Thais Lima

No ano de 2011, em Pernambuco, uma mulher de 44 anos foi levada a julgamento pelo Tribunal do Júri por ter contratado dois matadores para executar seu próprio pai. Ambos os executores foram condenados pelos jurados e receberam pena de 17 anos de prisão. A mulher, contudo, foi absolvida. Seu pai, a vítima, submetia-a a abuso sexual desde quando ela tinha 9 anos e teve com ela 12 filhos. Ao final do julgamento, diante da absolvição da acusada, a plateia reagiu com aplausos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça julgará em breve se é possível ou não a absolvição por clemência no Tribunal do Júri (HC 350.895).
Em verdade, não se trata de saber se os jurados podem ou não absolver por clemência, já que a garantia do sigilo das votações na instituição do Júri, prevista na Constituição da República (art. 5°, XXXVIII, b), impede que qualquer pessoa saiba o real motivo da decisão absolutória do Conselho de Sentença.
Com a alteração do Código de Processo Penal, operada pela Lei n° 11.689/2008, os jurados serão questionados, em primeiro lugar, sobre a materialidade do crime, ou seja, se o crime ocorreu. Em seguida, eles serão arguidos sobre a autoria do delito, ou seja, se o réu foi o autor do fato em julgamento. Somente se responderem SIM a estas perguntas, será perguntado aos jurados se eles absolvem o acusado.
A absolvição do réu neste terceiro quesito é tão genérica que pode abraçar uma infinidade de justificativas, jurídicas ou não, impossíveis de se inquirir. E mais, o Conselho de Sentença é formado por 7 (sete) jurados leigos e incomunicáveis, que podem absolver o réu por razões absolutamente distintas umas das outras.
Daí ser um verdadeiro contrassenso dizer que os jurados vinculam-se de alguma forma ao artigo 93, IX, da Constituição Federal. Não há como exigir fundamentação legal de decisão absolutória no Tribunal do Júri, uma vez que a própria motivação é sigilosa.
De qualquer forma, dizer que os jurados não podem absolver por clemência não os impede de que assim o façam se bem entenderem. Na verdade, apenas impossibilita que a defesa sustente esta tese em Plenário. Isso porque os jurados podem absolver por razões outras que não as sustentadas pela defesa nos debates.
Assim sendo, o tema envolve muito mais uma discussão sobre os limites do direito de defesa do que sobre os limites decisórios do Tribunal do Júri.
Outro ponto por vezes levantado é que a absolvição por clemência ou outra causa supralegal tornaria sem efeito a apelação prevista no artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal. O que não ocorre de forma alguma. A título de ilustração, pode-se aventar uma hipótese na qual os jurados negam a materialidade do crime, embora conste nos autos laudo cadavérico segundo o qual a vítima sofreu inúmeras perfurações de arma de fogo. Aqui parece claro que o julgamento é manifestamente contrário à prova dos autos, permitindo-se que a acusação interponha apelação sob tal fundamento.
Mas, ainda que partamos da ficção de que é possível saber as razões tidas pelos jurados para absolver o réu, a clemência é causa idônea e legítima de uma sentença absolutória no Tribunal do Júri.
Diferentemente do juiz togado, que julga de forma motivada e vinculada às normas jurídicas, os jurados julgam conforme a sua íntima convicção e senso de justiça<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que não precisam necessariamente encontrar sustentáculo nas leis. A consciência e o sentimento de justiça podem estar ancorados em razões humanitárias, desproporcionalidade da punição, clemência e outras causas de cunho moral.
Não há lógica em delegar o julgamento de determinados crimes para pessoas leigas e que, portanto, não possuem formação jurídica, e exigir-lhes que julguem como um juiz togado.
Além disso, impor que o Conselho de Sentença apenas decida conforme a estrita legalidade viola a própria essência do Tribunal do Júri, instituição que permite à sociedade o julgamento dos seus pares.
Os jurados integram o mesmo corpo social do acusado e se identificam, muitas vezes, com os personagens (seja o réu ou a vítima) da trama que lhes é apresentada durante os debates. Essa identificação entre jurados e personagens do crime decorre da própria estrutura do Tribunal do Júri, composta por pessoas da comunidade onde o crime foi cometido, seja como jurados ou como plateia. Há um verdadeiro sentimento comunitário nos julgamentos do Tribunal de Júri, que não se confunde, nem poderia se confundir, com o julgamento feito por juízes togados.
Caso a mulher referida no início deste artigo tivesse sido julgada por um magistrado togado não poderia ser absolvida, já que não se tratava estritamente de legítima defesa ou outra causa excludente do crime prevista em lei. Ela foi absolvida pelo senso de justiça da sua comunidade, o que somente o Tribunal do Júri pode fazer.
Assim, concluir que os jurados não possuem liberdade para absolver por clemência, ou por qualquer causa extralegal ancorada num senso de justiça comunitário, não viola apenas o direito do acusado de ser julgado por seus pares, mas também o direito deste corpo social de participar da decisão sobre algo que diretamente lhe atingiu. É como o fim da razão de ser do Tribunal do Júri.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/08/juri-absolve-mulher-que-mandou-matar-o-pai-com-quem-teve-12-filhos.html
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça”. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: “Assim o prometo”.

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A absolvição por clemência no Tribunal do Júri

Um direito do réu e da sociedade