É possível analisar a influência do poder econômico sobre campanhas eleitorais por duas vias: a influência lícita, referente ao financiamento declarado e documentado junto à Justiça Eleitoral nos processos judiciais próprios de prestação de contas e a influência ilícita que se dá através do popularmente conhecido "caixa dois. O caso mais típico de influência ilícita é o do uso de recursos públicos que não sejam os derivados do fundo público de financiamento de partidos, que, ao menos ao longo das duas últimas décadas, ganhou requintes de extremamente complexas tramas de transações e compensações levadas a cabo para camuflar a verdadeira fonte do dinheiro. A identificação da origem destes recursos exige uma não menos complexa investigação que se dá dentro das secretarias de análise de contas dos Tribunais Eleitorais, bem como dos departamentos de Polícia Federal e dos departamentos de auditorias dos tribunais de contas.

Uma análise do poder da influência feita ao revés da legalidade teria que levar em consideração o resultado da análise das prestações de contas pelo TSE, bem como os processos criminais que apuraram, julgaram e condenaram doações irregulares, tais como a Ação Penal 470 (caso do "mensalão") e as inúmeras ações penais oriundas da operação Lava Jato. Neste artigo, nos ateremos ao caixa 1, à contabilidade declarada à Justiça Eleitoral, valendo-nos do banco de dados de prestação de contas da página do Tribunal Superior Eleitoral.

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Desde sempre, a influência do poder econômico é uma preocupação do Direito Constitucional e Eleitoral, pois é um dos principais instrumentos de fraude democrática e de sobreposição de oligarquias à soberania popular. O abuso do poder econômico também funciona como o dopping nas competições esportivas, adulterando o equilíbrio da competição eleitoral.

Historicamente, as doações de campanha têm funcionado no Brasil como uma forma de "investimento" de empresas e pessoas físicas com a finalidade de obter benefícios lícitos e ilícitos do futuro governo eleito. A fatura é cobrada a posteriori. Ela faz parte de um "agir estratégico", segundo as palavras do relator da ADIN 4.650 do STF, que expurgou a possibilidade de doações empresariais de campanha. Não se deve olvidar que muitos doadores de campanha dotados de grande poder econômico fazem suas doações com finalidades ideológicas ou programáticas (a favor de um candidato que melhore, por exemplo o cenário econômico como um todo, com benefícios gerais), mas o número de ações penais decorrentes de acertos espúrios de troca de favores entre doadores que futuramente recebem o resultado de seu "investimento" ao obter contratos superfaturados ou mesmo a edição de atos administrativos, como licenças ambientais que viabilizem seu negócios, é tão alarmante que não é exagerado afirmar que no Brasil as doações de campanha tem sido de caráter maciçamente fisiológico, e não ideológico ou programático.

Pois bem, a análise que empreendemos sobre as informações coletadas junto aos bancos de dados da Justiça Eleitoral a respeito dos principais doadores de campanha nas últimas eleições presidenciais nos mostra que o último pleito, ocorrido em 2018, representa um momento histórico de profunda ruptura com os esquemas clássicos de financiamento de campanha no Brasil. Um abrupto ponto de inflexão. A influência do poder econômico de grandes companhias, sobretudo bancos privados e construtoras, chegou a ser quase nulo, ao passo que o financiamento coletivo de campanha, ou crowdfunding, ganhou grande destaque ao lado do financiamento público-partidário. Na verdade, o financiamento coletivo venceu as eleições de 2018 e com muito menos dinheiro do que vinha sendo necessário até 2014.

Em 2018, destacou-se o fato de que o candidato eleito para a Presidência da República o fora contando com recursos maciçamente originados do crowdfunding ou financiamento coletivo, tornado legalmente possível pela Lei 13.488 de 2017, que promoveu alterações na Lei das Eleições. O candidato eleito foi o que menos arrecadou entre os quatro mais bem colocados na disputa. Algo inédito nas últimas eleições presidenciais. Causou espécie também o fato de que o candidato que mais recursos econômicos empregou na campanha eleitoral obteve apenas a 4ª colocação e apenas 4% dos votos válidos.

A análise das contas do candidato eleito à Presidência da República em 2018 demonstra que, do total de 4,3 milhões arrecadados em sua campanha, 94% foram provenientes do financiamento coletivo virtual através da empresa de prestação de serviços de crowdfunding "Aixmobil Serviços e Participações Limitadas". Em seguida, no ranking de doadores, vem o financiamento partidário, que conta com grande parte de recursos públicos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). O partido do Presidente da República eleito, o PSL, partido até então minúsculo, recebedor de pequenas parcelas do fundo público de financiamento, foi o segundo maior doador do candidato eleito, contribuindo com 9,8% das receitas totais.

