Frederico Rios Paula

Flávia Corrêa Azeredo de Freitas

O termo vantajosidade é um neologismo amplamente utilizado no Direito Administrativo, tanto pela doutrina<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> quanto nas decisões do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">Tribunal de Contas da União (TCU)</a>, encontrando-se previsto em atos normativos do Poder Executivo. Esse termo está relacionado ao objetivo de assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso, bem como aos princípios da eficiência e da economicidade da Administração Pública.
O paradigmático Acórdão 2121/2017 do TCU traz perspectiva atualizada da vantajosidade no contexto da atuação consensual no processo administrativo sancionador. Nele, o TCU entendeu que a vantajosidade do acordo e o alcance de seus objetivos “depende de que os termos negociados, o acompanhamento, a fiscalização e o processo sancionatório sejam condizentes com o interesse público, se coadunem com os normativos vigentes, além de serem efetivos e tempestivos”. Assim, os benefícios da obrigação de investimento assumida pelo particular em substituição à penalidade pecuniária devem superar aqueles decorrentes do uso dos valores provenientes das multas pela Administração Pública. Essa é a principal concepção da vantajosidade que interessa, por exemplo, aos acordos substitutivos de multa.
No âmbito da <a href="https://jota.info/tudo-sobre/agu">Advocacia-Geral da União (AGU)</a>, a Portaria 498, de 15 de setembro de 2020, da Procuradoria-Geral Federal (PGF), define (art. 2°, § 2°) a vantajosidade como uma “posição de vantagem econômica (economicidade) e jurídica, em relação ao provável desfecho da demanda judicial”. Essa lógica pode ser aplicada tanto à situação contenciosa administrativa quanto à judicial.
Ato normativo semelhante, a Portaria 11, de 8 de junho de 2020, da Procuradoria-Geral da União (PGU), estabelece que a negociação em busca do acordo “pressupõe a obtenção de benefícios mútuos para os envolvidos” (art. 1°, § 1°). Adotando o termo economicidade no lugar de vantajosidade (art. 9°) , a norma a configura quando: I – o acordo resultar em redução no valor estimado do pedido ou da condenação; II – o acordo resultar em condições de pagamento mais benéficas; III – o acordo resultar na transferência do ônus de pagamento ou de cumprimento de obrigação para outra parte ou interessado; IV –  o custo do prosseguimento do processo judicial for superior ao de seu encerramento; V – a obrigação de fazer puder ser cumprida da forma mais favorável à União; ou VI – houver interesse social na solução célere da controvérsia.
A vantajosidade, como parâmetro do acordo, pode ser enquadrada em diferentes vertentes para além daquela matematicamente aferível, assumindo, dentre outras, dimensão social, jurídica ou processual. A sua caracterização é fluida e contextual, sendo objeto de modificação no tempo. Não há como ser concebida de maneira prévia e abstrata, sem levar em consideração a avaliação concreta de cada caso, isto é, sem conexão com a realidade fática subjacente ao acordo, como, por exemplo, a jurisprudência, o impacto econômico e socioambiental que o conflito acarreta, a urgência por uma solução mais célere e as condições particulares de quem negocia com a Administração Pública.
A faceta social da vantajosidade exige ampliar o campo de visão no exercício da consensualidade, considerando interesses, direitos fundamentais e deveres a serem respeitados e promovidos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Pode também ser concebida como uma vantajosidade que extrapola o caráter subjetivo da controvérsia, isto é, os interesses imediatos das partes. É o caso, por exemplo, do acordo substitutivo de multa, quando a vantajosidade aferida ultrapassa a finalidade meramente patrimonial ou arrecadatória da Administração Pública e de desembolso financeiro para quitação do valor pecuniário da penalidade pelo particular.
No acordo substituto da multa, como visto, o Estado ajusta com o particular a substituição do pagamento da multa pelo cumprimento de outra obrigação, normalmente de fazer ou de dar<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, após ponderar os benefícios e custos das opções de adimplemento possíveis. Nesse agir, não apenas benefícios patrimoniais devem ser considerados, sendo recomendada uma análise ampla e multifatorial, ponderando, inclusive, benefícios sociais diretos e indiretos que de uma e outra opção poderiam advir para, ao final, justificar que aquela eleita pelo administrador é a que melhor atendará o interesse público no caso concreto.
Do ponto de vista jurídico, a vantajosidade decorre, em certa medida, da necessidade de eliminar irregularidade, incerteza jurídica e situação contenciosa na aplicação do direito público, relacionando-se com o art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm">Decreto-Lei 4.657/1946</a>), incluído pela Lei 13.655/2018. O intuito é o de conferir maior segurança jurídica e evitar os riscos e indefinições próprios de discussões judiciais.
A vantajosidade processual, por sua vez, está ligada ao exame da probabilidade de êxito das teses defendidas pelas partes. É um indicador de risco processual, seja em casos judicializados ou com potencial de judicialização.
