Aline Bagesteiro

Teve início no último dia 4 o julgamento presencial, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), da ADI 7.324, na qual as concessionárias de distribuição de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/energia-eletrica">energia elétrica</a> buscam a declaração de inconstitucionalidade total da Lei 14.385/2022 ou, de forma subsidiária, do art. 3º-B da Lei 9.427/1996.
O dispositivo específico questionado determina que a Agência Nacional de Energia Elétrica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aneel">Aneel</a>) promova a destinação integral, em proveito dos consumidores, dos valores objeto de repetição de indébito pelas distribuidoras de energia elétrica relacionados às ações judiciais transitadas em julgado que versam sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.
Como já vinha sendo defendido pelos consumidores, o ministro relator, Alexandre de Moraes, assim como os demais ministros que já proferiram seus votos, não apenas reconhece a constitucionalidade da lei, mas defende que não se trata de matéria tributária. A discussão com relação ao indébito ocorreu na relação jurídica anterior, entre Fazenda e concessionárias de distribuição, pacificada no âmbito do Tema 69.
O indébito já compõe o caixa da concessionária, sendo a discussão ora posta ao STF, portanto, de cunho regulatório, de política tarifária. E, uma vez que os consumidores, na condição de contribuintes de fato, suportaram econômica e financeiramente os valores restituídos às concessionárias, o repasse aos consumidores do produto da restituição de indébito, como assertivamente citado pelos ministros durante o julgamento, é uma medida de justiça que visa evitar o enriquecimento sem causa das concessionárias.
Se assim não fosse, como sabiamente citou o ministro Gilmar Mendes, se estaria dando uma soma de felicidades ao concessionário, que, em um primeiro momento, transferiu o custo do tributo ao consumidor, e posteriormente recebeu o crédito.
A discussão em pauta trata da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, direito largamente reivindicado pelas próprias concessionárias. A diferença é que, neste caso, o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato favorece o consumidor.
A Lei Geral de Concessões, ao dispor sobre o regime de concessões previsto no art. 175 da Constituição Federal, cuidou de prever, no âmbito da política tarifária, mecanismos contratuais de revisão das tarifas, com o objetivo de manter o equilíbrio econômico-financeiro em situações em que a criação, alteração ou extinção de tributos ou encargos legais gerar impactos à concessão. Vale frisar: seja para mais, ou para menos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Se por um lado, o dispositivo da Lei Geral de Concessões assegura que as concessionárias obtenham recursos adequados e necessários à execução dos serviços, por outro lado, garante o repasse aos usuários de eventuais proveitos de custos que tenham sido desonerados. “Trata-se, portanto, de reciprocidade e neutralidade fiscal, que ora evita a ampliação dos encargos do concessionário, ora impede que sejam aumentadas as suas vantagens”, conforme descrito na <a href="http://www.arsesp.sp.gov.br/ConsultasPublicasBiblioteca/1_NT_ARSESPDCI202203910A.pdf">Nota Técnica</a> da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) que trata do tema.
Um aspecto trazido à discussão pelos ministros durante a sessão do julgamento foi no sentido de que o repasse integral dos montantes aos consumidores poderá representar um desincentivo à busca pela melhor justiça tributária pelas concessionárias.
No entanto, neste caso, não se está tratando de mera busca por justiça, mas de cumprimento de obrigação por parte do ente regulado, eis que o ajuizamento de ação buscando a desoneração das tarifas “é o comportamento eficiente que Poder Público e consumidores legitimamente esperam de um concessionário diligente, em especial por conta do princípio da Modicidade Tarifária e da própria Eficiência”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Outro ponto que chamou atenção no julgamento foi o entendimento da maioria dos ministros de que se aplicaria prescrição ao caso, ainda que com divergência com relação ao prazo – decenal ou quinquenal. Salvo melhor juízo, nosso posicionamento está alinhado ao do ministro Flávio Dino, no sentido de que não há que se falar em prescrição. Admitir prescrição neste caso implicaria em reconhecer que parte dos créditos deveria permanecer com as concessionárias, o que contraria toda a argumentação e preocupações trazidas pelos próprios julgadores durante a sessão.