O segundo colocado na disputa presidencial de 2018, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, obteve uma arrecadação de recursos 8 vezes maior, equivalente ao montante total de 35,3 milhões. A análise de seus maiores doadores mostra que o candidato foi altamente dependente do financiamento partidário que, como vimos, recebe recursos públicos. Seu ranking de maiores doadores mostra que 94,45% de suas receitas foram recebidas do diretório nacional do PT. O financiamento coletivo entra como segundo maior doador, mas com apenas 1,5 milhões, o que significa 4,3% das receitas totais.

Um partido político de grande magnitude como o Partido dos Trabalhadores também deve ser considerado uma organização com grande poder econômico. Em razão de sua grande representatividade no Congresso na última legislatura, recebia uma das maiores parcelas do fundo público de financiamento de partidos. Não se notou entre os doadores de campanha do candidato do PT em 2018 a influência direta de empreiteiros do grande capital financeiro ou industrial como era comum nas eleições anteriores. Uma pesquisa mais acurada, no entanto, da influência do poder econômico na campanha do candidato deveria avaliar os doadores ao partido, que, através dele, podem ter exercido influência indireta na campanha presidencial do PT.

Também o terceiro candidato mais bem votado, Ciro Gomes, do PDT, foi dependente majoritariamente do financiamento partidário, que contribuiu com 96,21% de suas receitas - 24,2 milhões em números absolutos. O financiamento coletivo, no ranking de seus doadores, aparece na 3ª e 4ª posições.

A campanha mais dispendiosa e que, portanto, mais recursos arrecadou foi a do 4º colocado, Geraldo Alckmin, do PSDB. A arrecadação total foi de 54,061 milhões. Tal como ocorreu com o segundo e o terceiro colocados, a dependência da máquina partidária na campanha se destaca, eis que responsável por 98,45% de suas doações. O recebimento de recursos do financiamento coletivo foi relativamente ínfimo para o candidato: apenas 0,11% de sua receita, ou seja, 63,9 mil reais.

A comparação entre os candidatos nas eleições de 2018 permite chegar a algumas conclusões: (1) a influência do grande poder econômico foi anulada nestas eleições pela influência pulverizada de apoiadores populares do candidato eleito; (2) de todos os candidatos, o eleito foi o que menos dependeu do poder de arregimentação de recursos da máquina partidária, diferentemente dos 2º, 3º e 4º colocados, e desta forma, foi o que menos dependeu de recursos públicos de forma indireta; (3) a arrecadação do candidato eleito foi a mais pulverizada graças ao financiamento coletivo, ou em outros termos, menos concentrada em uma instituição aglutinadora de poder político e econômico, no caso, partidos com grande representatividade no Congresso: PT, PSDB e PDT; (4) Ante estas conclusões é possível extrair uma conclusão maior: a vitória de sua campanha foi a vitória do financiamento coletivo de campanha, pulverizado, popular e quase anônimo.

A comparação do financiamento de campanha nas eleições presidenciais de 2018 com as eleições anteriores mostra também uma grande ruptura em relação ao poder de influência das grandes corporações econômicas, principalmente as do ramo da construção civil e bancário, antes as maiores doadoras. Mas aqui é preciso fazer uma ressalva importante. Como vimos, as campanhas que mais arrecadaram em 2018, todas derrotadas, tiveram seu financiamento custeado esmagadoramente pelos diretórios partidários. Uma investigação mais aprofundada da influência do poder econômico nestas eleições, portanto, exigiria uma análise da prestação de contas anuais dos partidos, reguladas pela Lei 9.096/95. Há uma brecha nesta lei para que pessoas jurídicas façam doações para os partidos, desde que feita não diretamente ao partido, mas ao fundo partidário (art. 31, II, da Lei dos Partidos Políticos). Assim sendo, é possível que dinheiro de grandes empresas tenham entrado por vias indiretas na campanha eleitoral de 2018. Também é possível a doação de pessoa física direta ao partido, mascarando a doação empresarial.

Façamos uma comparação com as eleições de 2014. Primeiramente, foi uma eleição muito mais cara. A campanha da candidata eleita, Dilma Rousseff, do PT, obteve uma arrecadação total de 350,4 milhões, cerca de 6 vezes mais do que arrecadou o candidato Geraldo Alckmin, do PSDB, que teve a campanha mais cara em 2018. O segundo colocado em 2014, Aécio Neves, do PSDB, arrecadou, por sua vez, um total de 226,8 milhões.

Comecemos pela análise da prestação de contas deste último. Seus maiores doadores foram empresas do Grupo Bradesco, que contribuíram com 4,1 milhões de reais. A 5ª maior doadora foi a empresa Brasken, empresa do ramo petroquímico, obviamente interessada em contratos com o poder público. Ela contribuiu com um total de 2 milhões de reais. A construtora Odebrecht figura como uma das 10 maiores doadoras, tendo oficialmente declarado a doação de 1 milhão de reais à campanha de Aécio.

