Pandemia

A utopia da reforma Tributária e alternativas para enfrentamento da crise

Há uma luta aberta pelo protagonismo na aprovação do projeto que leve à modernização de nosso arcaico sistema

STJ: correção monetária de rendimento em aplicação financeira é tributável
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Em meio à crise sanitária e econômica provocada pela Covid-19, notícias dando conta do interesse na retomada de negociações entre Legislativo e Executivo com vistas à reforma tributária voltam a ser destaque na mídia.

O grave desequilíbrio das contas públicas demonstra que o ajuste na atual política tributária é urgente, seja em razão dos custos com o alívio concedido às empresas que sofreram elevadas perdas de faturamento desde o início da pandemia, com a transferência de recursos a estados e municípios e aos trabalhadores informais, seja ainda do esgotamento dos meios à disposição do Executivo e do Banco Central do Brasil para o enfrentamento de quadro tão adverso.

Que a reforma constitucional tributária é necessária, não resta dúvida. Há, contudo, diversos fatores que impedem a sua implementação no tempo e na profundidade desejados.

O primeiro diz respeito à eterna questão política, que exige um consenso mínimo entre os entes tributantes para que qualquer proposta possa vingar.

Estados e município reclamam, com certa razão, da excessiva centralização das receitas tributárias na União. Receiam que essa concentração possa aumentar com a reforma e a consequente unificação de impostos, e resistem como podem, a qualquer alternativa que ponha em risco os níveis de arrecadação verificados antes da atual crise, exigindo da União a estipulação de salvaguardas, a serem executadas se as previsões não se concretizarem.

O principal desafio do Congresso, no qual são debatidas propostas distintas nas duas casas – revelando a inexistência de consenso mesmo dentro de um mesmo poder – é convencer governadores e prefeitos a abrir mão da relativa autonomia de que hoje desfrutam, em troca de um sistema mais simples, funcional e sobretudo compreensível pela sociedade.

Em boa medida, essa resistência adquire contornos políticos, já que o eventual triunfo em eventual empreitada será sempre motivo para capitalização de prestígio por aquele que conseguir introduzir uma reforma de largo espectro e rápido efeito, desagradando as oposições.

Em poucas palavras, há uma luta aberta pelo protagonismo na aprovação do projeto que leve à modernização de nosso arcaico sistema, tornando ainda mais complexo um quadro já complicado.

Mesmo que superado esse obstáculo, o prazo previsto para implementação do novo ordenamento seria de cinco anos, chegando a cinquenta no caso da partilha de recursos entre os entes tributantes. Esses termos mostram-se excessivamente longos, podendo ainda sofrer prorrogações se o resultado esperado não se confirmar no tempo previsto.

O país não pode esperar pelo trâmite longo e imprevisível dessas discussões. Governos, empresas e cidadãos reclamam por medidas que apontem soluções efetivas no curto prazo, a serem discutidas desde logo com a sociedade, sobretudo em face do princípio da anterioridade, que exige a publicação da lei instituidora de novos tributos ou seu aumento antes do término do exercício corrente, que já se aproxima, e que não espera.

Defendemos a apresentação de uma proposta emergencial que não recaia apenas sobre os rendimentos do trabalho, e ao mesmo tempo assegure aos entes federados recursos para enfrentar as turbulências dos novos tempos, evitando o desequilíbrio das contas públicas e a volta da indesejada inflação.

Essa proposta contemplaria, de um lado, a eliminação ou redução de benefícios fiscais que hoje afetam substancialmente a situação de caixa dos governos em geral.

Incentivos regionais relacionados à Zona Franca de Manaus e aqueles voltados ao  norte e nordeste (Sudene e Sudam) deveriam ser revistos à luz dos benefícios que efetivamente proporcionem àquelas regiões.

Isenções tributárias previstas para instrumentos financeiros, introduzidas com pouca ou nenhuma contrapartida social ou econômica – a exemplo dos certificados de recebíveis imobiliários, das debêntures incentivadas e dos certificados de recebíveis do agronegócio, que concorrem com papéis públicos e privados sujeitos à tributação – deveriam ser eliminadas, respeitando-se o direito adquirido pelos investidores que tenham optado por essa modalidade de aplicação antes da vigência da norma que venha a aboli-los.

Uma importante medida destinada a evitar demissões, tão reclamada pelo setor de serviços, refere-se à possibilidade de crédito das despesas com mão de obra – seja ela própria ou terceirizada – na base de cálculo do PIS e da Cofins, ainda que para isso seja necessário recalibrar as alíquotas dessas contribuições, cuja unificação foi tantas vezes anunciada, mas nunca efetivada.

A revisão do Imposto Territorial Rural (ITR), que hoje representa fatia inexpressiva do total de impostos federais arrecadados, mostra-se igualmente oportuna, sobretudo se considerado o expressivo retorno proporcionado pelos investimentos no segmento do agronegócio.

Enfim, o que não falta são ideias factíveis e promissoras voltadas à modernização e aperfeiçoamento do atual sistema tributário. Resta discuti-las e implementá-las rapidamente, até que a reforma constitucional do sistema tributário se torne, afinal, uma realidade, e não apenas uma utopia.