Juliana Oliveira Domingues

Adriane Takahara Montenegro

No dia 28 de junho foi concluído, em Bruxelas, o Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia. Com isso, foi finalizada uma negociação de mais duas décadas entre as partes. Parece-nos que a “maioridade” somada à pauta liberal do novo governo proporcionou o timing para que o Acordo finalmente avançasse.
Conforme documento público disponibilizado pelo Governo, o Acordo restou apoiado no seguinte tripé: (i) o diálogo político; (ii) a cooperação e (iii) o livre-comércio. Muitos têm chamado o Acordo de Associação de Acordo de Livre-comércio justamente pela redução de tarifas previstas que podem, em alguns casos, chegar a zero.
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Entretanto, além do avanço que o Acordo representa no que concerne a redução de tarifas aduaneiras, ele toca em questões sensíveis de barreiras comerciais, tais como: i) regulação sanitária e fitossanitária, ii) regras de propriedade intelectual e iii) temas de defesa comercial e concorrencial. Trata-se, portanto, de Acordo arrojado composto por vinte e um capítulos<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> e seus respectivos anexos.
O Brasil teria muito a se beneficiar com a concretização do Acordo. Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Economia (2019), o PIB brasileiro aumentaria substancialmente no prazo de 15 anos, considerando a redução de barreiras não tarifárias e o aumento da produção nacional para atender a nova demanda europeia. Em tempos de evidente recessão da economia brasileira, bem como em um contexto de entrave comercial entre China e Estados Unidos, do ponto de vista da política externa brasileira, a concretização do Acordo representaria uma mola propulsora para a solução da crise econômica. 
Não sem razão, há muita euforia diante do resultado, todavia, também antevemos desafios que extrapolam a posição nada amistosa dos agricultores franceses. Apoiados pelo Ministro da Agricultura, Didier Guillaume, os agricultores argumentam que os produtos vindos do Mercosul (principalmente do Brasil) não respeitariam a legislação de segurança alimentar europeia<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> o que geraria uma suposta “concorrência desleal”. 
O posicionamento francês, no entanto, não causa grandes surpresas<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a> na medida em que a França é o principal produtor agrícola da União Europeia e, consequentemente, sofreria com a competitividade representada pelos produtos brasileiros. Além disso, o governo francês busca agradar a parcela de eleitores franceses que consideram o tema ambiental o segundo mais importante na política europeia. Desse modo, conforme noticiado<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>, buscando apaziguar as críticas, o presidente Macron condicionou a assinatura do acordo ao cumprimento de metas de proteção ambiental por parte do governo brasileiro, com atenção especial ao estipulado no Acordo de Paris.
<blockquote class="jota-article__eye">Se do lado europeu a preocupação tem se centrado no aumento da competição na produção agrícola, do lado dos países do Mercosul a cautela tem se voltado ao impacto do Acordo para as indústrias nacionais. </blockquote>
Entretanto, como dizia Margareth Thatcher, “o consenso é a negociação da liderança” e ainda é cedo para grandes avaliações. Como todo bom Acordo, concessões são esperadas em ambos os lados. Algumas questões até se tornam secundárias na medida em que surgem outros fatores que podem afetar a consecução do Acordo, tal como, por exemplo: as eleições presidenciais argentinas que ocorrem no final de outubro. Antevendo uma possível mudança de governo, o Brasil (bem como os demais Estados-parte do Mercosul) busca agilizar as negociações para que o texto final seja aprovado ainda neste ano.
No melhor dos cenários, ocorrendo a assinatura do texto final, sem demais imprevistos, existe outro obstáculo que não pode ser olvidado: o tempo que se leva para que um tratado venha a ser incorporado. 
Em termos de política comunitária europeia, a incorporação do tratado dependerá de como o parlamento europeu decidirá a aplicação das regras, isto é: i) por meio de diretivas ou ii) regulamentos. No primeiro caso, haveria maior autonomia dos Estados para implementação (com eventuais questionamentos ao modo de implementação que podem ser apreciados pela Corte Europeia de Justiça<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>), enquanto no segundo caso teríamos aplicação nos mesmos moldes para todos os países do bloco. Estipula-se o prazo de 7 meses a 3 anos para a incorporação do tratado na UE, segundo dados fornecidos pelo próprio informe do governo brasileiro<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote6sym" name="sdfootnote6anc">6</a>. 