Na campanha da vencedora de 2014, do PT, grandes grupos econômicos também aparecem como doadores: Banco Bradesco Banco Alfa S. A., Banco BTG Pactual, Banco Safra, estão entre os maiores doadores. Do setor financeiro, os maiores doadores de Dilma Rousseff também foram empresas do grupo Bradesco, que "investiram" 7,7 milhões de reais, seguidas do Branco BTG Pactual, que doou 6,2 milhões. Inúmeras construtoras são encontradas na prestação de contas da candidata eleita, dentre elas a Odebrecht SA, a Queiroz Galvão S.A., Andrade Gutierres S. A., a Camargo Correa S.A., e a Construtora OAS S.A., todas envolvidas em esquemas de financiamento ilícito, de acordo com a operação Lava Jato. A construtora Andrade Gutierres aparece como campeã de doações, com 20 milhões de reais “investidos”. Uma vasta rede de grupos empresariais aparece nas doações de campanha da vencedora de 2014: corporações do setor petroquímico, do agronegócio, do setor farmacêutico, da produção de cimentos, mineradoras, e empresas do ramo de distribuição de bebidas, etc. O financiamento partidário também apareceu como ator preponderante do financiamento e Dilma Rousseff em 2014.

Diferentemente do que ocorreu em 2018, o financiamento coletivo não teve nenhum papel nas eleições de 2014, embora observe-se um grande número de doadores individuais de valores de pequena monta tanto na campanha de Dilma Rousseff, quanto na de Aécio Neves.

Retroagindo a 2010, vemos que a Presidente eleita, do PT, obteve uma receita total de 135,5 milhões de reais, quase metade do total gasto em 2014 pelo mesmo partido em sua candidatura à Presidência. Além da inflação, podemos apontar como motivo pela menor arrecadação em relação a 2014, o fato da transferência do “capital eleitoral” deixado pelo Presidente Lula que naquele deixava o poder com altos índices de popularidade, o que exigia menor esforço propagandístico pelo Partido dos Trabalhadores. Mas o que nos interessa aqui é a dependência da campanha tanto da máquina partidária, quanto do grande capital. O comitê financeiro do partido foi o maior doador. Do capital financeiro, chama a atenção a doação de 4 milhões de empresas do Grupo Itaú Unibanco. A siderúrgica Gerdau contribuiu com 1,5 milhão. O segundo colocado nas eleições, José Serra, do PSDB, a seu turno, amealhou 106,5 milhões de reais para sua campanha presidencial. O grande capital financeiro, também em sua campanha foi representado majoritariamente por empresas do Grupo Itaú, com o mesmo valor doado ao PT: 4 milhões de reais, mas a maior parte das doações fora repassada pelo comitê financeiro central do partido. Um grande diferencial das eleições de 2010 é que o grande capital preferiu repassar indiretamente aos candidatos através dos comitês. Ao se investigar as planilhas não se vê nenhuma doação por parte das grandes construtoras diretamente aos candidatos, embora elas apareçam fartamente nas contas dos comitês financeiros. Para o PT, a Construtora Camargo Correia contribuiu com 4 milhões de reais, a Andrade Gutierres com 5,1 milhões, a OAS com 3 milhões, e a Votorantim Industrial S.A. entrou com 2,6 milhões. O mesmo padrão se repetiu com o comitê financeiro do PSDB, maior doador da campanha de José Serra. A construtora Odebrecht repassou ao partido de Serra 2,4 milhões; a OAS, 2,8 milhões; Queiroz Galvão, 2 milhões. De diversos setores vieram recursos de grandes empresas para as campanhas eleitorais de 2010. Do setor alimentício ou agronegócio, destacamos a participação do Grupo JBS S.A., doador de 3 milhões para o comitê presidencial do PSDB e de 9 milhões para o do PT.

Em 2006, a campanha do candidato eleito, Lula, do PT, registra uma receita total de 81,1 milhões de reais, e a do segundo colocado, Geraldo Alckmin, do PSDB, 79,2 milhões. Mais uma vez, os comitês financeiros foram os maiores doadores, como em 2010, destarte a influência do poder econômico se deu de forma indireta. O grande capital financeiro teve como atores principais na campanha do candidato do PT, o Banco Itaú S. A., que doou 3,5 milhões e o banco ABM AMRO Real S.A., com 1,5 milhões. Dentre as grandes construtoras, o Grupo Odebrecht, contribuiu, de forma suspeita, com “parcos” 150 mil reais, a OAS com 1,6 milhões, a Andrade Gutierres com 1,7 milhão, a Camargo Correia com 700 mil. O comitê financeiro presidencial do PSDB, por sua vez, recebeu do Banco Itaú S. A, 3,5 milhão de reais e do banco ABM AMRO Real S. A., 1,5 milhão. As construtoras também tiveram participação relevante na campanha do PSDB em 2006, com a Andrade Gutierrez doando 1,5 milhão, por exemplo.

