André Garcia Leão Reis Valadares

Andressa Mendes de Souza

Gabriela Proenca Cardoso Viotti Campos

O plenário virtual do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/supremo-tribunal-federal">STF</a> finalizou, no dia 19 de fevereiro de 2022, o julgamento da ADI 5165. A Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), tinha como objetivo principal a declaração de nulidade parcial da adoção da norma estabelecida no art. 739-A do CPC/1973 (atual art. 919 do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm">CPC/2015</a>) nas execuções fiscais, ao argumento de que sua aplicação, nesses casos específicos, ofenderia de forma direta e irremediável garantias individuais basilares do Estado democrático de Direito. O tribunal, no entanto, julgou improcedente, de forma unânime, o pleito apresentado pela OAB.
Esta ação foi proposta após o julgamento do REsp n. 1.272.827/PE pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>). Naquela oportunidade, o STJ declarou o art. 739-A do CPC/73 aplicável às execuções fiscais, de maneira que os embargos à execução do devedor, em regra, não teriam efeito suspensivo.
Nesse sentido, quando do ajuizamento da ADI, um dos argumentos utilizados pelo CFOAB seria que a interpretação do STJ violaria os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, do direito de propriedade e da isonomia, pois “conduz à expropriação de bens do contribuinte antes da confirmação da procedência do débitos pelo Estado-juiz”.
Contudo, a relatora, ministra Cármen Lúcia, concluiu não haver ofensas aos princípios constitucionais elencados pela CFOAB ao se aplicar os arts. 739-A do CPC/1973 e 919 do CPC/2015 às execuções fiscais. Ela se baseou, sobretudo, no entendimento de que as normas supracitadas conferem ao juízo a possibilidade de concessão do efeito suspensivo aos embargos à execução a partir da situação concretamente posta à sua apreciação, oportunidade em que será ponderado “o direito do exequente à tutela judicial efetiva e os direitos do executado ao contraditório e à ampla defesa, à luz da verossimilhança dos fundamentos dos embargos à execução e da existência de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”.
É de se destacar, porém, o trecho do voto da relatora no qual se afirma que, mesmo quando os embargos não são dotados de efeito suspensivo pelo juízo, não é possível à Fazenda Pública adjudicar os bens penhorados ou levantar o valor do depósito em juízo antes do trânsito em julgado da sentença dos embargos. Esse foi, aliás, o motivo pelo qual a ministra entendeu não haver inconstitucionalidade nas normas questionadas.
Este trecho do voto traz novas reflexões sobre questão controvertida na jurisprudência: é possível a liquidação antecipada de seguro garantia ou carta fiança antes do trânsito em julgado dos embargos do contribuinte?
De fato, são conhecidas algumas decisões, inclusive do STJ, que permitem a liquidação antecipada dessa modalidade de garantia, exigindo-se, da instituição bancária, a realização do depósito judicial dos valores segurados. Mesmo nessa hipótese, porém, o levantamento desses valores pela Fazenda Pública fica vedado até o trânsito em julgado.
Existe também, sobretudo nos Tribunais Regionais Federais da 2ª, 3ª e 4ª Regiões, o posicionamento de que a liquidação do seguro garantia ou da carta fiança somente pode ocorrer após o trânsito em julgado.
Com efeito, o mencionado trecho do voto da ministra Cármen Lúcia parece ter jogado luzes nessa controvérsia, pois estabeleceu, de forma bastante clara, o limite do prosseguimento da execução fiscal, mesmo naqueles casos em que não é concedido o efeito suspensivo aos embargos. Esse limite, como se viu, é a expropriação da garantia.
E, nessa perspectiva, o entendimento firmado na ADI 5165 confirma a impossibilidade da liquidação de seguro garantia ou de carta fiança antes do trânsito em julgado dos embargos do contribuinte.
Em primeiro lugar, porque a liquidação antecipada do seguro garantia ou da carta de fiança equivaleria à concretização da satisfação da garantia, já que compreende o exaurimento de sua finalidade: a entrega do dinheiro. Deste modo, tendo o devedor oferecido a garantia na forma que lhe permite o art. 9º, II, da Lei de Execuções Fiscais (isto é, o seguro garantia ou a carta fiança), forçá-lo a depositar o valor em juízo antes do trânsito em julgado dos seus embargos consiste em verdadeira expropriação dos seus bens.
Em segundo lugar, porque a liquidação antecipada do seguro garantia ou da carta fiança não faz prevalecer, num juízo de ponderação, o interesse do credor à luz da menor onerosidade do devedor. É que, nessa hipótese, o executado seria submetido ao ônus patrimonial de arcar com a quantia depositada pela seguradora, sem que aquele valor seja revertido em favor da União, que deverá aguardar o trânsito em julgado da demanda para levantá-lo.
Assim, a liquidação do seguro garantia apenas causaria prejuízo ao devedor, sem ganho efetivo para o interesse do credor ou para a segurança do resultado do processo, que continuariam incólumes com o seguro garantia ou com a carta fiança ofertada.
Por fim, em terceiro lugar, a confirmar as duas razões anteriores, porque a Lei de Execuções Fiscais (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm">Lei 6.830/80</a>) regulamenta, juntamente com o CPC, a alienação antecipada dos bens. O art. 21 da LEF autoriza a liquidação antecipada de bens, hipótese em que o produto arrecadado será depositado em garantia da execução e somente poderá ser levantado após o trânsito em julgado. Já o art. 852 do CPC regulamenta a liquidação antecipada da garantia, permitindo-a apenas quando (i) se tratar de veículos automotores, de pedras e metais preciosos e de outros bens móveis sujeitos à depreciação ou à deterioração ou (ii) houver manifesta vantagem.
Desta forma, tal previsão é inaplicável ao seguro garantia ou à carta de fiança, pois, nos casos aqui tratados, o valor garantido é devidamente atualizado na forma exigida pela PGFN. Isto é, não se vislumbra risco de depreciação da garantia ou manifesta vantagem para a segurança do juízo na sua liquidação antecipada.
Diante dessas considerações, embora o STF tenha julgado improcedente a ADI 5165, extrai-se importante esclarecimento sobre questão controvertida na jurisprudência: estabelecido o limite do prosseguimento da execução fiscal (a expropriação do bem), conclui-se pela impossibilidade da liquidação de seguro garantia ou de carta fiança antes do trânsito em julgado dos embargos do contribuinte.

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JOTA

Embora tenha julgado improcedente a ação, STF esclarece questão controvertida na jurisprudência

ADI 5165 e a liquidação antecipada de seguro garantia ou carta fiança

Embora tenha julgado improcedente a ADI 5165, STF esclarece controvérsia sobre liquidação antecipada de seguro garantia ou carta fiança