Allan George de Abreu Fallet

O instituto da denúncia espontânea tem como objetivo estimular o contribuinte a colocar-se em situação de regularidade, ou seja, resgatando as pendências ainda desconhecidas pela Fazenda, conforme disposto no artigo 138 do Código Tributário Nacional (“CTN”).
Tendo em vista a redação originária do artigo 102, parágrafo segundo, do Decreto-Lei nº 37/66, o entendimento das autoridades administrativas era de que se aplicava a denúncia espontânea apenas para excluir as penalidades de natureza tributária.
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No entanto, com o advento da Medida Provisória nº 497/10, convertida na Lei nº 12.350/10, foi alterado o parágrafo segundo do referido artigo para eliminar as dúvidas relacionadas aos casos em que a administração tributária desconhecia totalmente a conduta praticada pelo contribuinte, tendo este se antecipado à fiscalização e declarado as necessárias informações originárias ou retificadoras nos termos do artigo 138 do CTN.
Vale esclarecer que conforme os artigos 545 e 683 do Decreto nº 6.759/09 e o 14 da Instrução Normativa SRF nº 680/06, que disciplina o despacho aduaneiro de importação, resta claro que o registro da DI caracteriza o início do despacho aduaneiro, sendo certo que, não será considerada espontânea a denúncia realizada no curso do despacho aduaneiro até o desembaraço da mercadoria.
Tal entendimento foi confirmado pelas autoridades administrativas, quando se manifestaram no sentido de que (i) após o desembaraço aduaneiro, entende-se que o contribuinte readquire a espontaneidade podendo desta forma, utilizar-se do instituto da denúncia espontânea (Solução de Consulta COSIT nº 26/08) e que (ii) quando do pedido de retificação de DI por falta e acréscimos de mercadorias constatadas pelo importador posteriormente ao desembaraço aduaneiro, acompanhado do pagamento da diferença de tributos e acréscimos legais, seria cabível a aplicação do instituto da denúncia espontânea (DRJ/SP, Acórdão nº 17-20312, DJ 13.09.07).
Nessa perspectiva, estariam excluídas da denúncia espontânea (i) as penalidades incidentes na hipótese de sujeição a perdimento, (ii) a utilização da carta de correção apresentada após o início do despacho aduaneiro (art. 683, §3º, do Decreto nº 6.759/09), e (iii) a infração imputada ao transportador após a formalização da entrada de veículo proveniente do exterior (art. 46, §2º, do Decreto nº 6.759/09).
Analisando um caso de erro na DI com relação à divergências encontradas no que se refere ao “País de Origem” quando confrontadas com a invoice e o certificado de origem, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) entendeu por acompanhar o voto do Conselheiro Relator, no sentido de que “há que se observar o potencial lesivo da conduta que ensejou a imputação de multa, vez que, coibindo esta, práticas que burlem o controle das importações, apresenta-se despropositada sua incidência em situações como a presente, em que se teria constatado diminuta discrepância da origem das mercadorias” (Acórdão nº 3401-002.543, DJ 27.03.14).
Quanto à análise do instituto da denúncia espontânea de uma forma geral, as Câmaras Baixas do CARF entenderam que o instituto da denúncia espontânea também seria aplicável as multas aduaneiras por força de disposição legal, conforme disposto nos acórdãos nºs 3201-001.084, DJ 24.09.12; 3302-002.733, DJ 14.10.14; e 3801-005.339, DJ 19.03.15.
Em posicionamento sobre a matéria, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) fixou entendimento no início de 2016, por voto de qualidade, no sentido de que algumas infrações não seriam suscetíveis de denúncia espontânea, pois a mera conduta, por si só já configuraria o ilícito, o qual uma vez ocorrido, não corroboraria com a possibilidade física ou jurídica de se evitar o resultado (acórdãos nºs 9303-003.556, DJ 26.04.16; 9303-003.560, DJ 26.04.16; e 9303-003.552, DJ 26.04.16).
Nos referidos julgamentos, o entendimento da 3ª Turma da CSRF se esposava da seguinte maneira: Conselheiros Carlos Alberto Freitas Barreto (presidente – voto de qualidade), Henrique Pinheiro (vencedor), Tatiana Midori Migiyama (vencida), Júlio Cesar Alves (vencido), Demes Brito (vencedor), Gilson Macedo (vencedor), Érika Costa (vencida), Vanessa Marini (vencida), Maria Tereza Martínez (vencida) e Rodrigo da Costa Pôssas (vencedor).
Com a formação de oito conselheiros e a mudança de alguns (entrada de Andrada Canuto e Charles Mayer e ausências de Carlos Alberto Freitas Barreto, Henrique Pinheiro, Gilson Macedo e Maria Tereza Martínez), o entendimento se manteve no final de 2016/início de 2017, por voto de qualidade, conforme disposto nos acórdãos nºs 9303-004.247 e 9303-004.246, DJ 14.09.16; 9303-004.320 e 9303-004.245, DJ 15.09.16; e 9303-004.909, DJ 23.03.17.