E vale ainda acrescentar um efeito perverso que pode ser associado à tal decisão, que é o assoberbamento do judiciário. Isto porque, para todos os efeitos, o entendimento dos consumidores sempre foi no sentido de que a totalidade dos montantes devolvidos às concessionárias lhe seriam repassados. E, por esta razão, permaneceram aguardando o repasse, via tarifa, a ser devidamente operacionalizado pela agência reguladora.
Se houvesse qualquer indicativo de que se aplicaria prescrição ao caso, limitando no tempo o montante a ser devolvido, por óbvio os consumidores teriam, eles mesmos, procurado o amparo do judiciário, evitando este efeito de perda de parte dos montantes. E neste caso, seja qual fosse a prescrição a ser adotada, decenal ou quinquenal, o prazo contaria do ajuizamento da ação e não do efetivo recebimento dos créditos.
Outro tema importante trazido à discussão trata da retenção, por parte das concessionárias de eventuais custos envolvidos nos processos. Sob tal aspecto, nos parece que, de fato, mantendo a linha de argumentação de justiça, nada mais lógico do que as concessionárias serem ressarcidas pelos custos que tiveram com o ajuizamento das ações.
No entanto, é preciso lembrar os custos operacionais que compõem a tarifa paga pelos consumidores às concessionárias já contemplam “aqueles atinentes a despesas de pessoal próprio da delegatária e das despesas decorrentes de serviços de terceiros”. E mais, “no âmbito de serviços de terceiros, são contabilizáveis os serviços jurídicos contratados, um dos custos observados no âmbito da Tomada de Subsídio como relevante à promoção das ações judiciais processadas”, conforme bem destacou a Aneel na <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41798&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">Nota Técnica</a> que apresenta justamente a proposta de metodologia para a devolução aos consumidores dos créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.
Ou seja, em que pese seja justo que as concessionárias não sejam oneradas com custos relativos à ação, deve-se ter em mente que elas já recebem valores específicos para contratação de serviços jurídicos, o que inclui contratação de escritórios terceirizados, pareceres etc. Também os custos com o seu pessoal próprio, incluindo a área jurídica, já estão contemplados na tarifa e são pagos pelos consumidores. Eventual custo acima do já contemplado na tarifa, este sim, deve ser ressarcido.
A aplicação de prescrição, fazendo com que parte dos montantes fique com as concessionárias, ou mesmo a permissão para que as concessionárias retenham despesas, ainda que efetivamente relacionadas ao processo em discussão, mas que já tenham sido remuneradas pela tarifa, fará com que o consumidor final, que pagou pelo custo, não receba de volta os valores, que permanecerão com o contribuinte de direito, como bem destacou o ministro Dias Toffoli.
Por fim, ouso ir além do ilustrado pelo ministro Gilmar Mendes: as concessionárias, verdadeiramente, não socializaram o prejuízo, elas repassaram integralmente aos consumidores. Nada mais justo que aos consumidores sejam repassados, também integralmente (com as ressalvas das despesas), os créditos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 9º, § 3º da Lei nº 8.987/1995.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Trecho destacado do voto proferido pelo Diretor Relator manifestado no âmbito da Consulta Pública nº 005/2021da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e disponível em: <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41867&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-</a> <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41867&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_</a> <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41867&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-</a> <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41867&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=4186</a> <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41867&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">7&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_parti</a> <a href="https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&amp;p_p_lifecycle=2&amp;p_p_state=normal&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_cacheability=cacheLevelPage&amp;p_p_col_id=column-2&amp;p_p_col_pos=1&amp;p_p_col_count=2&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=41867&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&amp;_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp">cipacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp</a>
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Indébito já compõe caixa da concessionária, sendo a discussão posta ao STF de cunho regulatório, de política tarifária

ADI 7.324: impactos da decisão do STF para distribuidoras de energia elétrica

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