Adriana L. Cardinali Straube

Juliana Oliveira Nascimento

Ligia Maura Costa

Rogeria Gieremek

Em agosto de 2021, com a retirada das tropas americanas do Afeganistão, o mundo ocidental alarmou o possível retorno à opressão que o Talibã voltaria a impor às mulheres e às crianças do país.
O medo do povo chocou a comunidade internacional com as cenas veiculadas pela imprensa e pelas mídias sociais, em que as pessoas tentavam desesperadamente sair do país, arriscando suas próprias vidas, separando-se de seus filhos e esposas.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O Talibã assegurou que não retornaria à violência praticada às mulheres e crianças, quando de seu domínio anterior, mas isso não é o que se tem visto nesse curto espaço de tempo sob o Talibã, sendo necessária a união de Estados, entidades, organizações, associações e grupos em defesa dos direitos dos vulneráveis, evitando-se que mais atrocidades sejam perpetradas e um grande retrocesso na humanidade, por um grupo extremista que não está muito distante da Lei de Talião.
No último período em que o Talibã controlou o Afeganistão, no final dos anos 90 até o início dos anos 2000, era a repressão o motor de sua atuação, especialmente com relação às mulheres e crianças.
A título ilustrativo: garotas não podiam frequentar escolas depois de certa idade; as mulheres deixaram de ter acesso aos serviços básicos de saúde, além de não poderem trabalhar nem sair de casa sem estarem completamente cobertas e acompanhadas de um homem, sentenciando de fato viúvas com filhas à fome. O descumprimento a essas regras podia gerar penas severas, incluindo a pena de morte.
Muito além do terrorismo, a ocupação americana pós 11 de setembro teve como justificativa outras pautas, incluindo a expansão dos direitos das mulheres. Em 2004, a constituição pós-Talibã concedeu às mulheres afegãs todos os direitos, trazendo crescimento social e econômico, o que melhorou significativamente a condição socioeconômica das mulheres afegãs.
<blockquote class="jota-article__eye">Um contrassenso com a saída recente de suas tropas, sem assegurar a continuidade do processo inclusivo, de eliminação da opressão e de garantia da equidade.</blockquote>
É certo que, a partir de 2001, os direitos das mulheres aumentaram no Afeganistão: mais meninas foram matriculadas na escola e as taxas de mortalidade infantil diminuíram. Tal progresso, entretanto, está ameaçado e pode desaparecer em breve. Hoje, a questão dos direitos das mulheres no Afeganistão enfrenta perspectivas incertas e, com altas probabilidades dos direitos adquiridos pelas mulheres nas duas últimas décadas se deteriorarem rapidamente.
Desde o final de maio desse ano, 80% (oitenta por cento) das quase 250.000 pessoas no Afeganistão que foram forçadas a fugir de suas casas eram mulheres e crianças, de acordo com Shabia Mantoo, porta-voz da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Um relatório divulgado no mês passado, pela ONU, também mostrou que o número de mulheres e crianças mortas e feridas aumentou em maio e junho, na mesma época em que as tropas americanas e internacionais avançaram com a retirada de suas tropas restantes do Afeganistão<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Mesmo tendo ratificado, em 2003, a Convenção para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, da ONU (CEDAW) e revisitada a Constituição e as leis para deixar mais clara e assegurada a equidade de gênero e o dever de proteger as mulheres e crianças, o cenário atual no Afeganistão é extremamente preocupante, merecendo atenção e mobilização.
Ao redor do mundo, os países estão unindo forças na acolhida dos afegãos. Organizações e entidades defensoras de Direitos Humanos buscam reforçar a necessidade de cumprimento dos tratados e convenções internacionais, das leis e dos direitos à vida, à incolumidade física, à educação, ao emprego e reunir esforços e doações que possam trazer algum alento a essas pessoas.
Ao lado dessas iniciativas, muitos grupos defensores dos Direitos das Mulheres estão atentos, cobrando uma resposta à ameaça presente, buscando proteção e abrigo às mulheres e crianças vulneráveis, evitando o retrocesso e a repressão. É a sororidade que ecoa o apelo à equidade, à eliminação da violência contra mulheres e crianças, que tanto custou para chegar até aqui e ainda vê um longo e tortuoso caminho a percorrer.
No Brasil, não foi diferente. Assim que anunciada a saída das tropas americanas do solo afegão, muitas mobilizações ocorreram. Como exemplo, a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), solicitou adesão ao manifesto divulgado mundialmente pela Associação Internacional de Mulheres Juízas (em inglês, International Association of Women Judges – IAWJ), para que sejam realizados esforços de resgate e de ajuda humanitária a pessoas em situação de risco devido à tomada do poder no Afeganistão pelo Regime Totalitário Talibã<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Outro grupo que merece destaque no Brasil, é formado por mulheres profissionais que ocupam posições de liderança em diversas áreas e reuniu-se com o objetivo de mobilizar forças diplomáticas e políticas para ajudar mulheres e crianças do Afeganistão.
