Marina Magalhães Mesquita

Marcelo de Azevedo Granato

<p>Uma consequência normalmente ignorada pelos casais que têm filhos e se separam é que seus filhos podem virar contribuintes do imposto de renda. É o que decorre de disposições como as dos artigos 3º, § 1º, da lei 7713/88, e 4º do decreto 9580/18, segundo as quais aquele imposto incide sobre a pensão alimentícia recebida por filhos que não têm condições de se manter (1.694 e 1.695 do Código Civil).</p>
<p>Tal incidência, além de confundir e desagradar os ex-cônjuges (em meio ou recém-saídos de um processo de separação), prejudica particularmente o filho alimentado, já que a tributação reduz, significativamente, a soma originalmente atribuída a ele.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Isso não se justifica por mais de um motivo. Primeiro, porque enquanto os cônjuges cumpriam, sob o mesmo teto, os deveres de sustento, guarda e educação dos filhos, previstos no artigo 1.566, IV, do Código Civil, os filhos estavam desobrigados a recolher o imposto de renda em face desses gastos dos pais.</p>
<p>Porém, se a união não se sustenta e um dos cônjuges passa a pagar pensão ao filho (em valor superior à parcela isenta do imposto), o filho se torna obrigado ao pagamento do imposto em face do dinheiro destinado a ele para cobertura daqueles mesmos gastos.</p>
<p>Um dos efeitos dessa inexplicável distinção na cobrança do imposto é a opção dos pais pela realização de pagamentos diretos (do boleto da escola, do plano de saúde), que, ao contrário do valor em dinheiro, não se submetem ao imposto de renda. Opção forçada pelas regras tributárias, mas nem sempre desejada pelos envolvidos, inclusive pela eventual dificuldade em gerenciar as diferentes formas de pagamento da pensão.</p>
<p>De um ponto de vista estritamente jurídico, a incidência do imposto de renda também não se justifica. Essa incidência condiciona-se a que o filho aufira “renda” ou “proventos de qualquer natureza” (artigo 43 do Código Tributário Nacional). Isso porque tanto a renda quanto os proventos constituem, conforme o citado artigo, “acréscimos patrimoniais” experimentados pelo obrigado ao pagamento do imposto.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Mas qual seria o “acréscimo patrimonial” experimentado pelo filho pensionado?</p></blockquote>
<p>Os alimentos, diz o artigo 1.694 do Código Civil, “devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante”. Ou seja, a pensão serve ao atendimento de necessidades primaciais ou manutenção do padrão de vida, não ao incremento de patrimônio do filho.</p>
<p>Antes ou depois da separação dos pais, ele tem direito a receber deles seu sustento, educação etc. O fato de, com a separação, esses bens virem não mais “de dentro” de casa, como despesas comuns suportadas por uma única renda familiar, mas de fora dela, uma vez que, na maioria dos casos, o genitor alimentante é aquele que deixa a residência comum, não faz com que a importância paga se torne riqueza nova do filho, a caracterizar o acréscimo patrimonial de que fala o artigo 43 acima.</p>
<p>A pensão alimentícia apenas substitui os recursos que lhe beneficiavam diretamente enquanto o genitor alimentante residia com ele, sendo irrelevante que esse dinheiro agora “passe” pelo filho antes de se materializar em seu sustento, educação etc.</p>
<p>Afinal, trata-se do mesmo dinheiro que, antes da separação, destinava-se a prover o sustento desse mesmo filho (o que, diga-se de passagem, põe em questão a autorização legal para dedução, no imposto de renda do alimentante, da quantia paga).</p>
<p>Nesse cenário, como afirmar a capacidade contributiva do alimentado (artigo 145, § 1º, da Constituição), isto é, sua aptidão para satisfazer suas necessidades básicas e ainda contribuir com as despesas do Estado?</p>
<p>Finalmente, cabe lembrar que o recurso destinado ao filho pelo alimentante já se submetera ao imposto de renda enquanto ganho deste último. Assim, não há por que ser novamente gravado na pessoa do filho.</p>
<p>Por esses motivos, espera-se que seja bem sucedida a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5422, movida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família contra a exigência do imposto de renda em hipóteses como a presente. Recentemente, o ministro Dias Toffoli votou pela invalidade dessa exigência.</p>
<p>A confirmação da inexigibilidade do imposto de renda colocará o direito tributário em linha com o direito de família, que, através da lei 5478/68, confere celeridade ao processo de alimentos, visando salvaguardar os interesses dos filhos carentes de sustento ante o desfazimento do vínculo conjugal dos pais.</p>
<p>A confirmação da inexigibilidade do imposto encontrará também o artigo 227 da Constituição, que prevê o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade”, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer.</p>
<p>A incidência do imposto de renda sobre a pensão alimentícia, ao onerar justamente os sujeitos visados pelo artigo 227, é medida desconcertantemente oposta ao desiderato constitucional.</p>
<hr />
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JOTA

Confirmação da inexigibilidade do imposto de renda colocará direito tributário em linha com o direito de família

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