Thiago Gomes Anastácio

Preciso escrever sobre um amor machucado, ferido. De vez em quando o amor começa a ir embora e nem nos tocamos, seguimos em frente, adiante como se no horizonte pudesse haver um reencontro.  É a esperança vã ou a praticidade das ideologias (e o caminhar lembrado por GALEANO).  A tudo pode servir. Às grandes virtudes ou às grandes catástrofes.
Eu amei. Amei a advocacia criminal como o poeta ama o verso e a musa deveria amar o poeta.
Essa história começou simples. Desde pequeno minha avó Irene Tranjan Anastácio – que o lá de baixo a tenha, se bem que já a deve ter mandado para o céu com medo de uma guerra civil – me relembrava histórias do grande Alfredo Tranjan, seu irmão. O conheci como tio, não como mestre da advocacia.
Sem muito saber o que fazer da vida, flertando com a arquitetura e com as letras, mas com uma coisa dentro de mim que me fazia contestar, ir contra as aparências de poder e as falsas autoridades, acabei por ir-me ao Direito. Numa das piores faculdades possíveis. O bar, ao menos, era bom.
Desde a primeira semana dos bancos estava na então PAJ criminal e poucos meses depois, na PAJ do Júri. Fui expulso das varas criminais. “Aqui não é lugar para defesas como você quer fazer. Moem-se pobres aqui” foi o que ouvi. Fui-me.
Apaixonei-me pelo que só sabia por ouvir dizer ao assistir meu fraternal amigo e grande mentor Marcelo Carneiro Novaes quase absolvendo um acusado de um crime absurdamente horrível; de uma menina violentada e arremessada de um prédio – desses “treme treme” – e que tombou nos fios de alta tensão. Por um voto, o moço fora condenado. Havia dúvida, não sei se razoável.
E então ali comecei a visitar presídios, escrever, estudar. Puseram-me de menino dourado e eu ganhava livros, me mandavam aos sebos. Até o carro que ganhei vendi para comprar livros. Se eu comprava Bento de Faria, me criticavam. Deveria ter comprado Hungria. Apaixonado pelo bibliotecarismo, provocavam-me e me faziam comprar Jimenez de Asúa. No terceiro ano da faculdade estreei no Júri.
Entre os clássicos e debaixo de pontes na madrugada, atrás de testemunhas, foi um pulo. Uma coisa é o Direito, outra coisa é a Justiça humana.
Queriam-me um concursado. Eu não poderia. E por respeito aos que o são, largo a chance de afirmar meus motivos. Importa é que não era para mim.
Mas confesso que me tatuou a fogo as críticas à advocacia privada e seus problemas de pouco fair play e principalmente, sobre a corrupção velada. Meu grande mestre, o maior advogado que conheci, largara a advocacia por não suportar o que vivera e fora para a Procuradoria de Assistência Judiciária.
Mas fui recebido de braços abertos pela advocacia criminal, fundamentalmente por causa de qualidade – que não as reputo ter – afeita ao Tribunal do Júri e outras tribunas. Devo isso graças aos irmãos Fábio Tofic, Augusto Botelho, Rafael Tucherman e meu sócio Carlos Chammas. A esses quatro.
Eram tempos dos quatro cardeais: Mariz, Arnaldo, Márcio e José Carlos. Menos atuante na advocacia do que esses quatro, o Profº Miguel Reale Jr.
 Suas condutas bem como suas posturas regiam a advocacia criminal e como os jovens deveriam se comportar. Dois deles se foram recentemente (Arnaldo e Márcio). Ficaram os dois gênios José Carlos Dias e Mariz de Oliveira. Sempre tive predileção pela postura altiva e intelectual de Mariz de Oliveira, mas sempre admirei a genialidade do Arnaldo (de quem tive a fortuna de me aproximar nos seus últimos anos por causa do meu amado IDDD), achava divertido o sabonete político que era Márcio e sua habilidade estratégica e a história, coragem e discrição de José Carlos Dias.
Sem metade deles, e principalmente com o legado argentário de Márcio que levou a advocacia a outro patamar de honorários (aos moldes do que acontece no mundo inteiro) e político, surgiram intermitências entre o passado e futuro da profissão.