Do ponto de vista brasileiro, após assinatura pelo Presidente da República, encaminha-se o Tratado para o Congresso Nacional, para que seja revisado tanto pela Câmara dos Deputados como pelo Senado Federal, bem como deve ser emitido parecer pelos Ministérios envolvidos. Após a revisão por ambas as casas, o tratado volta para a presidência para que possa ser ratificado e então publicado no diário oficial. 
O problema reside na delonga que o processo acima descrito pode levar, dado que não existe previsão de tempo para que o documento seja aprovado por cada Casa do Congresso. Estipula-se, em um cenário favorável, um período médio de 04 anos para que um tratado seja devidamente incorporado nacionalmente (CNI, 2017). A intempestividade é muitas vezes criticada quando vemos que Acordos mais antigos ainda carecem de implementação.
Vale considerar, portanto, que o processo primordialmente político, visando acelerar à aprovação pelo Congresso, é uma fase delicada e primordial. O Executivo deve buscar a maioria favorável dos congressistas para colocar o tema como prioridade na pauta deste mandato, fato que pode se tornar um desafio. Contudo, o tema é extremamente importante e não deve ser negligenciado no Congresso diante de outras pautas pendentes de aprovação (tal como, por exemplo, a Reforma da Previdência que está em discussão nesse momento). 
Diante da morosidade legislativa, uma importante medida (i.e. especialmente considerando o nosso processo legislativo) seria a aceleração da incorporação dos princípios, valores e termos já negociados. Isto é, uma vez assinado o tratado, é recomendável a tomada de medidas por parte do Governo para o efetivo cumprimento do conteúdo negociado no Acordo, mesmo que este ainda não esteja em vigência. Com isso, uma vez aprovado o Acordo, todas as instituições afetadas pela mudança - bem como as novas taxas aplicáveis - já estariam em vigor, ou entrariam concomitantemente em vigor. Tal estratégia possibilita que a internalização formal do tratado não se torne um empecilho para seu devido cumprimento.
<a name="_gjdgxs"></a> Assim, ainda que os negociadores e membros do executivo tenham obtido reconhecido êxito na negociação deste importante Acordo, esperamos que o tema esteja na pauta de prioridades do legislativo. Com base em nossos baixíssimos índices de competitividade internacional, é preciso que o Brasil avance em seus demais compromissos internacionais pactuados melhorando a imagem pública brasileira no ambiente negociador<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote7sym" name="sdfootnote7anc">7</a> e também como player e parceiro internacional.
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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> BRASIL. Ministério da Relações Exteriores. Acordo de Associação Mercosul-União Europeia. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/2019/2019_07_03_-_Resumo_Acordo_Mercosul_UE.pdf. Acesso em: 09 jul. 2019.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> FERNANDES, Daniela. Na França, acordo entre UE e Mercosul enfrenta oposição e protestos de agricultores, ambientalistas e até ministros. BBC Brasil. Disponível em: &lt;https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48845254&gt;. Acesso em:12 de julho 2019.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> Veja-se, também, notícias na mídia: SHORES, Nicholas. Postura da França sobre acordo Mercosul-UE não surpreende, diz especialista. O Estado de S. Paulo. Disponíve eml: &lt;https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,postura-da-franca-sobre-acordo-mercosul-ue-nao-surpreende-diz-especialista,70002902715?utm_source=estadao:mail&amp;utm_medium=link&gt;. Acesso em:16 de julho de 2019,
</div>
<div id="sdfootnote4">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> Cf. BRASIL. Jornal Nacional. Disponível em: &lt;https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/07/02/franca-impoe-condicoes-para-acordo-do-mercosul-com-uniao-europeia.ghtml&gt;. Acesso em: 15 de julho de 2019.
</div>
<div id="sdfootnote5">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> Na hipótese de diretivas, é importante considerar que a internalização pode ser substancialmente demorada em razão dos eventuais questionamentos. Assim, a depender de uma conjuntura, existe a possibilidade das concessões e termos negociados levarem algum tempo até plena eficácia na Europa.
</div>
<div id="sdfootnote6">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote6anc" name="sdfootnote6sym">6</a> BRASIL. Ministério da Relações Exteriores. Acordo de Associação Mercosul-União Europeia. p.17. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/2019/2019_07_03_-_Resumo_Acordo_Mercosul_UE.pdf. Acesso em: 19 de julho de 2019.
</div>
<div id="sdfootnote7">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote7anc" name="sdfootnote7sym">7</a> Cf. DOMINGUES, Juliana Oliveira. Regionalismo e Multilateralismo: As Propostas de Reforma e a Posição Brasileira. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 27, p. 175-200, 2006.
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Acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia

Desafios e competitividade à vista