Sergio L. B. F. Reis

O debate acerca da cobrança de bagagens transportadas em voos comerciais já existe há um tempo no Brasil, cabendo menção a dois artigos publicados anteriormente no JOTA: <a href="https://www.jota.info/stf/supra/cobranca-por-bagagem-o-que-diz-o-direito-24032017">“Cobrança por bagagem: o que diz o Direito?”</a>, do dr. Eduardo Jordão, e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-nao-fatiamento-dos-servicos-aereos-como-concretizacao-do-interesse-publico-11062019">“O não fatiamento dos serviços aéreos como concretização do interesse público”</a>, do dr. Rafael Netto Arruda, sem prejuízo de outros artigos e matérias sobre o tema. Tais textos, com visões e enfoques distintos, servem para demonstrar a complexidade e as diversas perspectivas envolvidas neste debate.
O debate é anterior até mesmo à <a href="https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016">Resolução Anac nº 400, de 2016</a>, que buscou equilibrar as relações entre empresas aéreas e consumidores com mecanismos de transparência e um rol mínimo de direitos dos passageiros. A resolução criou obrigações para o transportador e em muitas hipóteses normatizou princípios constantes em decisões judiciais e na jurisprudência em matéria consumerista, pacificando algumas questões.
Ao mesmo tempo, a resolução abriu espaço para a criação de serviços acessórios que seriam cobrados pelas empresas aéreas – alguns destes gozam de uma justificativa lógica razoável, outros não. Neste artigo, trago algumas reflexões em relação a custos, à construção do preço final da passagem aérea para o consumidor e questões afetas à relação entre a companhia aérea e o consumidor utilizando como referência alguns pontos da Teoria dos Jogos.
Observando o setor de transporte aéreo brasileiro, é importante notar que este possui características e aspectos sociais únicos, com uma pluralidade de perfil de consumidores, que incluem viagens por motivos profissionais e pessoais, passando pelo turismo, uma atividade cada vez mais importante para o país.  Cabe ainda destacar que o Brasil é um país complexo, com dimensões continentais e diferenças sociais significativas. Para muitos, o transporte aéreo é a única opção de transporte, cumprindo relevante função social.
Na perspectiva concorrencial, o mercado de transporte aéreo se caracteriza por ser dinâmico, ao mesmo tempo que possui significativas barreiras à entrada, tais como a necessidade de um grande aporte de capital para a entrada (custos dos aviões, marketing, infraestrutura etc.) e para a atuação nesse mercado (mão de obra qualificada, escala/volume de passageiros, combustível etc.), além de questões regulatórias como os requisitos para operação e também o acesso à slots em aeroportos saturados.
A rivalidade é intensa e gerir eficientemente uma companhia aérea não é óbvio, haja vista o número de empresas que entraram em <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/recuperacao-judicial">recuperação judicial</a> ou faliram nos últimos 20 anos, muitas das quais possuíam, e ainda possuem, muitos empregados e aviões de grande porte, além de um significativo market share do mercado.
Após essa visão geral do setor, cabe trazer alguns pontos relativos à formação de preços, algo complexo, em especial em um setor como o de transporte aéreo.  Como já observado, os custos de entrada e de manutenção de uma operação eficiente são altos, e além de questões internas da empresa, são influenciados por questões externas como a variação cambial, um ponto complexo considerando que as receitas são em reais, mas vários custos são em dólares ou euros.
Ademais, o cenário nacional e o internacional podem apresentar mudanças que influenciam no desenvolvimento da atividade – a alta do petróleo e a pandemia de Covid-19 são questões fora do controle dos agentes de mercado, mas que impactaram significativamente suas operações. Recentemente, tivemos o exemplo da companhia aérea ITA, associada ao grupo Itapemirim, que mesmo com uma marca forte e expertise no setor de transporte teve dificuldades para entrar e continuar operando no setor aéreo.
Trata-se, portanto, de um mercado com custos e operação complexas, o que em certa medida vai impactar na formação dos preços que serão ofertados ao consumidor. Os custos serão um dos componentes do preço, mas é preciso destacar que o preço também será influenciado por outros fatores, tais como o posicionamento dos concorrentes (tanto do setor aéreo como de outros modais substitutos), de estratégias de subsídios cruzados, favorecimento de certas rotas em relação a outras, otimização de assentos, alta e baixa temporada e demandas sazonais.