Trata-se da rede de apoio humanitário sem fronteiras “Eu me importo. E você?”, que escreveu um manifesto que conta com aproximadamente cinco mil assinaturas e versões em português, inglês, francês, alemão, dari, russo, italiano, coreano e espanhol<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Além do manifesto, a rede de apoio apresenta algumas Reivindicações, com o intuito de orientar as atividades do grupo, como a seguir:
“1- Apoio Diplomático: facilitar a entrada de afegãs no nosso país, com a ajuda na solicitação e agilização na outorga de 1.000 vistos por razões humanitárias, priorizando as mulheres e crianças, e aqueles com família no Brasil;
2- Apoio Diplomático: auxiliar na obtenção de autorizações de saída das mulheres e crianças, daqueles com família no Brasil e dos brasileiros que queiram deixar o Afeganistão;
3- Apoio Diplomático: coordenar ações com a ACNUR (ONU), para ajudar na emissão de documentos que permitam a saída do Afeganistão e a entrada em outro país destinatário, com relação às pessoas que não tenham documentos regularizados;
4- Apoio Logístico: pedir o apoio dos EUA e negociar com as empresas aéreas para que possam voar à região do Afeganistão e retirar as pessoas de qualquer nacionalidade de lá em voos humanitários, com total segurança, relativamente aos pousos e decolagens, ao fornecimento de combustível e à segurança física, propriamente dita;
5- Apoio Humanitário: disponibilizar um local apropriado para alojar todos que chegarem ao Brasil, para que façam quarentena e, via Ministério da Saúde, recebam as vacinas contra Covid-19, febre amarela, gripe, tríplice viral e demais vacinas constantes do calendário brasileiro;
6- Apoio Logístico: Após o alojamento, a quarentena e a vacinação de todos que aqui chegarem, sejam todos destinados aos estados brasileiros onde vivem seus familiares ou outros afegãos;
7- Apoio Humanitário: Com a ajuda do Governo, sejam todos os afegãos que vierem ao Brasil acolhidos em escolas e creches para as crianças, pois esta é a maneira mais fácil para que aprendam o português.”
Felizmente, em 3 de setembro de 2021, o Governo Brasileiro editou a Portaria Interministerial nº 34, possibilitando a concessão de visto humanitário aos afegãos e a residência em nosso país. A nossa Constituição preleciona a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e este país se destaca por seu espírito acolhedor e generoso.
A acolhida humanitária se impõe e o oferecimento de condições dignas é uma necessidade de todos nós. Pertencemos todos à mesma raça – a raça humana e habitamos todos o mesmo lugar – o Planeta Terra.
Nessa linha, é importante recordar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que trata dos direitos fundamentais, que não devem ser esquecidos: direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à educação e à moradia, sendo estes fundados no respeito e na dignidade da pessoa humana.
Além disso, cabe evidenciar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma agenda das Organizações das Nações Unidas, com compromissos apresentados até 2030, cujo propósito remete a acabar com a pobreza, além de assegurar que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
Esses direitos não podem ser tolhidos, e devem ser assegurados também aos afegãos. Somos quase todos, em alguma medida, imigrantes, com direitos. Negar acolhida ao povo afegão, especialmente suas mulheres e crianças, equivale a fechar a porta aos nossos antepassados, sem os quais não estaríamos aqui hoje!
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Josie Fischels. “What Women’s Advocacy Groups Worldwide are doing for Women in Afghanistan”, NPR, 16 de agosto de 2021, disponível em: &lt;<a href="https://www.npr.org/2021/08/16/1027929275/what-womens-advocacy-groups-worldwide-are-doing-for-women-in-afghanistan">https://www.npr.org/2021/08/16/1027929275/what-womens-advocacy-groups-worldwide-are-doing-for-women-in-afghanistan</a>&gt;, acesso em 14 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ANAMATRA. “Anamatra se une à IAWJ para dar suporte à juízas afegãs”, disponível em: &lt;<a href="https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/31348-anamatra-se-une-a-iawj-para-dar-suporte-a-juizas-afegas">https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/31348-anamatra-se-une-a-iawj-para-dar-suporte-a-juizas-afegas</a>&gt;, acesso em 14 de setembro de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O manifesto está disponível em: &lt;<a href="https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/autoridades_brasileiras_ao_sistema_global_de_prote_protecao_internacional_dos_direitos_humanos_as_mulheres_e_meninas_afegas/">https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/autoridades_brasileiras_ao_sistema_global_de_prote_protecao_internacional_dos_direitos_humanos_as_mulheres_e_meninas_afegas/</a>&gt;, acesso em 14 de  setembro de 2021.

Buying at the dry goods market

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JOTA

O advocacy que pode salvar vidas, afastar a violência e reestabelecer a inclusão

A vulnerabilidade das mulheres e crianças no Afeganistão

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