Ricardo Campello

Mario Norris

Rodrigo Coimbra

Em abril, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/congresso-nacional">Congresso Nacional</a> extinguiu o monopólio da União para a produção de radiofármacos ao promulgar a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc118.htm">Emenda Constitucional 118/2022</a>, que alterou o art. 21, XXIII, alíneas b e c.
Os radiofármacos são medicamentos compostos por uma parte radioativa, o radioisótopo, e outra não radioativa, o fármaco, e são usados na investigação e tratamento de diversas doenças, principalmente cancerígenas. Eles são utilizados, por exemplo, no diagnóstico feito com o iodo-131, aplicado na detecção de possíveis doenças na glândula tireoide, além da bomba de cobalto, usada no tratamento de tumores.
Até a EC 118/22, os dispositivos alterados autorizavam, sob regime de permissão, “a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais” (alínea b) e, também sob o regime de permissão, “a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas” (alínea c). A EC 118/22 retirou da alínea c a restrição sobre a produção desses produtos, que estava limitada aos radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas.
A restrição se justificava por preocupações em torno da segurança nuclear, pois quanto maior a meia-vida de um radioisótopo, maior a necessidade de controlar sua produção e manuseio, mas também em grande parte por razões ideológicas. Para justificar a mudança, parlamentares favoráveis sustentaram que a quebra do monopólio e a competição privada irão expandir o setor, dando fim à crise de desabastecimento, ampliando a oferta e levando a medicina nuclear — atualmente concentrada nos centros urbanos do Sudeste — para o interior do país.
O monopólio da União na produção de radiofármacos era exercido principalmente através do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), órgão inserido em uma complexa estrutura jurídica, administrativa e financeira. Criado em 1979 como autarquia do estado de São Paulo, o Ipen foi vinculado à Secretaria de Estado da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia e associado à USP para fins didáticos.
Através de convênio celebrado entre o estado de São Paulo e a União (em vigor até 2037), o Ipen passou a ser mantido financeiramente e gerido técnica e administrativamente pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), autarquia federal vinculada ao atual Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que era o órgão federal responsável por exercer o até então monopólio da União sobre a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados (art. 21, inciso XXIII da Constituição Federal).
Apesar dessa relevante função, desde o início de 2020, o Ipen sofreu severos cortes orçamentários do MCTI e da Cnen. Ao mesmo tempo, o instituto sofreu com as variações do câmbio, que elevaram sua despesa anual com importações de insumos para algo em torno de US$ 15 a 20 milhões por ano. Para completar, o Ipen não ficava com a receita que arrecadava com a venda de radiofármacos (R$ 122 milhões em 2019), que era repassada integralmente à Cnen. Essa combinação de fatores fez com que, em 2021, o <a href="https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/09/16/ipen-anuncia-suspensao-de-producao-de-insumos-para-tratamento-de-cancer-no-brasil-por-falta-de-verba-federal.ghtml">Ipen anunciasse a suspensão da sua produção</a>. Com a crise de desabastecimento de radiofármacos, o debate sobre a quebra do monopólio da União ganhou força no Congresso e a <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/484645">PEC 517/2010</a> foi aprovada e convertida na EC 118/22.
Agora, a tendência é que a Cnen e o Ipen reduzam sua atuação nesse mercado, movimento já anunciado no Relatório de Gestão da Cnen de 2019, em que constam as projeções de que, com a flexibilização do monopólio e a maior participação do mercado privado, a participação da Cnen no fornecimento de radiofármacos será reduzida.
Assim, a promulgação da EC 118/22 e a consequente quebra do monopólio da União na produção de radioisótopos pode representar uma oportunidade para o mercado farmacêutico privado. Atualmente, o Ipen produz sozinho aproximadamente 85% dos radiofármacos utilizados no Brasil. Mais de 430 clínicas e hospitais em todo o país são clientes dos 24 produtos registrados na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anvisa">Anvisa</a> pela Cnen e fabricados pelo Ipen. O principal, mais utilizado na medicina nuclear, é o gerador de 99Mo/99mTc, sendo que há mais de 40 anos o instituto é o único produtor desse radioisótopo de meia-vida de seis horas, que permite marcar, com formulações liofilizadas, moléculas de interesse biológico (ideal para procedimentos de diagnósticos).

radiofármacos

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Quebra do monopólio da União pode representar uma oportunidade para o mercado farmacêutico privado

Abertura do mercado de radiofármacos com a EC 118/2022

Quebra do monopólio da União na produção de radiofármacos pode representar uma oportunidade para o mercado farmacêutico privado