Paulo Antonio Papini

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta”.
O poema de Eduardo Alves da Costa, intitulado “No Caminho com Maiakóvski”, tem algo em torno de 80 palavras e ocupa o panteão dos mais belos textos já escritos em todos os tempos (tal como A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa e As Vinhas da Ira, de John Steinbeck).
A metáfora do poema, de irretocável elegância estética, serve como fonte de inspiração a qualquer um a defender uma causa, seja o socialismo, seja o liberalismo. Advogados têm o hábito de citá-lo em petições para demonstrar ao juiz a infâmia que é praticada contra seu cliente (e lembrando-o que sua omissão poderá, no futuro, transformá-lo em vítima).
A obra em questão pode aplicar-se, seguramente ao tema que desejo abordar neste artigo. Em 1996 o governador do estado de São Paulo Mário Covas sancionou lei estadual elevando as custas de apelação a 10% do valor da causa. Por causa de manifestações absolutamente contrárias vindas de diversos órgãos representativos da classe, como OAB e AASP a norma foi revogada antes mesmo de ser implementada.
Não obstante, nos últimos 8 anos, no estado de São Paulo, temos visto um crescimento exponencial das custas processuais para a interposição de um recurso. Era de 1% do valor da causa, passou a 2% e em 2015 a 4% do valor da causa, o que, somando-se ao valor da distribuição, onera-a com 5% do valor do bem a ser questionado judicialmente.
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Vamos explicar: as custas judiciais não subiram 3% como podem pensar alguns. Elas subiram 400% num momento de estabilidade econômica que durou mais de 20 anos. Como esse aumento deu-se de forma gradual, lenta, ele aconteceu (e virão outros por aí, não tenham dúvidas) com o silêncio ruidoso dos órgãos representativos da classe e passaram sem chamar a atenção da doutrina.
Isso para não falarmos que a cobrança das custas judiciais (cujo gênero é tributo e a espécie é taxa) não poderia ter, nos termos do artigo 145, parágrafo 2º da Constituição, a mesma base de cálculo de impostos. Noutras palavras, taxas devem ser cobradas em preço fixo e não em porcentagem sobre o valor da causa. Acontece que o Brasil não é para principiantes e se Hans Kelsen vivesse por aqui receio que desistiria do Direito e seria motorista do Uber.
A Sociedade e, pior a Comunidade Jurídica, e, pior ainda, a Academia acostumaram-se – apenas e tão-somente pela força, “sempre foi assim” (uma espécie de Direito Consuetudinário para semiletrados) – com o fato de que uma Lei Estadual que regulamente custas de acesso à Justiça se sobreponha à Constituição da República.
Mas, como diz o ditado, não há algo ruim que não possa ser piorado. Recentemente fora <a href="https://jota.info/justica/proposta-eleva-custas-em-mais-de-1-000-no-stj-03032017">noticiado</a> no JOTA que o Superior Tribunal de Justiça pretende aumentar o valor das custas judiciais em até 1.000%, chegando a quase R$ 2 mil para algumas ações (bem, pelo menos eles têm o mérito de cobrar preço fixo, tal como deve ser cobrada uma taxa).
A pergunta que fica em relação a este absurdo é: será o Princípio Constitucional do Amplo Acesso à Justiça um mero objeto decorativo, como outros tantos, em nossa Lei Maior. Vamos voltar um pouco, ao “Caminho com Maiakóvski”: alguém duvida (tal como aconteceu com as custas de preparo de apelação no Estado de São Paulo, que subiram gradativamente de 1% para 4% do valor da causa) que se isso acontecer essa alta das custas não irá parar por aí? Não temos dúvida que num prazo muito curto (sob justificativas pomposas, dentre elas uma maior celeridade processual) esse valor estará na casa dos R$ 10 mil.
O mais provável, quase certo, diria, é que a combinação perversa de jurisprudência defensiva associada à sanha arrecadatória do Estado (lato sensu) farão com que esse aumento seja um primeiro de muitos que praticamente inviabilizará o cidadão comum de acessar aquela Corte (que um dia já se autonomeou: o Tribunal da Cidadania) e, pior ainda, esse exemplo pode contaminar Tribunais inferiores com a elevação (ou criação) de custas para Recursos como agravo de instrumento, agravo interno, dentre outros. Esse assunto é seríssimo e exige uma urgente atuação, no plano concreto mesmo (nada de notinhas de repúdio, estamos a falar de ADIN ou algo que o valha), dos Órgãos Representativos da Advocacia, sob pena de colaborarmos, ainda que pela omissão, com a transformação do Brasil numa Ditadura do Judiciário.

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Abusividade da elevação das custas no STJ

A falácia da segurança jurídica