Valeria Ferioli Lagrasta

Na maioria dos programas da área de saúde existentes hoje (“SUS Mediado”, “Câmara Permanente de Mediação em Saúde (Camedis)” e  “Acessa SUS”), já existe a possibilidade de utilização dos métodos consensuais na solução de conflitos, como a conciliação, entretanto, é necessário irmos além, pois o uso dos programas mencionados, diante de vários fatores, como falta de divulgação, de rede capilarizada de locais de atendimento, de técnicos ou especialistas em número suficiente para respostas céleres, dentre outros, tem sido diminuto e insuficiente para a solução do grande número de conflitos que se apresenta, diante do agravamento da crise causada pela Covid-19.
Uma saída é o uso de outros métodos consensuais de solução de conflitos, além da conciliação e da mediação, como a avaliação neutra de terceiro e a conciliação coletiva, não só no âmbito judicial, mas também no extrajudicial e da Administração Pública (o que é expressamente autorizado pela Lei de Mediação – Lei nº 13.140/15), através de plataformas de “Online Dispute Resolution”, na perspectiva de tribunal multiportas, solucionando os conflitos e evitando a judicialização.
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Para tanto, alguns requisitos são exigidos, como a capacidade civil dos envolvidos e a correta condução do procedimento, com a utilização adequada das técnicas pelos terceiros facilitadores, que devem ter capacitação específica; além do treinamento dos responsáveis pelo atendimento ao público e triagem de casos, que devem conhecer, tanto as listas de medicamentos do SUS e de tratamentos da Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), quanto os métodos consensuais de solução de conflitos disponíveis, com alguma propriedade, para indicar o mais adequado ao caso e realizar o encaminhamento.
Além disso, essencial a formação de Comitês de Especialistas regionalizados e capilarizados, através da assinatura de Termos de Cooperação Técnica, tanto entre o Estado (SUS) e o Poder Judiciário, quanto entre o Município e Faculdades de Medicina, Empresas Privadas e o Poder Judiciário, etc., com o objetivo de incentivar a utilização dos métodos consensuais de solução de conflitos por todos os envolvidos, inclusive, em fase anterior à propositura da ação.
De suma importância, a ampla divulgação, não só entre os magistrados, mas também entre os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, responsáveis pelo atendimento ao público; sendo aconselhável em relação aos primeiros, que os tribunais baixem atos normativos regulamentando e incentivando o uso da plataforma digital de “online dispute resolution” (ODR) da saúde, que tanto pode ser ligada ao próprio tribunal, quanto de responsabilidade da Administração Pública.
Importante ter em mente que a Resolução CNJ nº 358/2020 “regulamenta a criação de soluções tecnológicas para a resolução de conflitos pelo Poder Judiciário por meio da conciliação e da mediação”, sem olvidar da negociação direta, estabelecendo prazo para os tribunais disponibilizarem sistema informatizado para a resolução de conflitos, que pode, inclusive, ser disponibilizado às empresas, de forma onerosa, com a manutenção de titularidade dos tribunais.
<blockquote class="jota-article__eye">Necessária, então, a cooperação de entes públicos e privados, através de termos de cooperação, além da permissão de acesso, pelas partes diretamente, ou por intermédio de seus advogados, que são essenciais à administração da justiça.</blockquote>
A proposta que se apresenta, de disponibilização dos métodos consensuais de solução de conflitos na área da saúde, seja fisicamente, seja através de plataformas digitais, dentro ou fora do Judiciário, traz benefícios de várias ordens: 1) ao cidadão, amplia o “acesso à justiça” que, conforme afirma o Professor Kazuo Watanabe, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário, mas exige o acesso a uma solução célere, justa e eficiente para o problema apresentado; 2) ao Poder Executivo e ao gestor público, permite a observância dos princípios da universalização do atendimento à saúde, da previsão orçamentária e da eficiência administrativa, previstos na CF/88 nos arts. 6º, 196, 198, inciso II; 167, incisos I e VI; e 37; e 3) ao Poder Judiciário, traz a diminuição da sobrecarga de processos e da morosidade.
E, não podemos deixar de lado, que o “nudge” comportamental de incentivo à composição pelo Poder Judiciário, com a recomendação, pelo magistrado, inclusive, quando já proposta a ação, suspendendo o processo, para uso de plataforma digital de métodos consensuais de solução de conflitos, não viola o princípio de inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da CF); mas pelo contrário, abre uma nova “porta” para a solução do conflito, ampliando o acesso à justiça, na sua concepção mais abrangente.
É tempo de mudar paradigmas e pensar em soluções mais abrangentes, com cooperação e diálogo entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, entes públicos e privados e profissionais das mais diversas áreas, com a lavratura de Termos de Cooperação Técnica, o uso de métodos consensuais de solução de conflitos em plataformas digitais e decisões judiciais com prevalência de solidariedade, bom senso e equilíbrio, a fim de evitar o “ativismo judicial” e a consequente interferência na política econômica, com o colapso do sistema de saúde.
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Referências bibliográficas:
BESSA FERNANDES, Fernando Manuel. BONIFÁCIO DE CARVALHO, André Luís. Normatização, judicialização e criminalização da saúde no contexto da pandemia. Informe ENSP. 27.7.2020.  <a href="http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/49567">http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/49567</a>.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em <a href="https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/nat-jus-nacional/">https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/nat-jus-nacional/</a>.
LAGRASTA, Valeria F. Curso de Formação de Instrutores: Negociação, Mediação e Conciliação. ENAPRES/Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2020 - <a href="https://legado.justica.gov.br/seus-direitos/politicas-de-justica/enapres/formacao-instrutores_web-1.pdf/view">https://legado.justica.gov.br/seus-direitos/politicas-de-justica/enapres/formacao-instrutores_web-1.pdf/view</a>.
LAGRASTA LUCHIARI, Valeria F. Mediação de Conflitos que envolvem direitos indisponíveis. Trabalho apresentado no “I Simpósio de Saúde, Direito e Gestão Hospitalar”, do Instituto Brasileiro de Direito dos Profissionais e Instituições de Saúde - IBDPIS, Belo Horizonte, 13/11/2014.
REVISTA CONJUR. Disponível em https://www.conjur.br/2020-abr-02/saude-privada-chama-stf-mediar-requisicoesdos-governos.
TEIXEIRA DE FRANÇA, Vítor Emanuel. Judicialização da Saúde: Mediação como Alternativa ao Ativismo Judicial. Revista de Estudos Jurídicos do UNI-RN, Natal, Volume Preliminar. 2015.
VASCONCELLOS, Jorge. Prática da Mediação é adotada para conter a judicialização da saúde no DF. Agência CNJ de Notícias. <a href="http://www.cnj.jus.br/jb6j">http://www.cnj.jus.br/jb6j</a>.

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JOTA

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