A transversalidade das questões relacionadas ao meio ambiente também influencia esta temática. É possível considerar uma perspectiva socioambiental da vantajosidade do acordo em proveito da tutela direta ou indireta do meio ambiente ecologicamente equilibrado, voltada à implementação de políticas públicas. Igualmente, a justiça climática pode ser concebida como um vetor de vantajosidade nos acordos administrativos, que conclama a responsabilidade do Estado com a pauta ambiental, buscando eliminar as mais variadas espécies de vulnerabilidades sociais que fomentam as desigualdades e injustiças existentes no país.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
A título de referência, dois relevantes acordos celebrados na esfera federal, em diferentes perspectivas, demonstram manifesta vantajosidade socioambiental. Primeiro, o acordo substitutivo entre Ibama e Vale, homologado, em agosto de 2022, nos autos do processo judicial 1030458-63.2020.4.01.3800 pelo Tribunal Federal Regional da 1ª Região (TRF1). Trata da substituição da multa de 250 milhões de reais, aplicada pelo Ibama, relacionada ao desastre de Brumadinho, por investimentos em valor correspondente para viabilizar o fortalecimento de Parques Nacionais no estado de Minas Gerais e projetos relacionados aos temas de saneamento básico, resíduos sólidos e áreas verdes urbanas.
Outro é o acordo entre União, ICMBio e o estado de Pernambuco homologado, em março de 2023, nos autos da Ação Cível Originária (ACO) 3568 por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que prevê a gestão compartilhada de Fernando de Noronha. Além de pacificar um conflito federativo de grande repercussão entre os entes federal e estadual, promove a gestão integrada das unidades de conservação que afetam o arquipélago e a cooperação em favor da proteção da biodiversidade, do uso sustentável dos recursos naturais, do adequado ordenamento do uso do solo e do planejamento territorial.
Tanto as normas citadas que definem a vantajosidade ou economicidade no âmbito dos acordos administrativos, quanto os referidos exemplos de acordos firmados pela Administração Pública Federal reforçam a relação direta do requisito da vantajosidade com a análise econômica do direito.
A aferição da vantajosidade impõe análise de custos e benefícios, considerando o contexto fático do caso. E custos e benefícios, como dito, não devem ser considerados apenas sob o aspecto monetário. Há custos e benefícios que, embora não possuam direta conotação financeira, são capazes de ser valorados e equacionados sob a ótica racional<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Podemos citar como exemplo, o custo da movimentação da máquina administrativa para alocação de recursos advindos do pagamento de multas e os benefícios do meio ambiente equilibrado e da paz social obtida pela composição entre entes federativos.
É justamente essa equação a exigida pelo TCU quando impõe à Administração Pública, no Acórdão 2121/2017, ponderar os benefícios do investimento direto pelo particular frente aos custos que a Administração teria com a aplicação dos valores provenientes da multa.
Portanto, é preciso alargar o espectro da vantajosidade, enquanto requisito inafastável de um acordo administrativo, bem como de sua análise, de modo que seja concebida e enxergada em diferentes vertentes, inclusive a socioambiental, em uma leitura adequada e contemporânea à luz da Análise Econômica do Direito. A obtenção de benefícios não deve se restringir necessariamente aos aspectos monetários relacionados aos envolvidos, mas buscar ser maximizada à coletividade, sobretudo aqueles vulnerabilizados, e pensada para as presentes e futuras gerações.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 61.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> PARANAGUÁ, Ana Claudia.; FREITAS, Flávia Corrêa Azeredo de. Acordo administrativo eficiente: análise multilateral do requisito da vantajosidade. Revista Eletrônica da OAB/RJ, v. 1, n. 4. jul./dez. 2021, p. 17-18.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Palma, Juliana Bonacorsi de. A Obrigação de Dar nos Acordos Substitutivos de Sanção. In: EIDT, Elisa et al. (Org.). Consensualidade na Administração Pública. 1. ed. Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre; Escola Superior de Direito Municipal, p.83-99, 2022, v. 1.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Pereira. Diego. Litigância climática: como solucionar conflitos por meio da justiça climática? Revista da AGU, v. 21, n. 3, jun. 2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O modelo clássico da escolha racional desenvolveu-se no pressuposto da obtenção do resultado que maior utilidade e bem-estar trouxessem ao indivíduo ou agente econômico e, para tanto, à luz da avaliação racional entre custo e benefício (GICO JR, Ivo. Introdução ao Direito e Economia. In: TIMM, Luciano Benetti (coord.) Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Editora Foco, 2019.)

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JOTA

Transversalidade das questões relacionadas à justiça climática também influencia na consensualidade

A vantajosidade socioambiental nos acordos administrativos

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