E a advocacia, que parecia, naquele momento se dividir entre a advocacia penal empresarial e a advocacia criminal clássica, foi alterada pelo fenômeno Lava Jato - que tudo mesclou, confundiu e difundiu. Profissionais que nunca tinha cuidado de um caso criminal passaram a se dizer “advogados criminalistas”. Correspondentes de escritórios do eixo Rio, São Paulo, Minas Gerais passaram a aparecer na televisão, como advogados de grandes clientes, enquanto apenas iam a audiências como correspondentes. Isso tudo é do jogo e bonito, pois por certo esses rapazes se humanizaram em ter contato com clientes presos, sofrendo com suas famílias e expectativas.
Mas o que é a advocacia clássica? Será a antiga, fora de moda? Um advogado de Júri, de Tribunais, pode sentar-se com grandes empresários e discutir crimes contra o sistema financeiro, transnacionais?
Cuidar de extradições, delicadas delações premiadas correndo em sigilo absoluto fora dos holofotes da imprensa, com clientes presos em outros países e “repatriados” soltos, sem qualquer informação por meses de que eles já estivessem em solo nacional?
Negociar ou confrontar o Departamento de Justiça americano? Será que conseguem?    
E ser discreto, será coisa da advocacia clássica? Sim, como diz Mariz de Oliveira, sou um velho (Sempre brinco: “Falou o jovem”). E eu que talvez estivesse aí em cima falando de outros advogados, de mim mesmo, do meu sócio, em um tirocínio...
Mas não importa para ninguém quem defendo e o que faço. Apenas nos momentos públicos devo fazer saber por quem falo.  
A advocacia é um sonho sem dormir e a depender do dia, um pesadelo, Advocacia e sono se parecem demais. Sonhamos acordados, vivemos pesadelos acordados. Às vezes mal dormimos. Os advogados criminais, de defesa, no Brasil, vivem no séc. XXI o que viviam os mestres franceses ao tempo da Revolução Francesa, tentando sedimentar direitos e faze-los parar de variar a depender da composição do Supremo Tribunal (as Convenções) ou do palhaço eleito como voto de protesto. Assim como os economistas, vivemos sob os holofotes das variações de humor do mercado e dos juízes, da instabilidade da interpretação do direito, do Direito a ser interpretado pela estabilidade econômica do país.  
Uma provocação?
Traga-se o melhor dos melhores advogados de Nova Iorque para uma audiência na Barra Funda ou na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Ele sairá delas se aposentando, pois não saberia viver em sistema judicial tão disforme, de direitos tão contestados por juízes a acusadores, onde a racionalização e a lógica pouco são capazes de influir no resultado das audiências e julgamentos.
Tragam os mestres doutrinários da Alemanha e Espanha para darem aulas analisando as decisões sobre direitos e garantias do processo penal e das interpretações penais nas decisões do STF a partir da luz da boa hermenêutica: pularão das janelas.  
 Como em todo relacionamento, meu amor está machucado. Não amo mais, ou amo menos, a advocacia criminal. Talvez ela me traga flores na próxima semana, me diga coisas bonitas, me escreva um verso cheio de rimas fáceis e bonitinhas, me leve ao cinema. Espero que não esqueça o vinho. E a aurora poderá novamente cantar uma canção de amor.
 Tudo pode ser no futuro.
Mas, confessando-me um conservador nos costumes, devo dizer como Lupicínio sobre meu ciúme: não tenha nervos de aço para saber que meu amor andou nos braços de outros quaisquer.

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JOTA

A advocacia é um sonho sem dormir e a depender do dia, um pesadelo

Advocacia criminal: um amor machucado

A advocacia é um sonho sem dormir e a depender do dia, um pesadelo