constitucional, a expressão “relação de trabalho”, inserta no inciso I, traz dúvidas, uma vez que seu alcance pode incluir ou não questões que envolvam relação de consumo, ou servidores públicos estatutários, demanda ainda em apreciação na Suprema Corte.</p>
<p>Pelo menos dois temas se sobressaíram desde então. O primeiro é aquele que, contido no inciso I do artigo 114, trata da alteração para relações de trabalho ao invés de cuidar apenas de questões envolvendo relação de emprego. Assim, a interpretação a ser dada ao texto constitucional é que qualquer relação de trabalho seja apreciada pela Justiça obreira, incluindo-se trabalhadores autônomos, como os representantes comerciais e profissionais liberais, advogados, médicos e engenheiros, por exemplo. Esse é o pensamento de Carlos Alberto Molinaro e Teresinha Maria Delfina Signori Correia em Comentários à Constituição do Brasil. Obra coordenada por J. J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck:</p>
<p class="jota-article__reference" style="text-align: right;">"4.1 Relações de trabalho</p>
<p class="jota-article__reference" style="text-align: right;">O inciso I do art. 114 caracteriza nítida mudança de modelo, tendo em vista que o dispositivo traz à competência da Justiça do Trabalho os dissídios decorrentes da relação de trabalho (não só da relação de emprego). Note-se, não se trata mais da limitação de conciliar e julgar os dissídios entre empregado e empregador, e sim de processar e julgar aqueles decorrentes da “relação de trabalho”. A competência subjetiva dá lugar à competência em razão da matéria. Pelos seus termos, a competência se apresenta com amplitude, abarcando todas as relações em que uma pessoa física - prestador - coloca à disposição de outrem - o tomador - sua força de trabalho independentemente da natureza existente entre o prestador e o tomador dos serviços, envolvendo, assim, todo e qualquer conflito decorrente de uma relação de trabalho".</p>
<p>O segundo tema é a questão que envolve as ações de indenização por dano moral e material ou por qualquer outro dano, especialmente aqueles advindos do acidente de trabalho ou da doença profissional, como previsto no inciso VI do artigo 114 da Carta política e bem interpretado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento realizado em junho de 2005.</p>
<p>Tanto é verdade que novos temas foram se agregando a competência da Justiça, notadamente questões trabalhistas que envolvam os trabalhadores em plataformas digitais. O tema é de fato instigante e faz parte dos novos tempos, com o avanço das novas tecnologias no mundo do trabalho. Há inovações em diversas áreas, aplicativos para diversas atividades, há o teletrabalho, startups, entre outros mecanismos.</p>
<p>Compreender bem esse aspecto da ampliação da competência é importante, uma vez que não se trata, tão-somente, de mudar de lugar, ou, mesmo, de juiz para conhecer uma questão judicial, mas, sim, de mudar de enfoque, de ver com outros olhos, de examinar o problema à luz do direito protetivo do trabalho. Dentro desse contexto é que se podem buscar meios de melhorar a atuação da justiça social e meios para se buscar um novo direito do trabalho, mais próximo do que está idealizado na Constituição, de ampla proteção social.</p>
<p>A nova competência foi bem aceita pelos juslaboralistas. Por certo, não é fácil aventurar-se pelo novo. Mas a aventura de viver nos faz buscar o crescimento, o avanço, o progresso, principalmente quando se lida com um dos fundamentos do Estado brasileiro estabelecido na Constituição: a concreção do princípio da dignidade da pessoa humana.</p>
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JOTA

Notas sobre os direitos fundamentais e a proteção jurídica dos trabalhadores de plataformas digitais

Afirmação da competência da Justiça do Trabalho

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