José Roberto Covac Junior

Recentemente foi publicada a Lei nº 14.151/2021 dispondo que as empregadas gestantes deverão ser afastadas das atividades presenciais, sem prejuízo de sua remuneração, durante a emergência de saúde pública ocasionada pelo novo coronavírus.
A lei tem boa intenção, na medida em que as gestantes, obviamente, merecem proteção legal em meio à pandemia causada pelo coronavírus. Mas a conta é de quem?
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Segundo a nova norma, as empresas deverão afastar as gestantes de seus postos ou locais de trabalho cujas atividades operacionais são incompatíveis com o teletrabalho ou outra forma de trabalho a distância. Uma vez que a lei não dispõe que o custo será arcado pelo Estado, em especial pela Seguridade Social, o ônus é, em regra, do empregador em razão do princípio da alteridade, previsto no artigo 2º da CLT.
Contudo, é importante esclarecer que a Convenção nº 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada pelo Brasil, tendo valor de lei federal, prevê que o empregador não deve arcar com os custos das prestações devidas às mulheres que emprega.
Assim, a responsabilização por esse custo deveria ser do Poder Público, isso porquê a proteção à maternidade é um direito constitucional e, portanto, deixar a empregada gestante desamparada financeiramente durante a gravidez não é uma possibilidade jurídica e moralmente aceitável.
É fundamental lembrarmos que o histórico legislativo da proteção ao trabalho da mulher, especialmente da maternidade, ensina que compete a toda sociedade brasileira o dever de amparar e proteger a mulher, inclusive financeiramente, por meio da Seguridade Social.
Trata-se de um dever social, moral e legal. Se a lei continuar do jeito que está, estaríamos por aumentar o abismo já existente entre as mulheres e homens no mercado de trabalho, criando um novo fator de discriminação. Invariavelmente os empregadores poderão pensar duas vezes em contratar uma mulher.
<blockquote class="jota-article__eye">Sem dúvida nenhuma temos um retrocesso social gigante no sistema de seguridade social. Ainda não se sabe até quando a pandemia irá durar, ou mesmo se outras surgirão, e certamente essa política de afastamento tornará a ser adotada.</blockquote>
Por sua vez, é de conhecimento de todos que a Previdência Social está “quebrada”. E, para piorar, segue em vigor no sistema jurídico brasileiro o princípio da fonte de custeio prévio para qualquer criação ou ampliação de benefício previdenciário, conforme dispõe o § 5º do art. 195 da Constituição Federal.
Esse princípio tem por fundamento a necessidade de uma fonte de custeio prévia para criação, ampliação ou majoração de benefícios da seguridade social, calcando-se na necessidade de equilíbrio atuarial e financeiro entre receitas e despesas destinadas ao pagamento de benefícios previdenciários. (MENDES, Gilmar Ferreira &amp; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional 10ª Ed. 2015, p. 678).
Nesse sentido, em tese, segundo a Constituição Federal, não existiria a possiblidade do financiamento da remuneração prevista na Lei 14.151/2021 por parte da Previdência Social sem que houvesse uma lei específica, e, principalmente, fonte prévia para tanto.
Chama a atenção, todavia, que em recente julgamento de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.327, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a possibilidade de considerar a data da alta da mãe ou do recém-nascido como marco inicial da licença-maternidade.
Conforme o relator ministro Fachin, não há previsão em lei de extensão da licença em razão da necessidade de internações mais longas, especialmente nos casos de crianças nascidas prematuramente (antes de 37 semanas de gestação), e, portanto, caberia ao STF, naquele caso em concreto, suprir essa omissão legislativa. Ou seja, o STF decidiu pela possibilidade de extensão do salário maternidade mesmo com a ausência de fonte de custeio.
Um dos argumentos utilizados pela Procuradoria da Fazenda Nacional foi que: “(...) a interpretação proposta pelos autores da ADI, o entendimento não poderá, a nosso entender, ampliar o prazo de recebimento do benefício de salário-maternidade para além dos prazos normativamente previstos, regra geral limitado a 120 (cento e vinte) dias (art. 71 da Lei nº 8.213, de 1991), sob pena de ampliar a concessão de benefício previdenciário sem a existência de prévia fonte de custeio, contrariando o § 5º do art. 195 da Constituição Federal, impactando diretamente nas contas públicas em momento tão sensível do orçamento da seguridade social e ampliando, possivelmente, o déficit do RGPS.”
Rebatendo a argumentação do Fisco, por sua vez, o ministro Edson Fachin afirma que o benefício e sua fonte de custeio já existem. Segundo a decisão, a Seguridade Social, deve ser compreendida integralmente, como sistema de proteção social que “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”
Ou seja, as contribuições previstas no art. 195 (e complementarmente os impostos), à exceção daquela do art. 195, I, “a”, e do inciso II, devem ser destinadas ao tripé composto pelas ações da previdência, assistência e saúde. A proteção da maternidade, especialmente da gestante, da qual trata o salário-maternidade, encontra previsão expressa no art. 201, II, da CF, que disciplina a previdência.
Se esta não lhe atender, a ação demandada será da saúde e/ou da assistência. Essa ausência de previsão de fonte de custeio não foi óbice para extensão do prazo de licença à adotante, como decidido no RE 778.889, relator(a): min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016, já citado. Assim como não é óbice a demandas de assistência médico-farmacêutica.
Temos que ter em mente, todavia, que na ADI 6.327 buscou-se uma extensão de um benefício já existente. No caso da Lei 14.151/2021, não prevê um benefício previdenciário para as mulheres grávidas, mas sim, o pagamento da integralidade da remuneração das empregadas, e aqui vale ressaltar que quando falamos de integralidade de remuneração referimo-nos à percepção de todos os benefícios e verbas inerentes ao conceito de remuneração.
No entanto, compreende-se, por meio desse recente e forte precedente, a possiblidade de discussão no judiciário da legalidade e constitucionalidade da Lei 14.151/2021 para determinar que o Poder Público, em especial a Seguridade Social, arque com a remuneração na integralidade das empregadas grávidas afastadas do trabalho em função da pandemia causada pelo coronavírus.
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JOTA

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