Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

No dia 11 de setembro de 2014, após exaustivo debate que se arrastou por quase três anos, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do tema 297 da Repercussão Geral. O referido tema 297 tratava em debater no Recurso Extraordinário n. 540.829 a possibilidade de incidência de ICMS nas importações de bens e mercadorias por meio de arrendamento mercantil; sendo que, à maioria de votos, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Teori Zavascki, a Corte decidiu, em apertada síntese, não incidir o ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de compra, quando configurada a transferência da titularidade do bem. E mais, em não havendo a aquisição de mercadoria, mas mera posse decorrente do arrendamento, não se pode cogitar de circulação econômica, com designação de relatoria da posição majoritária vencedora ao Ministro Luiz Fux.
A decisão em comento teve e tem reflexos importantes em segmentos da economia nacional, como o aeroportuário e o de óleo e gás.
Ocorre que, no dia 30 de setembro de 2015, o Senado Federal, à unanimidade, aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 107, de 2015, sendo que a mesma tem por escopo alterar "a alínea "a" do inciso IX do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, para dispor que incide o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação na entrada de bem proveniente do exterior, ainda que a importação seja relativa à operação de arrendamento mercantil com ou sem possibilidade de transferência ulterior de propriedade."
Nota-se de pronto que a PEC em questão vai de encontro ao quanto já decidido em Repercussão Geral e pelo Pleno da Corte Suprema.
O Supremo Tribunal Federal, majoritariamente assentado em voto proferido em exame anterior pela Corte e da lavra do Ministro Eros Grau, pôs término ao assunto adotando os seguintes fundamentos jurídicos:
"10.O imposto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias.
11.Digo-o em outros termos: o inciso IX, alínea a, do § 2º do artigo 155 da Constituição do Brasil não instituiu um imposto sobre a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica.
12.O que faz é simplesmente estabelecer que, desde que atinente a operação relativa a sua circulação, a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica sofrerá a incidência do ICMS.
13.Daí porque o tributo não incide sobre a importação de aeronaves, equipamentos e peças mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) a que respeita o recurso extraordinário.
14.E nem se alegue que se aplica ao caso o precedente do RE n. 206.069, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, no bojo do qual se verificava a circulação mercantil, pressuposto da incidência do ICMS.
Nesse caso, aliás, acompanhei a relatora. Mas o precedente disse com a importação de equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária, como salientou a eminente relatora."
Já o Senado Federal, em uma única sessão plenária, à unanimidade, aprovou aquela Proposta de Emenda à Constituição n. 107/2015, levando em conta parecer do senador Lindbergh Farias (Bloco Apoio Governo/PT RJ) apresentado no mesmo dia e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que, em resumo, sustentou o seguinte como razões para aprovação da PEC:
(i) em reunião próxima a se realizar no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), a PEC deverá receber o apoio daquele  Conselho;
(ii) a importância da aprovação da PEC reside em necessária contraposição à decisão do Supremo no RE 540829;
(iii) a aprovação da PEC se faz necessária para promover a ampliação da base de incidência do ICMS e, consequentemente, aumentar a arrecadação dos estados da federação;
(iv) a decisão do STF não está imune a críticas, pois a redação dada pela Emenda Constitucional n. 33/2001 é elástica;
(v) o Congresso não está impedido de debater o tema e de promover alteração ao Texto Constitucional, para atingir resultado mais favorável sob os aspectos sociais (aumento das receitas tributárias dos estados para o financiamento da prestação de serviços públicos) e econômicos (permissão para a tributação de operações de valor impactante, não prejudicando os agentes econômicos internos); e
(vi) não usurpação de competência da União, pois que poderá haver continuidade na exigência do Imposto de Importação.
Em um regime democrático deve vigorar um sistema de pesos e contrapesos, em especial na relação entre os Poderes.
Preocupa-nos o fato de que esse pêndulo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> tenda a se desestabilizar em momentos de crise e com o objetivo de "fazer caixa" para contas deficitárias estaduais, sem  a verificação de um maior debate sobre o impacto nos setores da economia que serão atingidos pelo aumento da carga tributária, o alcance dos entes federativos beneficiados e, mais, pela efetiva contraprestação que essa tributação gerará em benefício da sociedade. O combate àquilo que se utilizou denominar  guerra fiscal não pode ser supostamente resolvido com estranha simplicidade, face a sua notória complexidade sistêmica.
Imperioso é destacar que o Judiciário vez ou outra é acusado de interferir em assuntos que supostamente não seriam de sua alçada/competência constitucional. Não é bem assim!  O Supremo Tribunal Federal, em especial, avança em temas onde se verifica não só a necessidade de se declarar a constitucionalidade ou não de uma norma, mas, também, quando se depara na hipótese concreta com uma omissão legislativa que se faz necessária suprir.
Em um sistema constitucional que reverencia a supremacia constitucional entendemos que não poderia um dos Poderes interferir nas funções do outro. A esse propósito, a Corte tem posição firme e clara no sentido de que não há de se duvidar do papel exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, pois "Partir da suposição contrária significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado." (MS 32033/DF, eletronicamente autenticado sob n. 4204175).
Aliás, em conclusão, empregamos como alerta dirigido ao Poder Legislativo as lições de Léon Duguit no sentido de que "o legislador está encarregado de formular o direito e de assegurar a sanção, difícil é admitir como poderá o próprio legislador organizar contra si mesmo um sistema destinado a reprimir as violações  do direito comprometidas por ele".<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Esperamos que a Câmara dos Deputados esgote o tema em sua completude -como Casa revisora da PEC que o é - para, ato contínuo, decidir pela reprovação daquela Proposta.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego / Werner Jaeger; tradução Arthur M. Parreira; [adaptação do texto para a edição brasileira Monica Stahel; revisão do texto grego Gilson César Cardoso de Souza]. – 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2001. – (Paidéia)
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> DUGUIT, Léon. Manual de derecho constitucional. Madrid: Francisco Beltran, 1921. p. 280; FERRARI, Regina Maria Macedo Bery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade - 5 ed.  ver., atual.  e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 79.

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