Franklin Brasil Santos

Giovanni Pacelli Carvalho Lustosa da Costa

Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Existe uma tensão comum na administração pública, uma visão do “nós” contra “eles”, gestores versus controle. Servidores gestores querendo alcançar metas com poucos recursos de toda ordem (materiais, humanos, orçamentários) e servidores controladores “fiscalizando ex post” (com o risco de virar o famoso “engenheiro de obra pronta”), por vezes de forma ensimesmada. Tipos ideais, que as vezes se manifestam, sim, em casos isolados com tons de extremismo.
Esse artigo não busca polemizar em relação a tensão anterior, jogando mais lenha nessa maniqueísta “guerra imaginária do bem contra o mal”, na qual todos saem perdendo.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Pretende sim trazer à tona um movimento que vem ocorrendo em diversas esferas de governo: federal, estadual e municipal, que é o de implantação e execução dos chamados programas de integridade por meio dos planos específicos para esse fim, em um sentido de fortalecimento de aspectos preventivos.
Considerando as diversas iniciativas existentes no Brasil, pode-se separar as ações estruturadas de integridade em duas categorias, para fins didáticos: “da porta para dentro” e “da porta para fora”. Explica-se essa nova caracterização da seguinte forma: os programas “da porta para dentro” visam fortalecer as entidades do setor público enquanto organização.
As ações estruturadas de integridade “da porta para fora” visam fortalecer o Ente público como um todo, perpassando ações mais transversais, voltadas à prevenção e combate à corrupção de forma integral, incluindo por exemplo: mudanças legislativas, publicização de agendas de pessoas politicamente expostas, inclusão na grade de ensino fundamental e médio de temas relacionados à integridade, painéis de aquisições de todos o Ente, sistema central de acesso à informação, sistema central de denúncias, proteção ao denunciante.
É possível que se tenha Entes em que todas as suas unidades organizacionais autônomas (órgãos e entidades) possuam ações departamentalizadas de integridade, e o próprio Ente não possua uma estratégia relacionada à integridade. E pode-se ter Entes que possuam um plano de integridade de âmbito estratégico e que as suas unidades organizacionais não possuam plano de integridade minimamente implementado.
O estado de Minas Gerais, por exemplo, dispõe de uma estratégia para lidar com a integridade na modalidade “da porta para fora”: o “Plano Mineiro de Promoção da Integridade”, e uma das iniciativas desse plano envolve o seu rebatimento na rede de unidades que compõe o governo estadual.
<blockquote class="jota-article__eye">São medidas para que a discussão de integridade saia do discurso e se materialize na prática, o mais difícil quando se fala da implementação de políticas. Mas que também tenha uma superestrutura, um arcabouço de nível estratégico.</blockquote>
No âmbito federal, também apenas para exemplificar, sob pena de olvidar alguma experiência nacional relevante, há o painel de integridade que monitora as unidades que devem obrigatoriamente ter plano de integridade “da porta para dentro”.
Em consulta ao painel realizada em 17 de setembro de 2020, tem-se que 97% das entidades possuíam plano de integridade aprovado e 100% das entidades haviam indicado sua unidade de integridade, denotando o esforço contínuo de implementação desse processo.
Nesse sentido, o painel de integridade do governo federal, alicerçado no Decreto nº 9.203/2017 e nas Portarias CGU nº 1.089/2018 e nº 57/2019, elenca e torna público elementos essenciais para a promoção da integridade nos órgãos públicos federais. Esses elementos essenciais visam fortalecer as entidades do setor público enquanto organização no que se refere a temática da integridade, robustecendo as suas salvaguardas.
Assim, espera-se que a alta administração daquela unidade faça uma verdadeira “manipulação genética” e altere o seu “DNA organizacional”, fazendo germinar uma cultura de integridade, o que demanda do grupo incumbido dessa tarefa a necessidade de se apoiar em alguns pilares essenciais:
1. Definição dos papéis e dos responsáveis das diversas áreas conexas à integridade (ética, correição, tratamento responsivo das demandas da auditoria interna e dos controles interno e externo, transparência, nepotismo, conflito de interesses, gestão de riscos, gestão da integridade);
2. Definição dos artefatos a serem gerenciados pelas diversas áreas;