Entre as características do setor está presente também a discriminação de preços, que consiste na possibilidade de um mesmo produto ser comercializado por preços diversos para consumidores diferentes. Desta forma, o turista que tem maior sensibilidade a preços irá buscar um preço menor, aceitando viajar num horário menos atraente e comprando seu bilhete com mais antecedência, enquanto um executivo estará disposto a pagar um preço maior, desde que num horário mais conveniente e sem muita antecedência. A discriminação de preços deixa ainda mais complexa a formação de preços pelas empresas aéreas, assim como a aquisição de bilhetes pelos consumidores.
<h3>Teoria dos Jogos</h3>
De uma forma bastante objetiva, tem-se como uma definição da Teoria dos Jogos que esta é uma representação formal de uma situação onde um certo número de indivíduos interage num ambiente de dependência estratégica. Existem jogadores, as regras, os resultados e os payoffs. O jogo não é estático e é composto por diversas rodadas que ocorrem sucessivamente.
No setor aéreo, podem ser estabelecidos diversos recortes para a ideia de uma rodada, pode ser uma análise por rota, ou pela rede/malha de voos de um dia ou uma semana. O ponto é que existem diversas rodadas que são “jogadas” por cada empresa. Depois de um certo número de rodadas, alguns aspectos se tornam repetidos, uma empresa consegue prever com razoável precisão o percentual de passageiros que irão despachar bagagem, assim como o peso/volume, em um voo do aeroporto Santos Dumont para o aeroporto de Congonhas numa segunda-feira pela manhã. Em um voo entre Brasília e Recife numa quinta-feira da alta temporada, o volume de bagagens tende a ser maior pelo perfil dos passageiros em eventuais férias, e também pode ser previsto. As companhias aéreas têm essa informação de forma organizada, pois isso impacta no seu custo, por exemplo, a quantidade de querosene de aviação que será necessário, e também em suas eventuais receitas, como disponibilidade para transporte de carga aérea.
Dessa forma, consideradas as diversas rodadas do “jogo” as companhias já têm uma noção bastante clara do volume/peso de bagagens a ser despachado em cada voo, e ela se encontra preparada para atender esta demanda, este custo.
No entanto, como já observado, o preço vai além do custo, o preço será influenciado também pelo preço praticado por concorrentes e não só pelo custo.  Neste mercado, os preços são praticamente públicos, já que estão disponíveis nos sites das companhias e podem ser acessados e analisados a todo momento pelos seus concorrentes.
Portanto, a ideia de que um custo, como o de transporte de bagagens, pode impactar o preço de um bilhete é correta. O errado é entender que este será um fator predominante na determinação do preço.
Havia uma expectativa de que a cobrança das bagagens levaria a uma queda nos preços dos bilhetes, uma expectativa que foi frustrada para o consumidor na medida em que existem outros custos que oscilaram e cenários mercadológicos complexos, como, por exemplo, a diminuição de concorrentes e a concentração do mercado em três agentes principais, o que acabou por diminuir a oferta de voos em certas rotas e a pressão/rivalidade competitiva. Na perspectiva da empresa aérea, a comercialização de bagagem se tornou mais uma receita, o valor cobrado não possui parâmetros lógicos razoáveis posto que o despacho de uma bagagem de 5 kg em um voo de 40 minutos tem o mesmo valor que o de uma bagagem de 20 kg num voo entre Porto Alegre e Manaus.
Desta forma, entendo razoável uma atuação regulatória que busque equilibrar as expectativas e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/direito-do-consumidor">direitos do consumidor</a>, a função social do transporte aéreo e a atuação das empresas aéreas. A meu ver seria razoável que o bilhete aéreo incluísse o despacho de uma bagagem por passageiro, com um peso entre 15 ou 20 kg, a ser arbitrado pela agência reguladora. O custo dessa bagagem será compartilhado por todos os passageiros do voo, e em última instância da companhia aérea, dentro de uma lógica de custo, já observada nas rodadas do “jogo”.
Encontrar um ponto de equilíbrio num tema tão sensível para um país complexo como o Brasil, de dimensões continentais, diferenças sociais e que nos anos pré-pandemia teve avanços significativos no setor de transporte aéreo é de extrema importância, inclusive para que ele se recupere rapidamente e alavanque outras atividades que estão relacionadas ao seu desempenho. E espera-se que seja adotada uma visão equilibrada que não privilegie tão somente um elo dessa relação, mas que entenda e absorva também os interesses e expectativas dos consumidores e cidadãos, muitos dos quais dependem desta forma de transporte em suas vidas, direta e indiretamente.

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JOTA

É de extrema importância encontrar um ponto de equilíbrio num tema tão sensível

A Teoria dos Jogos e a cobrança de bagagens no transporte aéreo

É de extrema importância encontrar um ponto de equilíbrio num tema tão sensível como o da cobrança de bagagens no transporte aéreo