César Chinaglia Meneses

Diego Diniz Ribeiro

Chegamos, hoje, ao último artigo da série sobre a possibilidade (ou não) de conversão do seguro-garantia em depósito judicial após a prolação de sentença de improcedência em ações antiexacionais, procedimento que se convencionou chamar de “liquidação antecipada do seguro-garantia”[1].  
Nesta oportunidade, abordaremos a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9703.htm">Lei 9.703/1998</a>, diploma que dispõe sobre os depósitos judiciais de tributos e contribuições federais e, em seu artigo 1º, §2º, estabelece que tais valores serão repassados pela Caixa Econômica Federal à Conta Única do Tesouro Nacional. 
Segundo a Fazenda Nacional, a liquidação antecipada do seguro se justificaria pelo fato de que os valores depositados judicialmente pela seguradora ou pelo contribuinte, uma vez repassados à Conta Única do Tesouro Nacional, podem ser utilizados imediatamente pela União. 
Portanto, ainda que os valores depositados não possam ser convertidos em renda antes do trânsito em julgado (artigo 32, §2º, da Lei de Execuções Fiscais), a liquidação antecipada do seguro traria evidente benefício econômico à União. 
Tal argumento não pode justificar, porém, a liquidação antecipada do seguro-garantia. E essa conclusão decorre da própria Lei 9.703/1998. 
Conforme se depreende do artigo 1º da Lei 9.703/1998, tal legislação trata exclusivamente dos “depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), específico para essa finalidade”. 
Ora, não há dúvidas de que, uma vez efetuado o espontâneo depósito judicial pelo contribuinte, tais valores serão repassados à Conta Única do Tesouro Nacional, podendo a União utilizar esses montantes para fins orçamentários. 
Ocorre que, se o contribuinte não optou pelo depósito judicial, não pode o fisco requerer a liquidação do seguro para os fins previstos na Lei nº 9.703/1998. A bem da verdade, se nunca houve depósito judicial realizado pelo contribuinte, é descabida a transformação do seguro em depósito apenas para que a União possa utilizar o dinheiro de forma antecipada.  
Ao fim e ao cabo, entendemos que a Lei nº 9.703/1998 se aplica tão somente aos depósitos judiciais propriamente ditos.  
Ademais, no âmbito do Direito Financeiro, os valores depositados pelos contribuintes ingressam nos caixas públicos em caráter provisório – os chamados “simples ingressos” –, à medida que sua destinação definitiva depende da solução da lide[2].  
A natureza provisória desse depósito mostra-se naturalmente incompatível com o artigo 19, II, da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-execucoes-fiscais">Lei de Execuções Fiscais</a> (LEF), que prevê que as garantias fidejussórias prestadas por terceiros (como é o caso do seguro) só poderão ser liquidadas para fins de “pagamento”, o que, por sua vez, pressupõe definitividade, haja vista tratar-se de causa de extinção e não de suspensão do crédito tributário. 
Vale lembrar que o artigo 1º, §3º, II, da Lei nº 9.703/1998 utiliza a expressão “pagamento” apenas em caráter “definitivo”, e sempre “após o encerramento da lide ou do processo litigioso”. 
Todos os pontos mencionados nos parecem suficientes para afastar o pretenso suporte que a Lei nº 9.703/1998 daria para a “liquidação antecipada” do seguro-garantia. 
Frisamos, por fim, que esta série de artigos não pretendeu esgotar as discussões sobre o tema. O objetivo dos autores foi (e é) comentar as principais frentes argumentativas adotadas pelo fisco federal para fundamentar os pedidos de liquidação antecipada de seguro-garantia e que podem ser assim resumidos: 
<ul>
<li data-leveltext="" data-font="Symbol" data-listid="5" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:1,&quot;335559684&quot;:-2,&quot;335559685&quot;:1854,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769226&quot;:&quot;Symbol&quot;,&quot;469769242&quot;:[8226],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="1" data-aria-level="1">o equívoco quanto à interpretação dada pelo fisco em relação ao disposto no artigo 19, II, da LEF, à medida que indevidamente equipara depósito a pagamento; </li>
<li data-leveltext="" data-font="Symbol" data-listid="5" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:1,&quot;335559684&quot;:-2,&quot;335559685&quot;:1854,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769226&quot;:&quot;Symbol&quot;,&quot;469769242&quot;:[8226],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="2" data-aria-level="1">a perspectiva defendida pela Fazenda Pública ofende a ideia de legalidade, uma vez contraposta aos artigos 9º, §3º, 15, I, 19, II e 32, §2º, todos da LEF, além de conflitar com disposições regulamentares do seguro, haja vista o disposto no artigo 36, “c”, do Decreto-lei nº 73/1966, c.c o artigo 21, I, da Circular SUSEP nº 662/2022; </li>
<li data-leveltext="" data-font="Symbol" data-listid="5" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:1,&quot;335559684&quot;:-2,&quot;335559685&quot;:1854,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769226&quot;:&quot;Symbol&quot;,&quot;469769242&quot;:[8226],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="3" data-aria-level="1">a inaplicabilidade da súmula 317 do STJ, uma vez que os precedentes que lhe deram origem não apresentam similitude fática com a situação abordada nos artigos aqui publicados; e, por fim, </li>
<li data-leveltext="" data-font="Symbol" data-listid="5" data-list-defn-props="{&quot;335552541&quot;:1,&quot;335559684&quot;:-2,&quot;335559685&quot;:1854,&quot;335559991&quot;:360,&quot;469769226&quot;:&quot;Symbol&quot;,&quot;469769242&quot;:[8226],&quot;469777803&quot;:&quot;left&quot;,&quot;469777804&quot;:&quot;&quot;,&quot;469777815&quot;:&quot;hybridMultilevel&quot;}" aria-setsize="-1" data-aria-posinset="4" data-aria-level="1">a circunstância de o artigo 1º da Lei 9.703/1998 operar em um ambiente marcado pelo estado de incerteza de uma decisão pendente de julgamento definitivo. </li>
</ul>
Muitos outros pontos relevantes podem e devem ser explorados por todas as partes envolvidas, cabendo ao fisco, aos contribuintes e ao Poder Judiciário continuar discutindo o assunto, de modo a evitar que a liquidação antecipada do seguro inviabilize a utilização dessa modalidade de garantia tão importante atualmente.
<hr />
[1] Os demais textos da série podem ser acessados aqui: <a class="Hyperlink SCXW58492130 BCX0" href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-antecipada-do-seguro-garantia-uma-primeira-analise-critica-30082022" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-antecipada-do-seguro-garantia-uma-primeira-analise-critica-30082022</a>; <a class="Hyperlink SCXW58492130 BCX0" href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-do-seguro-garantia-independentemente-do-transito-em-julgado-13092022" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-liquidacao-do-seguro-garantia-independentemente-do-transito-em-julgado-13092022</a>; <a class="Hyperlink SCXW58492130 BCX0" href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sumula-317-do-stj-e-liquidacao-antecipada-de-seguro-garantia-em-execucao-fiscal-27092022" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sumula-317-do-stj-e-liquidacao-antecipada-de-seguro-garantia-em-execucao-fiscal-27092022</a>  
[2] PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro. 6ª ed. São Paulo: Método, 2018. p. 95.

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JOTA

A liquidação antecipada do seguro-garantia e os depósitos judiciais de tributos pela Lei 9.703/1998

A transferência de depósitos judiciais à Conta Única do Tesouro Nacional

Liquidação antecipada do seguro-garantia: entendemos que a Lei 9.703/1998 se aplica tão somente aos depósitos judiciais propriamente ditos