3. Monitoramento, sem micro gerenciar cada área;
4. Revisão e atualização do programa periodicamente.
Quanto ao primeiro pilar, deve-se deixar claro que não existe uma relação hierárquica da área de integridade perante as demais áreas, qualquer uma daquelas relacionadas à governança. Ou seja, não compete à área de integridade engrossar o caldo de recomendações já existentes dos demais órgãos de controle, mas atuar em regime de cogestão responsável.
Até porque a unidade de gestão de integridade compõe a 2ª linha de defesa, dentro do conceito adotado pelo “The Institute of Internal Auditors” , e reunirá todos os artefatos de cada área relacionados à integridade. Assim, não se trata de uma nova unidade de auditoria ou de controle interno, mas um órgão de assessoria da alta administração no tema específico da integridade, com uma atuação transversal.
Em relação ao segundo pilar, é importante saber e nivelar quais possíveis artefatos cada área pode gerir. Com base na observação empírica do monitoramento de planos de integridade identificou-se de forma específica:
(a) no caso da comissão de ética: ocorrências que foram enviadas e apuradas a partir de denúncias de servidores ou cidadãos;
(b) no caso da correição: TACs, sindicâncias, PADs abertos e apurados;
(c) no caso de conflitos de interesses: consultas sobre o tema;
(d) no caso de nepotismo: testes de detecção a cada nova nomeação ou contratação;
(e) no caso de gestão de riscos: definição de metodologia, definição das categorias de risco para integridade, seleção de um ou mais macroprocesso (exemplo: aquisições, gastos com pessoal, convênios, acervo cultural, etc), submissão e tratamento deste macroprocesso à metodologia de integridade pré-definida, ajustes no macroprocesso em função da detecção de fragilidades para integridade; e
(f) na gestão de integridade: consolidação dos dados, ações transversais, apoio as áreas mais deficientes.
No que tange a formas gerais, identificou-se: código de ética/conduta, fluxogramas de todos artefatos relacionados à integridade, campanhas em vídeos com a participação pela alta administração, boletins de integridade, reuniões periódicas da alta administração com o corpo técnico da alta da unidade, testes/quiz com casos hipotéticos esperados ou não esperados do servidor público utilizando a intranet ou e-mails institucionais, capacitações destinadas ao corpo técnico com a presença de pelo menos um membro da alta administração.
Destaca-se que essas ações precisam de integração, coordenação e vinculação a um risco associado, para que não se tenha um arcabouço oneroso e pouco efetivo.
No terceiro pilar, deve-se utilizar o modelo de liderança pela confiança, delegar e monitorar sem micro gerenciar. Assim, cada responsável por uma das áreas conexas deve ter ciência da sua responsabilidade em especial dos artefatos gerais e específicos que deve ser capaz de entregar.
Por fim, no que se refere ao quarto pilar, a unidade de integridade deve alcançar a maturidade necessária para identificar gargalos em cada área, mas ao mesmo tempo atuar como cogestora do processo.
Como ela faz parte da segunda linha de defesa, não haveria problemas quanto à segregação de funções. Mas, essa condição de segunda linha lhe atribui responsabilidades de indução, supervisão e capacitação nesse tema específico, junto ao gestor, mas sem tomar o seu lugar.
As ações estruturadas de integridade não constituem apenas um sistema antifraude, mas sim, um verdadeiro “sistema imunológico” da organização contra fraudes. Como nas organizações, quando o sistema imunológico está fraco, o indivíduo está suscetível a toda sorte de comorbidades, que demandam ações medicamentosas, que tem, por vezes, seus efeitos colaterais.
Por outro lado, quando o sistema imunológico está forte, pode-se até pegar uma doença, mas a chance de recuperação e de criar anticorpos aumenta consideravelmente. Sem prevenção, é difícil uma solução razoável para a questão da corrupção.
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O episódio 42 do podcast <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/sem-precedentes" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Sem Precedentes</a> analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça:
https://youtu.be/xRgH-5h1gH8

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JOTA

Uma reflexão sobre medidas de fortalecimento da cultura de integridade

Ações estruturadas de integridade

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