Marcos Saes

Atalhos normativos não podem ser usados para diminuir Unidades de Conservação. O tema, que já foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), será rediscutido nos próximos dias. Importa destacar que além da questão formal, há outra questão extremamente importante e que não foi tratada até agora: a impossibilidade de se alterar esses espaços de modo a comprometer a sua proteção.
À primeira vista, o assunto que será tratado pelo STF não é complexo do ponto de vista jurídico. A Constituição Federal e a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm">Lei 9.985/2000</a> falam sobre a possibilidade de alteração dos limites desses espaços, desde que isso seja feito por meio de lei. O intuito, decorrente da sua importância ambiental, é assegurar que a alteração de Unidades de Conservação seja precedida de intenso debate parlamentar e da participação da sociedade civil. Essa é a regra constitucional a respeito desse assunto. Tollitur quaestio!
A impossibilidade é clara e expressa na legislação brasileira, que não deixou espaço para a diminuição dessas áreas sem o adequado processo legislativo. Contudo, não raras vezes, a regra é ignorada em prol de interesses não ambientais. Ainda que possua “força de lei”, a medida provisória dispensa a observância do trâmite legislativo das leis ordinárias e, por essa razão, não pode ser utilizada para suprir a exigência constitucional. 
O atalho para a alteração de UCs não passou despercebido pelos olhos do STF. Em análise à MP que previu a limitação das áreas protegidas localizadas em Rondônia, Amazonas, Pará e Mato Grosso, editada pelo governo para viabilizar a implantação de hidrelétricas, a corte repetiu o que está escrito na Constituição: a alteração dos limites destes espaços só pode ser feita por lei (ADI 4717/DF).
Mais uma vez, o STF vai se manifestar sobre o assunto. Está marcado para o dia 31 de maio o julgamento da ADI 6553 que trata da alteração dos limites do Parque Nacional Jamanxim (Unidade de Conservação de Proteção Integral) feita pela MP 758/2016, convertida na Lei 13.452. A medida teve como objetivo permitir a instalação da EF-170, a Ferrogrão, dentro dos limites originários da UC.
Não se espera uma decisão diferente do Supremo. Afinal, a inconstitucionalidade de lei similar já foi reconhecida no plenário. Caberá ao plenário apenas e tão somente confirmar a Medida Cautelar já concedida pelo relator, ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/alexandre-de-moraes">Alexandre de Moraes</a>.
Mas não é só isso. Além de impor o regime legislativo que deve ser observado em relação às Unidades de Conservação, a Constituição Federal também determina a vedação de qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º, III, parte final). Quer dizer, uma vez declarada a proteção destes espaços, é proibido comprometer a integridade ambiental dos recursos ali presentes. Ainda que se altere os limites da Unidade de Conservação por lei, se essa alteração não pode comprometer os atributos que justificaram a criação da mesma.
No caso que será julgado pelo STF, a primeira inconsistência é óbvia: a formalidade legislativa não foi observada. A segunda questão, contudo, é ainda mais crítica, visto que qualquer tentativa de diminuição/alteração da UC para viabilizar uma extensa ferrovia colocaria em risco os recursos ambientais objetos de proteção.
Nesse sentido, cumpre destacar que o parque foi criado com o objetivo de “promover o manejo de uso múltiplo sustentável dos recursos florestais, a manutenção e a proteção dos recursos hídricos e da biodiversidade, bem como o apoio ao desenvolvimento de métodos de exploração sustentável dos recursos naturais” (art. 1º, Decreto sem numeração, de 13 de fevereiro de 2006).
Veja-se que, para a criação dos espaços protegidos, cabe ao poder público elaborar estudos preliminares de forma a melhor delimitar o traçado e especificidades das Unidades de Conservação. Na época, as dimensões do Parque Jamanxim foram delimitadas, buscando-se, justamente, conferir maior proteção aos recursos naturais que impulsionaram a sua instituição.
A Ferrogrão, da forma como foi planejada, atravessará a Unidade de Conservação, questão que torna insolúvel a problemática em volta do projeto. Dessa forma, é correto afirmar que esse projeto, exigindo alteração dos limites do Parque Nacional de Jamanxim, não se sustenta. Seja do ponto de vista formal (desobediência ao rito normativo), seja do ponto de vista material (comprometimento da integridade do espaço protegido).
Não significa defender a impossibilidade do desenvolvimento de projetos dessa natureza, essenciais para o crescimento do país. A presente questão serve até mesmo de alerta ao poder público, que deve ter muito cuidado e seriedade na criação de Unidades de Conservação. Isso porque após criadas, a sua alteração ou a sua extinção, enfrentam séria resistência constitucional.

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JOTA

É preciso também olhar a validade das regras constitucionais ambientais

ADI 6553: o que está em jogo não é só a Ferrogrão

A Ferrogrão, da forma como planejada, atravessará a Unidade de Conservação, questão que torna insolúvel a problemática em volta do projeto