Luciano Benetti Timm

Quem lê rapidamente o título deste artigo imaginaria que se trata de uma provocação de um radical de direita. No entanto, ele é uma livre adaptação de um artigo escrito por Cass Sunstei[1], professor da Faculdade de Direito de Harvard ligado ao Partido Democrata e que inclusive participou da gestão do presidente Barack Obama nos EUA.   
Antes um alerta. O adjetivo “esquerda” é polissêmico, ora associado ao (neo) marxismo, ora ao pós-modernismo francês, ora à Escola de Frankfurt e mesmo ao “progressismo identitário”, mas podemos simplificá-lo, para fins deste artigo, em uma maior descrença nas liberdades econômicas e em um maior ceticismo com a economia de mercado, com as corporações e todas as implicações daí derivadas em termos de políticas públicas, advogando-se mais amplamente por uma atuação estatal e interventiva.
Tal visão se oporia a uma ideologia de direita, entendida ora como conservadorismo, ora também como liberalismo (que tratam-se de visões muito distintas sobre o mundo, diga-se de passagem), as quais convergiriam em uma maior aposta nas liberdades individuais, no empreendedorismo e na livre iniciativa.  
Feito esse alerta simplificador da realidade, é verdade que existe a percepção na sociedade norte-americana (e mais ainda na brasileira) de que o pensamento dominante nas escolas e, sobretudo, nas universidades, é de esquerda. Mas Sunstein, como acadêmico de peso que é, sai do lugar-comum da disputa puramente ideológica e traz dados alarmantes – pelo menos para quem acredita em diversidade de pensamento. Segundo o autor citado: “Democratas dominam na maioria das áreas: a música, a razão é de 33 (democratas) para 1 (republicano); em biologia de 21 para 1; em filosofia, história e psicologia é de 17 para 1; em ciência política, de 8 para 1".
Evidentemente, nas humanidades (como o direito) – normalmente menos comprometidas com pesquisa empírica e com resultados práticos em comparação com as ciências naturais ou exatas –, a desproporção é substancialmente maior e com riscos maiores ao ensino e à própria democracia, que depende de visões competitivas de ideias sobre políticas públicas e jurídicas. Afinal, ensinar computação, engenharia e matemática é menos afetada pela ideologia do que ensinar direito, história, economia e mesmo psicologia.  
Pense-se, por exemplo, nas discussões recentes que estamos tendo no Brasil sobre o Marco Legal do Saneamento, a independência do Banco Central, invasões do MST, a própria atuação do Supremo Tribunal Federal.
Ora, é importante que alunos das faculdades de direito sejam expostos a diferentes visões e abordagens a fim de que possam construir o seu próprio pensamento ético, econômico e político, que compõem a base das decisões jurídicas em “casos difíceis”. E, sobretudo, que aprendam a ter tolerância a opiniões diferentes. Afinal, ao se constatar que existem muitas injustiças em nosso país, não significa que exista um único e inequívoco caminho para seu enfrentamento no campo jurídico. Não há monopólio da verdade.  
A falta de diversidade ideológica nas universidades, segundo ainda Sunstein, gera dois problemas. O primeiro seria o baixo estímulo à inovação de ideias, afinal professores de visões ideológicas minoritárias não seriam contratados ou sofreriam até mesmo perseguição no ambiente acadêmico (resignando-se ao silêncio); segundo, tenderia a gerar vieses cognitivos em favor da visão dominante e, por implicação, menos tolerância às percepções teóricas “rivais”, que deveriam competir em um “mercado de ideias”.  
É possível argumentar que existiria uma terceira consequência não vislumbrada pelo autor, até porque o artigo é mais antigo e não se tinha acompanhado as recentes eleições dos EUA e do Brasil. Ora, a falta de representatividade de diferentes orientações ideológicas no meio acadêmico faz com que parcela da sociedade não se sinta representada pela instituição universidade, abrindo espaço para sua deslegitimação e da própria ciência, ensejando um ambiente intelectual propício a crenças desprovidas de evidências científicas (tais como negação das vacinas, da teoria da evolução das espécies etc). Sem falar do risco de deslegitimação do próprio direito, como grande ferramenta civilizatória que sempre foi, para resolver conflitos na sociedade.  
Ademais, há ainda outras pesquisas surpreendentes divulgadas recentemente que dizem respeito seja à falta de conhecimento das opiniões de “rivais” políticos (gerando muito barulho em redes sociais), como também o apoio a vaias e “silenciamento” de discursos no ambiente acadêmico – inclusive em faculdades de direito nos EUA e no Brasil.   
Sunstein diagnostica esses problemas e faz uma provocação. Gestores de departamentos acadêmicos de humanidades devem estar atentos à representatividade e diversidade ideológica. Bem agiu o diretor da Faculdade de Direito da USP ao <a href="https://www.conjur.com.br/2023-fev-07/floriano-azevedo-marques-cabem-todos-seusprofessores-arcadas">defender o pluralismo de ideias no Largo São Francisco</a>, assim como Harvard, que <a href="https://www.poder360.com.br/internacional/harvard-cria-conselho-de-liberdade-academica-e-de-expressao/">recentemente criou um Conselho de Liberdade Acadêmica e de Expressão</a> com apoio de cientistas de peso como Pinker, que nada tem de “conservador”.   
Finalmente, mas não menos importante, liberdade de opinião (ao contrário do que defende barulhenta minoria radical) não implica ofender pessoas de forma absolutamente desprovida de evidências científicas. Todavia, os paradigmas científicos podem se transformar e o diálogo precisa ocorrer de forma civilizada e democrática nas Faculdades de Direito.
<hr />
[1] Disponível em: <a class="Hyperlink SCXW12705316 BCX0" href="https://www.sltrib.com/opinion/commentary/2018/09/19/cass-sunstein-problem/" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www.sltrib.com/opinion/commentary/2018/09/19/cass-sunstein-problem/</a>. Apenas um alerta para evitar confusão. A expressão “liberal” nos EUA não tem o mesmo significado que a expressão no Brasil.

Direito autoral

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JOTA

Liberdade de opinião não implica ofender pessoas de forma absolutamente desprovida de evidências científicas

Afinal, 'qual o problema com tantos professores de esquerda' no direito?

Liberdade de opinião não implica ofender pessoas de forma absolutamente desprovida de evidências científicas