Konstantin Gerber

“(...) a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor”
Celso Antônio Bandeira de Mello[1]
A contratação de serviço especializado pela Administração Pública justifica-se pela melhor forma de se atender ao interesse público. Toshio Mukai decompõe a natureza singular do serviço: em relação ao objeto contratado; ao prestador do serviço; e ao modo de como o serviço é prestado[2]. Qualifica-o como um serviço de “criatividade ímpar”.
Em consulta, anterior à vigente Lei de Licitações, Eros Grau, por sua vez, assinalava a confiança “em virtude da reiteração do desempenho de serviços bem sucedidos”[3], de modo a se inferir que o trabalho especializado é o mais adequado para a satisfação do objeto contratado. Alude, portanto, ao “desempenho anterior”: o que pode ser compreendido por “estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica”[4]. Deste raciocínio, infere-se que deve ser levada em consideração a experiência em questões semelhantes e que isto guarde relação com o atingimento do interesse público concreto: o objeto contratado. Basta ler o §1 do inc. II do art. 25 da Lei 8.666/93.
Como dito por Márcio Cammarosano a dicção deste parágrafo “significa reconhecimento da necessidade, da adequação às necessidades da administração, não propriamente da imprescindibilidade, no sentido de que só um notoriamente especializado poderia prestar o serviço necessário”[5]. Mais, significa que “é de se presumir, pela confiança que o profissional inspira, que seu trabalho revelar-se-á, ao final, superlativamente adequado à consecução da finalidade da contratação”[6]. E conforme dito por Marçal Justen Filho: “a singularidade do objeto nada mais reflete senão a singularidade do próprio interesse estatal a ser atendido”.[7]
O STF, no Inq 3074/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 26/08/14, rejeitou denúncia por falta de justa causa. Da ementa extrai-se: “A contratação direta de escritório de advocacia, sem licitação, deve observar os seguintes parâmetros: a) existência de procedimento administrativo formal; b) notória especialização profissional; c) natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado.”
Remarque-se: deve haver demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público. Não se trata de uma preferencia pessoal. Há decisões do TCU que determinam a realização de pré-qualificação dos profissionais de notória especialização[8].
Existem: a discricionariedade administrativa e os seus graus de vinculação. Os atos administrativos devem ser motivados conforme leis de processo administrativo[9]. O STJ posicionou-se no sentido de que há discricionariedade do administrador na escolha do melhor profissional, “desde que presente o interesse público e inocorrente o desvio de poder, afilhadismo ou compadrio” (Resp 1192332/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia, j. em 12/11/2013).
O STF, na Ap 348, Rel.  Min. Eros Grau, j. em 15/12/2006, já havia delineado a interpretação no tema. Extrai-se da ementa: “´Serviços técnicos profissionais especializados´ são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços - procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo - é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do ´trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato´ (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança.”
Deste julgado, contata-se haver um exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração, de modo que haja necessária conexão entre a notória especialização ao elemento subjetivo confiança como a melhor forma de satisfazer o objeto do contrato. A inviabilidade de competição decorre da ausência de critérios objetivos[10]. O trabalho intelectual do advogado é de natureza personalíssima.
A Súmula n. 264/2011 do TCU menciona “executor de confiança” a exigir em sua seleção “grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação”. Esclareça-se uma vez mais: deve ser a confiança motivada e não a mera preferência pessoal.
Daí porque o STJ tenha se manifestado em favor de condenação por violação art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa quando ausentes os requisitos legais: “a contratação de escritórios profissionais de advocacia sem a demonstração concreta das hipóteses de inexigibilidade de licitação (singularidade do serviço e notória especialização do prestador), acrescida da inserção de cláusulas que transformam o prestador de serviço em sócio do Estado, negam aplicação ao art. 37, caput, e inciso XXI, da CF/1988” (Resp 1377703/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, j. em 03/12/2013).
Sobre a natureza singular do serviço advocatício, Marçal Justen Filho enumera: “a complexidade da questão, a especialidade da matéria, a sua relevância econômica, o local em que se exercitará a atividade, o grau de jurisdição e assim por diante. Nada impede que a singularidade derive da complexidade do conjunto de atividades e tarefas: individualmente, cada atuação poderia ser considerada como normal e comum, mas existem centenas ou milhares de processos e a singularidade decorre dessa circunstância quantitativa”[11].
Este autor pondera que a manutenção de quadro permanente de advogados pode gerar custos mais elevados do que a contratação de escritórios externos, podendo haver situações a exigir profissionais altamente qualificados, que não são vinculados de modo permanente e contínuo com a Administração Pública[12].
Por fim, breves apontamentos sobre o número de funcionários concursados e o número de funcionários terceirizados, pois este argumento é por vezes utilizado para se questionar a singularidade do serviço advocatício. Sobre terceirização na administração pública, cumpre referir o entendimento de Carolina Zancaner Zockun que, ao interpretar o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, considera passíveis de terceirização os serviços que não constituam atividade permanente e interna da Administração, ou em se tratando de serviço interno, que o seja temporário[13].
Isto posto, o fato da Administração Pública dispor de quadro próprio de advogados não constitui impedimento legal a contratar advogado particular para a prestação de serviços específicos em causa complexa que assim o demande por escapar da rotina do órgão da procuradoria, desde que atendidos os requisitos previstos no arts. 13, V c.c. 25 da Lei 8.666/93.
Estes critérios, atualmente, encontram-se densificados por meio da interpretação dos tribunais e assim devem ser observados sob pena de restrição excessiva e indevida ao livre exercício profissional da advocacia (arts. 5º, XIII c.c.133, Constituição Federal) e de um seus ramos de especialização, qual seja: o direito público. O tema será revisitado pelo STF, quando do julgamento RE 656558.
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[1]Curso de Direito Administrativo. 16 ed. Malheiros, São Paulo: 2003, Pág. 503
[2] MUKAI, Toshio. O sentido e o alcance da expressão “natureza singular” para fins de contratação por notória especialização (Parecer). Interesse Público n. 25, Notadez, Porto Alegre: 2004, págs. 94 e 95.
[3] GRAU, Eros Roberto. Inexigibilidade de licitação. Serviços técnico-profissionais especializados. Notória Especialização. Revista de Direito Público n. 99, RT, São Paulo: 1991, pág. 75.
[4] Idem, pág, 75
[5]CAMMAROSANO, Márcio. Inexigibilidade de licitações e contratação direta por notória especialização. Revista do TCESP n. 119, 2007, pág.77
[6] Idem, pág. 77.
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos 14 ed. Dialética, 2010, pág. 359
[8] PAIVA, Clarissa Teixeira. Contratação de serviços advocatícios sem licitação: para além da natureza singular e da notória especialização. Revista Brasileira de Direito Público ano 13, n. 48, Ed. Fórum, Biblioteca Digital, Belo Horizonte: 2015, pág.10
[9] Vide art. 50 da Lei Federal 9.784/99, que é reputada por se tratar de lei geral cf. MATHEUS, Rodrigo Barbosa. Âmbito de validade da Lei Federal de Processo Administrativo (Lei nº 9.784/1999). Mestrado em Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo: 2009.
[10] Idem, pág. 8.
[11] JUSTEN FILHO, 2010, Op. Cit., pág. 375
[12] Idem, pág. 374
[13] ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da terceirização na administração pública. Malheiros, São Paulo, 2014, págs. 133-136

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