Mariana Saragoça

Julia Barker

Apesar de os holofotes estarem voltados para o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/saneamento">setor de saneamento básico</a>, pouco se discute sobre a importância das atividades de drenagem e manejo de águas pluviais (Dmapu). Enquanto o esgotamento sanitário e o abastecimento de água são considerados a menina dos olhos para o setor, as recentes enchentes em cidades brasileiras demonstram, mais uma vez, a necessidade de investimentos na área.
A <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.026-de-15-de-julho-de-2020-267035421">Lei 14.026/2020</a>, conhecida como o novo Marco Regulatório do Saneamento, ao alterar a Lei 11.445/2007, definiu e segregou os serviços que constituem a atividade de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas como sendo as atividades, infraestruturas e instalações operacionais responsáveis:
<ol>
<li>pela drenagem urbana;</li>
<li>pelo transporte das águas pluviais;</li>
<li>pela detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias;</li>
<li>pelo tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.</li>
</ol>
A prestação dos serviços, bem como seu planejamento e regulação, são realizados majoritariamente pelo próprio ente titular, especialmente por órgãos da Administração Pública direta. Até 2019, apenas 1,3% dos municípios declararam possuir regulação dos serviços de Dmapu por órgãos ou entidades apropriadas. Neste ponto, é fundamental o avanço proposto pelo novo marco ao transferir a competência regulatória para agência reguladora específica, seja do próprio ente titular ou formalizada por meio de convênio de delegação.
Ainda que alguns acreditem que a delegação dos serviços de Dmapu à iniciativa privada apresente menos atratividade quando comparada às demais atividades, a verdade é que é preciso criatividade para materializar novos projetos de saneamento em benefício da população. É urgente pensar para além da contratação de particulares restrita à atuação em obras de infraestrutura das redes, mas também na operação dos sistemas de Dmapu.
Fato é que é possível e desejada a concessão (inclusive por meio de PPPs e subdelegações, por exemplo) de uma ou mais atividades associadas à drenagem e ao manejo de águas pluviais urbanas, desde que observada a viabilidade econômico-financeira dos projetos. Não obstante isso, os projetos terão maior potencial de atratividade se facultarem ao concessionário a elaboração de projetos alternativos, como por exemplo a utilização de efluentes sanitários para a produção de água de reuso.
A título de exemplo, é possível citar os debates recentes quanto à modelagem do projeto de concessão dos serviços no âmbito do município de Porto Alegre, que potencialmente passará a incluir não somente os serviços de abastecimento e esgotamento sanitário, como também a atividade de drenagem na área da concessão.
De forma geral, é esperado que – independentemente de prestação regionalizada ou individualizada – a modelagem dos projetos garanta, dentre outros fatores: a) repartição de riscos entre as partes; b) previsão das metas de universalização dos serviços; c) inclusão no objeto de permissão para que a concessionária possa auferir receitas acessórias/alternativas.
Outro debate pertinente diz respeito às modalidades de cobrança dos serviços. A legislação aplicável define a cobrança na forma de tributos, inclusive taxas (e.g. taxa específica, contribuição de melhoria ou preço público) ou, ainda, tarifas. De acordo com levantamento recente do Snis, em 2020 apenas 0,6% dos municípios afirmaram cobrar pelos serviços de Dmapu e, em contrapartida, outros 48% dos municípios informaram que os meios econômicos e financeiros para a realização dos serviços provem diretamente do orçamento geral do município. O mesmo estudo constatou que 1.927 municípios informaram valor de despesa superior ao valor da receita, sendo municípios deficitários, enquanto somente 318 municípios informaram ser superavitários (receitas oriundas dos serviços de Dmapu superiores às despesas).
