Thiago Gomes Anastácio

Em países de língua inglesa o advogado de júri, ou de tribunal, é aquele atuante nos litígios judiciais e que acaba sendo interpretado por galãs e musas do cinema. Pode atuar perante um júri ou um juiz e tem designações diferentes dos demais advogados.
São criativos, irônicos, controversos, eloquentes e fundamentalmente temidos. Vejam Spencer Tracy atuando como um simulacro de Clarence Darrow em “E o vento será a tua herança” e entenderão a assertiva.
São chamados de barristers ou trial lawyers, o que os difere dos solicitadores. Estes são os preparadores dos processos, ou, como são aqui, os advogados que funcionam nos escritórios preparando os casos para os tribunais, colacionando jurisprudências, doutrinas e detalhes do processo muitas vezes de milhares de páginas, fomentando o raciocínio e a atuação dos que os lideram.
Não há hierarquia, mas quem cuida do fim verifica e direciona os meios. A conclusão é lógica. Quem vai para a batalha judicial verifica as armas e estratégias de casernas dos seus batedores.
De uns anos para cá, com o advento de milhares de meninas e meninos buscando as riquezas materiais que o direito criminal é capaz de proporcionar entrou em voga, de modo pejorativo, a expressão “ele (a) é advogado de Júri”.
Isso começou com os nada talentosos que, para se justificarem, se disseram modernos e preferiram atuar tendo como “terríveis adversários” os advogados juniores das empresas que representam, matando-se para manterem-nos agradados. Os adversários são manter os clientes e não permitir que diretores de empresas sejam incomodados com “obrigações de depor”. 
Seria mesmo muito estranho se milhares e milhares de jovens conhecessem a história dos Tribunais, os clássicos da literatura, tivessem tirocínio e agilidade para embasbacar um oponente e convencer; conhecer e dominar a métrica poética para melhor falarem, o uso das metáforas e parábolas para passarem seus recados e argumentos; seria estranho que todo mundo tivesse talento ou mesmo que um por cento já tivesse algum talento. Isso é coisa rara demais, ainda mais quando o ser humano não tem mais tempo para pensar, meditar e ler. 
E como não têm esse talento, referidas “crianças” da justiça criminal atacam nas surdinas os poucos que os têm, geralmente seus patrões ou colegas de mesma idade que vão ganhando destaque por terem essas características, que além de pessoais são frutos dos esforços de madrugadas à dentro.
Uma pausa. Na série sobre O.J. Simpson que está tão em voga, quando Robert Shapiro chama Lee Bailey de “Judas!” e sofre a imediata resposta “E você por acaso seria Jesus?” temos uma típica situação demonstradora desse talento: conhecimento da história, velocidade de resposta e ironia para desbancar o ofensor.
As críticas aos advogados de Júri são as mais diversas e nenhuma tem fundamento. Melhor elencá-las para, como Evaristo, rasgar papeleta por papeleta (se você não sabe o que são papeletas e nem Evaristo, já é um mau sinal):
1. Advogados de júri não “falam bem” e não amam o júri ou os tribunais, mas também não os temem: esses advogados são oradores que tem, na expressão de Wally Salomão, pororocas na cabeça tantos os pensamentos e meditações previstas sobre os mais variados temas, como o direito penal, o processo penal e a psicologia judiciária. Ao mesmo tempo carregam o peso de terem talento para participar de rituais tristes, pois na área criminal sempre há alguém preso ou na iminência de sê-lo. Nos casos de júri, uma pessoa morta e uma presa quase como regra.
2. Advogados de júri não tem “boa retórica”: a retórica, ao menos desde Aristóteles (quem o leu?), é um conjunto de normas e instrumentos para se alcançar a perfeita transmissão da mensagem pretendida. A retórica e suas regras devem ser do pleno conhecimento de todos os advogados, sejam solicitadores ou advogados de julgamento. A diferença entre retórica e eloquência sim, é o cerne da questão. 
3. Advogados de júri seriam os ancestrais dos advogados modernos: ledo engano. Os ditos advogados modernos tem como matriz a justiça americana, justamente esta em que os advogados de julgamento são deuses. Não por outro motivo, depois da judicialização constitucional dos casos criminais, são nossos grandes advogados de julgamento os generais das grandes causas. Exemplos, abaixo:
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(Márcio Thomaz Bastos)
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(Arnaldo Malheiros Filho)
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(Antônio Claudio Mariz de Oliveira e Alberto Toron).
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4. Curiosamente, na área criminal, os advogados de julgamento encabeçam os nomes nas portas dos seus escritórios – curiosamente, os mais procurados. Por que será?
5. O Júri é um teatro? De fato o pessoal “Malhação” não entende uma peça de Paulo Autran, uma comédia social de Shaw ou um drama de Brecht. 
Há tempos estou para escrever esse texto. Homens e mulheres que vivem de meditações das madrugadas, entre livros e dramas humanos, pensando na forma e nas palavras com que convencerão os juízes não podem ser postos para escanteio pelo analfabetismo de quem os próprios pais, amigos e irmãos não confiariam suas defesas. Postos de lados não. Os advogados de julgamento, os que reconhecidamente o são não podem estar nas bocas pecaminosas dos falsários de boutiques.
O advogado de julgamento, para além de ter o direito como um instrumento de trabalho é um animal fundamentalmente político, que transporta o direito e a justiça para fora dos tribunais e traz a civilização para dentro daquele. Que entendam de uma vez: um advogado de julgamento é para a justiça criminal exatamente o que um professor catedrático é para a Academia.
De igual maneira, são poucas as cadeiras para se sentarem e poucos a merecem-nas.
Talvez seja a hora dos advogados criminais terem a humildade de se dividirem entre os que são advogados de julgamento e advogados preparadores dos processos. O futuro está na conjugação de trabalhos e talentos distintos e não nas heresias por motivos comerciais que tem enfraquecido a advocacia, feito ídolos alguns acusadores e juízes, simplesmente porque estes roubaram da advocacia a capacidade e a preocupação de se comunicar e agir politicamente.
A fome por dinheiro e as heresias praticadas em nome do sucesso também estão matando a advocacia criminal e o direito de defesa.
Os advogados precisam lutar por uma melhor polícia, honesta e preparadíssima, condições úteis e decentes nos presídios para os casos de penas de reclusão e um judiciário que possa trabalhar com calma, tempo e sapiência.
Seria muito bom também se a imprensa não vendesse, em troca de furos e ou dinheiro, falsos profetas que retransmitem mal e porcamente, o que ouviram dizer e pouco entenderam.

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Advogados de julgamento e solicitadores

Para meu pai. 730 dias depois