Essa análise histórica que cobre 12 anos e 4 campanhas presidenciais, não deixa dúvidas de que 2018 representou um grande ponto de ruptura. Uma análise dessa mutação permite enquadrá-lo num fenômeno recorrente na História descrito pelo historiador escocês Niall Ferguson em “A Cidade e a Torre”, lançado no Brasil em 2018 pela Editora Planeta. Afirma o autor: “muitas vezes as mudanças na história são os feitos de grupos de pessoas organizadas de maneira informal e com pouca documentação”. Nesse processo, “redes” espontaneamente formadas no seio da sociedade civil suplantam o poder das organizações hierárquicas já consolidadas como partidos e empresas cuja maior marca é a centralização do poder, na contramão do ideal de igualdade, tão caro à esquerda.

Uma matéria publicada na edição número 148 da Revista Piauí, intitulada “Juventude Bolsonarista”, de autoria de Consuelo Dieguez, explora uma destas redes comandada por um trio liderado pela empresária de classe média Letícia Catelani. Um de seus estratagemas foi o disparo sistemático de mensagens via whatsaap. Outras redes foram preponderantes para a vitória de Jair Bolsonaro. A primeira delas, certamente, é a que tinha como “nódulo” (conceito de Ferguson) principal um dos filhos do Presidente Eleito, Carlos Bolsonaro. Redes formadas ao redor de think thanks de ideologia liberal e conservadora, como os institutos Milênium, Mises Brasil, etc. também entram como atores relevantes. Outras redes conhecidas são as formadas em torno do Movimento Brasil Livre (MBL) ou de seguidores do filósofo Olavo de Carvalho. A influência destas redes que tiveram como principal instrumento as principais redes sociais da internet: facebook, whatsaap, twitter, empregaram poucos recursos, e fizeram campanha, autorizada ou não, na maioria das vezes de forma gratuita e espontânea, sem nenhum controle central. Isso não nos impede de discutir a legalidade da atuação de muitas delas. Por exemplo não podiam pagar enquanto pessoa jurídica pelo impulsionamento de conteúdo, mais muitas o fizeram. Além disso, é discutível se esse financiamento, embora barato e altamente pulverizado, deveria ter entrado na contabilidade de Jair Bolsonaro. A resposta para estas dúvidas parece estar no art. 40-B da Lei 9504/97: tendo havido conhecimento prévio, o candidato deveria sim ter declarado estes atos de propaganda eleitoral. Houve aí abuso de poder econômico? Se houve, os abusadores não foram corporações oligárquicas como o Banco Bradesco ou a construtora Odebrecht, mas “grupos de pessoas organizados de maneira informal”, nas palavras de Ferguson.

Em conclusão geral, podemos dizer que 2018 marca um ponto de ruptura abrupto na forma de vencer eleições no Brasil, em que as redes espontâneas de financiamento e propaganda, pulverizadas e não documentadas, suplantaram o poder concentrado de grandes corporações empresariais e partidárias. Foi uma vitória do financiamento coletivo de campanha. Algumas outras conclusões subsidiárias ficaram claras: (1) As campanhas se tornaram mais baratas; (2) A influência do grande poder econômico não foi preponderante para a vitória nas eleições, tendo cedido lugar para a influência da informação de baixo custo veiculada pelas redes informais; (3) A Operação Lava Jato teve grande influência sobre o pleito, afastando a influência dos grandes grupos econômicos nas eleições; (4) As reformas eleitorais com a abertura da possibilidade do financiamento coletivo virtual e a vedação do financiamento empresarial de campanha surtiram efeito;

Todas estas observações nos permitem chegar à percepção mais geral de que houve um ponto de ruptura drástico nas eleições de 2018, com a afirmação da supremacia da influência direta popular ou da sociedade civil informalmente organizada, ainda que o elemento popular aqui seja majoritariamente composto de elementos da “alta classe média” ou da “massa da classe média” (conceitos do sociólogo Jessé de Souza expostos em “A Classe Média no Espelho”, publicado pela editora Estação Brasil em 2018), suplantando o poder econômico oligárquico e concentrado, tanto empresarial quanto partidário. O financiamento coletivo venceu e com ele a Nova República experimenta um salto no sentido da desconcentração do poder e de maior abertura democrática.

A vitória do financiamento coletivo de campanha eleitoral em 2018

O povo como deep state