Douglas Estevam

Criada em 1974 pela Lei Complementar Federal nº 20, após a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) sofreu inúmeras mudanças em sua estrutura, principalmente após a Constituição Federal de 1988.
Em 1975, o Governo do Estado criou a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM), mas os conflitos de competência entre as administrações municipais e a entidade dificultaram sua atuação, que gradativamente foi perdendo espaço para o recrudescimento da autonomia dos entes municipais.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em 1990, a Lei Complementar Estadual nº 64 restabeleceu a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e instituiu o Fundo Contábil de Desenvolvimento Metropolitano (FDRM), assim que a FUNDREM foi extinta em 1989 por iniciativa do Governo do Estado.
Já em 1997 e 1998, novas leis estaduais tentaram reformular a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, estabelecendo novas regras para os serviços de saneamento básico e transporte metroviário. Essas leis logo foram impugnadas em ações no Supremo Tribunal Federal, por supostamente violar a autonomia municipal, o pacto federativo e as competências constitucionalmente asseguradas aos entes municipais para legislar sobre assuntos de interesse local.
Somente em 2013, com o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 1.842/RJ<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, 1.826/RJ, 1.843/RJ e 1.906/RJ, o Supremo Tribunal Federal decidiu que algumas funções públicas extrapolariam o interesse local, embora não se submetessem à competência do Estado do Rio de Janeiro.
Aduziu o Plenário do Supremo Tribunal Federal que, para a boa execução das funções públicas de interesse comum, seria necessário o agrupamento dos municípios e do Estado-membro interessados, nos termos do art. 25, §3.º, da Constituição Federal.
Nesse sentido, seriam lícitas a instituição de região metropolitana mediante lei complementar estadual e a vinculação compulsória dos municípios limítrofes (ADI 1.841/RJ, rel. min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; e ADI 796/ES, rel. min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999), com o objetivo de executar e planejar serviços públicos de interesse comum.
Pelo acórdão, o interesse comum e a integração compulsória não são incompatíveis com a autonomia municipal. A titularidade dos serviços de interesse comum é do colegiado formado pelos entes metropolitanos, considerando que a autonomia dos municípios está condicionada, desde a origem, ao estabelecimento da região metropolitana<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Parece, portanto, que o Supremo Tribunal Federal revelou mais uma espécie de competência federativa, que denomino competência conciliar (ao lado das competências privativas, comuns, concorrentes, suplementares, residuais etc.), que só pode ser exercida em conjunto pelos entes federativos na respectiva instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil.
Nesse ínterim, após três anos de ações do Governo do Estado, foi criada a Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Rio de Janeiro, congregando vinte e um prefeitos (na época, sem o município de Petrópolis) e o próprio Governador do Estado, que juntos compunham o Conselho Metropolitano, instância não só de interlocução mas de compartilhamento de decisões.
Esse mesmo órgão propôs um projeto de lei, posteriormente sancionado como Lei Complementar nº 184/2018<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, dispondo sobre a composição, a organização e a gestão da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, bem como os serviços de interesse comum e sua estrutura de governança interfederativa.
Destarte, há um órgão deliberativo sem personalidade jurídica denominado Conselho Deliberativo da Região Metropolitana (CDRM), que é presidido pelo governador do estado e composto pelos prefeitos dos 22 (vinte e dois) municípios metropolitanos mais três representantes da sociedade civil.
Além dele, há também um órgão consultivo, igualmente sem personalidade jurídica, denominado Conselho Consultivo da Região Metropolitana (CCRM), constituído por 47 (quarenta e sete) membros de variegados segmentos da sociedade civil, assegurando a participação da população no processo de planejamento e tomada de decisão.
Por fim, há o órgão executivo denominado Instituto Rio Metrópole (IRM)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, com a personalidade jurídica de autarquia em regime especial, integrante da Administração Pública Estadual apenas para fins organizacionais, mas finalisticamente vinculado às decisões do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana, a fim de lhe dar suporte e executar suas decisões.
Foi por meio dessa governança que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi capaz de realizar, no dia 30 de abril de 2021, a maior concessão de saneamento básico da América Latina. O modelo concebido pelo BNDES repartiu a prestação regionalizada em quatro blocos de concessão, cujo resultado foi um valor de ágio e de outorga fixa arrematado em R$22.689.000.000,00 (vinte e dois bilhões e seiscentos e oitenta e nove milhões de reais), além da outorga variável a que os municípios e a região metropolitana terão direito mensalmente ao longo dos trinta e cinco anos de operação do sistema.
Apenas o terceiro bloco não foi arrematado, pois a proponente que havia inicialmente manifestado interesse investiu mais do que o previsto em outro lote. De qualquer modo, há previsão de que o terceiro bloco seja concedido ainda no fim deste ano, com o valor de outorga mínima na ordem de R$ 2.600.000.000,00 (dois bilhões e seiscentos milhões de reais)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, podendo saltar para três bilhões a depender do interesse de outros municípios – fora da região metropolitana – na prestação regionalizada do serviço.
Além disso, embora o Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro possa ser constituído por receitas provenientes de inúmeras fontes, apenas no âmbito dessa concessão recebeu R$ 118.412.108,28 (cento e dezoito milhões, quatrocentos e doze mil, cento e oito reais e vinte e oito centavos), sendo R$ 403.857.035,77 (quatrocentos e três milhões, oitocentos e cinquenta e sete mil, trinta e cinco reais e setenta e sete centavos) redistribuídos a alguns municípios da região metropolitana para fins de recomposição econômico-financeira.
Dessa forma, tornou-se possível alcançar um modelo autossustentável de governança interfederativa, não só ausente a necessidade de aporte de recursos por parte de seus integrantes mas, pelo contrário, com a possibilidade de rateio dos haveres econômicos da exploração em escala metropolitana, na qual os entes federativos auferem recursos financeiros, por meio de sua ativa participação no Conselho Deliberativo.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.842/RJ. Relator ministro Luiz Fux. Relator para acórdão ministro Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado em 28 de fevereiro de 2013. Disponível em: &lt;https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=630026&gt;. Acesso em 17 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas Dimensões Constitucionais da Organização do Estado Brasileiro. Disponível em: &lt;http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes1.htm&gt;. Acesso em 17 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> RIO DE JANEIRO. Lei Complementar nº 184, de 27 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sua composição, organização e gestão, define as funções públicas e serviços de interesse comum, cria a autoridade executiva da região metropolitana do rio de janeiro e dá outras providências. Disponível em: &lt;encurtador.com.br/tyM04&gt;. Acesso em 17 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> INSTITUTO RIO METRÓPOLE. Disponível em: &lt;http://www.irm.rj.gov.br&gt;. Acesso em 17 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> SABÓIA, Gabriel. Bloco que não atraiu proposta no leilão da Cedae terá oferta mínima de R$ 2,6 bilhões. O Globo, Rio de Janeiro, 17 ago. 2021. Disponível em: &lt;https://oglobo.globo.com/rio/bloco-que-nao-atraiu-proposta-no-leilao-da-cedae-tera-oferta-minima-de-26-bilhoes-1-25157967&gt;. Acesso em 17 de setembro de 2019.

Rio de Janeiro

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JOTA

Por que o Rio de Janeiro está na vanguarda das regiões metropolitanas?

ADI 1.842 e as funções públicas de interesse comum

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