Camila Vertes Campos

Com fim de elucidar a utilização do propósito negocial pelo Carf, o presente artigo pretende atualizar como essa teoria foi desconsiderada em jurisprudência recente. A atual divergência, causada por julgado de novembro de 2022, ganha mais destaque quanto à aplicabilidade do propósito negocial nos julgamentos do Carf.
Primeiramente, cabe destacar que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais sempre entendeu que as operações de reestruturação societárias que conduzem a uma economia de tributos devem ter como fator determinante um propósito negocial. Tal propósito negocial pode ser resumido em uma motivação econômica que justifique a realização da operação sem ser a própria economia tributária.
Ocorre que a legislação tributária nacional não prevê o propósito negocial como requisito para o planejamento tributário ser considerado lícito. O que, de fato, existe é a norma antielisiva, qual seja, o parágrafo único do <a href="https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10568990/artigo-166-da-lei-n-5172-de-25-de-outubro-de-1966">art. 166</a> do Código Tributário Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ctn">CTN</a>):
<blockquote class="jota-article__citation">"Parágrafo Único: A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".</blockquote>
Nesse contexto, e devido à falta de previsão legislativa, os julgados do Carf sempre demonstraram uma tendência pelo afastamento de planejamentos tributários que decorrem de propósitos exclusivamente fiscais, uma vez que trazem em seus acórdãos menções acerca do planejamento ser algo lícito, desde que não tenha por intento unicamente o não pagamento do imposto.
Portanto, o planejamento tributário, para ser considerado eficaz, não deve ter como foco apenas a minimização do pagamento de tributos, mas uma conjunção de benefícios fiscais e os custos de obtenção desses benefícios. Diante disso, a apresentação de uma justificativa econômica para o planejamento tributário passou a ser o critério utilizado pelo Carf para o julgamento sobre a validade e invalidade do planejamento tributário, necessitando-se, assim, de forma nítida de motivação extratributária.
Ocorre que o planejamento tributário tem se tornado uma ferramenta cada vez mais essencial para a sobrevivência das empresas e o aumento da sua lucratividade, tanto no contexto nacional quanto internacional. E, mesmo assim, as autoridades fazendárias, atentas às operações realizadas pelos contribuintes que buscam a redução de tributos, têm invalidado planejamentos tributários caracterizados pela ausência de propósito negocial.
Recentemente, em um dos julgamentos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> do Carf, o conselheiro Caio Cesar Nader Quintella entendeu que é certo que a estruturação de negócios de fusões e aquisições utilizando holdings faz parte do corolário de livre organização empresarial, inexistindo qualquer vedação legal para esse tipo de estruturação. No referido julgado o conselheiro afirma, in verbis:
“O simples emprego de companhias holdings em estrutura de aquisição de investimentos, mesmo que com a finalidade específica de viabilizar e promover a compra de participações societárias, rotuladas de empresas veículo, não basta para caracterizar simulação, fraude ou o seu intuito, tampouco qualquer outro ilícito.
A figura de origem estrangeira da ausência de propósito negocial, dentro da narrativa de que o contribuinte praticou determinado ato ou negócio jurídico visando exclusivamente obter vantagem tributária, não configura nenhuma das hipóteses legais de simulação e de fraude, conforme a devida conceituação de Direito Civil, e nem pode se amoldar às previsões dos arts. 71, 72 e 73 da Lei 4.502/64".
Com efeito, a operação realizada meramente para o não pagamento de tributo seria, finalmente, válida, uma vez que, mesmo que se entenda ocorrer a prática de negócio ou ato sem propósito negocial, tal manobra não evidencia e não configura qualquer das hipóteses legais de simulação ou fraude, carecendo dos elementos da má-fé e do artifício ardiloso, propositalmente enganoso.
Diante desse julgado, é de máxima importância comungar a vasta produção acadêmica que se revela necessária para permanência dos debates sobre o tema ora abordado. As discussões mais significativas em relação à economia tributária giram em torno, justamente, da definição do abuso no planejamento tributário, que se encontra entre os extremos da redução da carga tributária lícita e ilícita.
Concluindo, resta claro que esse entendimento do Carf, mesmo que ainda não pacificado, vem à tona trazendo doutrinadores e conselheiros no universo jurídico que acreditam ser inadmissível a desconsideração de um planejamento tributário pela autoridade administrativa se o mesmo se encontra dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação.
Por isso, o que nos resta é aguardar futuras decisões com esse novo embasamento, sem deixar que a problemática caia em esquecimento, uma vez que tal alteração jurisprudencial é de extrema importância no universo jurídico. Nada obstante, apesar do julgado favorável ao contribuinte, é inegável que a maior parte da fiscalização se utiliza da doutrina do propósito negocial para desconsiderar operações realizadas com fim de economizar tributos. Sendo assim, é mais seguro se resguardar e apresentar um motivo extrafiscal para realização das operações empresariais, por enquanto.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Processo nº 16561.720192/2012-09. Acórdão nº 9101-005.876 – CSRF / 1ª Turma. Sessão de 11 de novembro de 2021. CARF Relator: Cons. Andréa Duek Simantob| Redator para o acórdão: Cons. Caio Cesar Nader Quintella.

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Discussões mais significativas giram em torno, justamente, da definição do abuso no planejamento tributário

A teoria do propósito negocial nos julgamentos do Carf

Discussões mais significativas giram em torno, justamente, da definição do abuso no planejamento tributário