Fernando Couto Garcia

Em artigo publicado na prestigiosa <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas" target="_blank" rel="noopener noreferrer">coluna “Publicistas” do JOTA</a>, o Professor Titular de Direito Administrativo e Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Floriano de Azevedo Marques Neto, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/retrocesso-no-avanco-da-arbitragem-administrativa-17122019" target="_blank" rel="noopener noreferrer">aponta o que considera um retrocesso em meio aos recentes avanços da arbitragem em que é parte entidade da Administração Pública</a>: o art. 3º, VIII do Decreto 10.025/2019, que institui como condição para a arbitragem que envolva a Administração Pública Federal nos setores portuário e de transportes que “a decisão administrativa contestada na arbitragem” seja “definitiva, assim considerada aquela insuscetível de reforma por meio de recurso administrativo”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
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Segundo o professor, o decreto conteria “a previsão de que só poderão ser submetidas à arbitragem questões cuja discussão na esfera administrativa já estiver esgotada, com julgamento terminativo do último recurso administrativo”, o que seria inconstitucional por violação à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da Constituição).
Realmente, se interpretada nestes termos, a restrição é inconstitucional. Contudo, não esta não é a melhor leitura da disposição do decreto.
Exceto em relação ao setor portuário, o art. 3º, VIII do Decreto 10.025/2019 é regulamentação da exigência contida no art. 31, caput, da Lei 13.448/2017, diploma legal que estabelece diretrizes para prorrogação e relicitação de contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário e que contém normas sobre arbitragem. Esta regra legal estabelece que as “controvérsias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidas a arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias.”
A aparente intenção do art. 3º, VIII do Decreto 10.025/2019 foi uniformizar o que se deve entender por “decisão definitiva da autoridade competente”. Ao fazê-lo, o regulamento estabelece que se trata daquela decisão “insuscetível de reforma por meio de recurso administrativo”, em linguagem que lembra o conceito do art. 502 do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual a coisa julgada é a autoridade da “decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Tal como a coisa julgada é atributo de qualquer decisão judicial – mesmo de primeira instância – insuscetível de reforma por recurso, e não apenas das decisões proferidas em processos judiciais em que foram de fato esgotados todos os recursos possíveis, deve ser considerada definitiva a decisão administrativa contra a qual não caiba, em concreto, recurso, seja qual for a razão deste descabimento, que pode ser inclusive o escoamento do prazo recursal que, na esfera federal, é de 10 (dez) dias, salvo disposição em contrário (art. 59 da Lei 9.784/1999). Aliás, se o interessado não quiser aguardar o decurso deste prazo, pode inclusive renunciar antecipadamente ao prazo recursal, como permite o art. 51 da Lei 9.784/1999, o que desde logo tornará a decisão administrativa definitiva e propiciará o acesso imediato à arbitragem.
Esta interpretação, além de aderente à literalidade do art. 3º, VIII do Decreto 10.025/2019 e do art. 31, caput, da Lei 13.448/2017, preserva o que parece ter sido o objetivo da legislação: evitar que o particular discuta as mesmas questões, ao mesmo tempo, em processo administrativo e processo arbitral, pois se optou por litigar, o eventual acolhimento de sua pretensão pela Administração Pública deve se dar por meio de transação ou reconhecimento da procedência do pedido homologável pelo tribunal arbitral, com participação do órgão de advocacia pública que atua no litígio, e não mais por meio de recursos administrativos, em solução similar à prevista no art. 38, parágrafo único, da Lei 6.830/1980, segundo o qual a “propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”.
Vista nos termos aqui defendidos, a disposição do decreto deixa de ser uma “cláusula exorbitante arbitral” e passa a ser mera norma de racionalização dos meios de impugnação a decisões administrativas, evitando sua utilização em duplicidade, sem limitar a legítima escolha a ser feita pelo particular interessado sobre o meio que considera mais conveniente à defesa de seus direitos ou interesses.
Poder-se-ia dizer o mesmo de outras supostas “cláusulas exorbitantes arbitrais” apontadas no artigo em comentário, como o “prazo alargado de resposta” para a Administração Pública, previsto no art. 8º, I, do Decreto 10.025/2019, que na verdade é um prazo alargado para qualquer das partes, uma vez que o particular também pode ser demandado por arbitragem, inclusive por pedido contraposto, e ter que responder. Não há, portanto, previsão de prazo em dobro para uma das partes. Estes, entretanto, são assuntos para outras oportunidades.
Como disse o Professor Floriano Marques em relação especificamente à exigência de decisão administrativa definitiva anterior à instauração da arbitragem, o “decreto merece ser revisitado neste ponto”. Contudo, é possível que isto se faça desde logo mediante sua devida interpretação, sem prejuízo de eventual revisão em sua redação que elimine qualquer possibilidade de dúvida sobre seu teor, inclusive por meio de adoção explícita de previsão de renúncia ou desistência tácita de eventual recurso administrativo, tal como no vetusto art. 38, parágrafo único, da Lei 6.830/1980.
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JOTA

O art. 3º, VIII do Decreto 10.025/2019 não exige esgotamento de recursos administrativos

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