O montante de investimentos na área também se demonstra com dados alarmantes, tendo o Snis identificado investimentos contratados na ordem de R$ 4,6 bilhões para projetos aprovados de Dmapu em 1.846 municípios (44,9% dos 4.107 participantes), enquanto 2.260 municípios (55,1% dos 4.107 participantes) declaram que não houve investimento algum nos últimos anos <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Há de se destacar, também, a intrínseca relação entre o esgotamento sanitário e as atividades de Dmapu, em especial a necessidade de planejamento integrado para redução da poluição hídrica. Historicamente, em diversas regiões do país, as águas pluviais são misturadas aos esgotos sanitários, fato que ensejou o debate acerca dos sistemas de separadores unitário e absoluto <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Ainda que o novo Marco tenha previsto a necessidade de substituição dos separadores, até o momento não há clareza quanto à competência e responsabilidade dos operadores e entes titulares, ponto que deverá ser expressamente detalhado em projetos futuros. Sabe-se que caberá a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>) a edição de normas e metas referentes à substituição do sistema unitário pelo absoluto, contudo, espera-se que enquanto não houver a transição integral, sejam adotadas outras medidas como reservatório de primeira chuva, captações em tempo seco e modernização das ETEs.
O investimento total previsto nos próximos 12 anos para que o país atinja a universalização dos serviços de saneamento é de R$ 753 bilhões. Nessa linha, é fundamental a maturação das formas de obtenção de financiamento pelos operadores dos serviços. Isto é, não só diferentes modelagens podem (e devem) ser pensadas para as atividades que compõem o setor, como também é o momento de refletir sobre aprimoramentos no que tange à obtenção de recursos.
Dentre as principais novidades, merece destaque a possível aprovação do <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-2646-2020">PL 2646/2020</a>, o qual dispõe sobre a emissão debêntures de infraestrutura por concessionárias, SPEs, permissionárias e autorizatárias, bem como altera normas relativas aos Fundos de Investimento em Participações de Infraestrutura (FIP-IE). Ainda, segue em tramitação o <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pls-1-2018">PLS 1/2018</a>, que tem como objetivo a criação do chamado Certificado de Recebíveis de Saneamento (CRS), consistindo em título de crédito de livre negociação, inclusive, perante bolsas de valores e de mercadorias e futuros.
Para além dos obstáculos detalhados acima e daqueles associados ao crescimento da urbanização e do desmatamento, o aperfeiçoamento dos serviços de Dmapu perpassa a necessidade de incentivo à utilização de novas tecnologias de reaproveitamento/armazenamento de águas pluviais, bem como a adequação de fontes de custeio que assegurem a sustentabilidade financeira, aliadas às políticas públicas de longo prazo.
A verdade é que os serviços de drenagem e manejo das águas pluviais são essenciais para evitar e abrandar impactos sociais, ambientais, humanos e econômicos resultantes de eventos hidrológicos, isto é, inundações e alagamentos que ocorrem em áreas urbanas. Portanto, é inequívoco que a entrada de players privados – em projetos bem modelados e sustentáveis – pode trazer benefícios aos entes titulares e à população, tendo em vista as inúmeras externalidades positivas atinentes ao aprimoramento do planejamento das atividades de Dmapu.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Conforme artigo 3º, I, “d” da Lei nº 11.445/2007, como alterada pela Lei nº 14.026/2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento). Ministério do Desenvolvimento Regional Secretaria Nacional de Saneamento - SNS. Diagnóstico Temático - Drenagem e Manejo das Águas Pluviais Urbanas: Gestão Administrativa e Financeira - ano de referência 2020. Snis, 2 mar. 2022. Disponível em: &lt;<a href="http://www.snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ap/2020/DIAGNOSTICO_TEMATICO_GESTAO_ADMINISTRATIVA_FINANCEIRA_AP_Snis_2021.pdf">http://www.snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ap/2020/DIAGNOSTICO_TEMATICO_GESTAO_ADMINISTRATIVA_FINANCEIRA_AP_Snis_2021.pdf</a>&gt;. Acesso em: 22 mar. 2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O Snis-AP classifica os tipos de sistemas de Dmapu em três  diferentes  categorias:  o  exclusivo  para  drenagem  de águas pluviais (separador absoluto), o unitário (misto com esgotamento sanitário) e o combinado. O primeiro é formado por estruturas que escoam, exclusivamente, águas pluviais. O segundo transporta águas pluviais e cargas de esgotos urbanos. O sistema combinado, por sua vez, é caracterizado quando há uma combinação dos dois tipos de sistemas (exclusivo e unitário), onde cada tipo de configuração predomina em algum trecho da rede.

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