No final de 2017, com mais uma mudança na composição (entrada de Jorge Lock e Valcir Gassen e ausência de Érika Costa e Júlio Cesar Alves), o entendimento restou mantido, só que agora por maioria de votos, pela 3ª Turma da CSRF (acórdão nº 9303-005.870, DJ 18.10.17).
Em maio deste ano, em novo julgamento sobre o tema (processo administrativo nº 12466.002130/2010-79 - DJ15.05.18) e com nova composição (entrada de Luiz Eduardo de Oliveira e saída de Valcir Gassen) a 3ª Turma da CSRF confirmou o seu entendimento por maioria de votos, vencedores os conselheiros Andrada Canuto, Demes Brito, Jorge Lock, Luiz Eduardo de Oliveira, Rodrigo da Costa Pôssas (presidente em exercício) e vencidas as conselheiras Tatiana Midori Migiyama, Vanessa Marini e Érika Costa.
Contudo, nesse caso, os conselheiros entenderam por unanimidade que os autos do referido processo devem ser remetidos à instância a quo (Câmara Baixa do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) para que sejam analisadas e enfrentadas as questões de mérito trazidas pela empresa em seu recurso voluntário, tendo em vista que não foram objeto de deliberação.
Tal entendimento se estabeleceu, fundamentalmente, na premissa de que a prestação intempestiva da informação seria o próprio fato infringente que materializa a infração (deixar de prestar informação no prazo estabelecido), o que afastaria a aplicação do instituto da denúncia espontânea com base na Súmula nº 49 do CARF e no entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
<a name="_GoBack"></a> Por outro lado, deve ser analisado que a Súmula nº 49 do CARF (citada) afasta os efeitos da denúncia espontânea em relação às infrações tributárias decorrentes do atraso na entrega de declaração, o que difere da análise da legislação aduaneira. Além disso, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria ocorreu anteriormente à edição da referida Medida Provisória, bem como não analisou especificamente o artigo 102, parágrafo 2º, do Decreto-Lei nº 37/66.
Assim, essa situação encontra guarida no artigo 102, parágrafo 2º, do Decreto-Lei nº 37/66, com redação dada pela Lei nº 12.350/10, o qual prevê a exclusão da citada penalidade pelo instituto da denúncia espontânea. Inclusive, com a mudança do texto legal realizada em 2010, restou expressa a aplicabilidade do referido instituto da denúncia espontânea no âmbito da legislação aduaneira com o intuito de afastar as penalidades administrativas pelo descumprimento de obrigações acessórias (natureza tributária e administrativa), sendo excluídos apenas os casos de mercadorias sujeitas a pena de perdimento.
Esse entendimento foi reforçado pela íntegra da disposição de motivos da Medida Provisória nº 497/10, convertida posteriormente na Lei nº 12.350/10, a qual traduz que a “proposta de alteração do § 2º do art. 102 do Decreto-Lei nº 37, de 1966, visa a afastar dúvidas e divergência interpretativas quanto à aplicabilidade do instituto da denúncia espontânea e a consequente exclusão da imposição de determinadas penalidades, para as quais não se tem posicionamento doutrinário claro sobre sua natureza”.
Como se vê, a denúncia espontânea deixou de excluir somente as penalidades de natureza tributária passando a ser aplicada também às penalidades de natureza administrativa.
Inclusive, a CSRF, ao analisar a matéria aplicando o benefício da retroatividade da penalidade mais benéfica ao contribuinte, em atendimento ao artigo 106, inciso II, alínea ‘c”, do Código Tributário Nacional, já firmou o entendimento de que em se tratando de penalidade cuja exigência se encontra pendente de julgamento, aplicar-se-á a legislação superveniente que venha a beneficiar o contribuinte (acórdão nº 9101-00344, DJ 25.08.09).
Portanto, em razão da retroatividade benigna, deve ser determinada a aplicação do instituto da denúncia espontânea com base no disposto no artigo 102, parágrafo 2º, do Decreto-Lei nº 37/66, na redação dada pela Lei nº 12.350/10, que substituiu a restrição anterior.
Por fim, como muito bem decidido pela CSRF, como a denúncia espontânea é questão prejudicial de mérito, impede efetivamente o julgamento das demais questões afeitas à exigência da penalidade em análise, devendo ao menos “o processo retornar a instância a quo para apreciação das demais questões trazidas no recurso voluntário e que não foram objeto de deliberação por aquele Colegiado”, conforme disposto no acórdão nº 9303-003.560.
Diante do exposto, não se pode descartar o risco de autuações com a exigência das multas pelo descumprimento das obrigações aduaneiras aqui exemplificadas, para aqueles contribuintes que entregaram suas declarações ou prestaram informações de forma espontânea, antes do início de qualquer procedimento fiscal.

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JOTA

Denúncia espontânea deixou de excluir somente as penalidades de natureza tributária 

Administração Aduaneira: CSRF pacifica posicionamento sobre denúncia espontânea

Denúncia espontânea deixou de excluir somente as penalidades de natureza tributária