Francisco Ribeiro Coutinho

A Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) são contribuições sociais que possuem fundamento constitucional no artigo 195, inciso I, alínea b da Constituição Federal<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Neste artigo vamos abordar os recentes julgamentos nos quais o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a possibilidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo desses tributos e, ao final, expor nossa opinião sobre a matéria.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>O assunto nos remete ao dia 8 de outubro de 2014, data em que o STF finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785 (RE 240.785), oportunidade na qual definiu, por maioria de votos (7x2), que o ICMS não compõe as bases de cálculo do PIS e da Cofins.
Quando da publicação do acórdão, ocorrida no dia 16 de dezembro do mesmo ano, ficou claro o entendimento de que o valor do imposto estadual apenas transita pelas contas dos contribuintes e não adere ao patrimônio destes, de forma que não representa faturamento dos mesmos e, por isso, não deve compor as bases de cálculo desses tributos<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Este julgamento teve grande repercussão, uma vez que reverteu o entendimento até então favorável à Fazenda Nacional, o qual prevalecia em razão dos julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a matéria<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Como o RE 240.785 só produziu efeitos "inter partes", o STF entendeu por bem analisar novamente a matéria, dessa vez nos autos do Recurso Extraordinário nº 574.706 (RE 574.706), em sede de repercussão geral (tema 69).
Em sessão de julgamento realizada em 15 de março de 2017<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, o STF finalizou o julgamento do RE 574.706 e, mais uma vez, também por maioria de votos (6x4), decidiu que o ICMS não compõe as bases de cálculo do PIS e da Cofins, sejam estas a receita bruta ou o faturamento, firmando a seguinte tese, dessa vez vinculante: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins".
<blockquote class="jota-article__eye">O argumento que levou a Suprema Corte a afastar a inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da Cofins foi o mesmo que fundamentou o RE 240.785: o ICMS não representa receita bruta ou faturamento dos contribuintes.</blockquote>
Avançamos agora para o dia 24 de fevereiro de 2021, data em que o STF analisou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB, nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.187.264 (RE 1.187.264 – tema 1048).
Seguindo o entendimento adotado pela Suprema Corte nos Recursos Extraordinários nº 240.785 e 574.706, era de se esperar que, por coerência, o STF mantivesse o entendimento de que o ICMS não compõe a receita bruta e que, por isso, o imposto estadual não deve ser incluído na base de cálculo da CPRB.
Ocorre que, na ocasião, o plenário do STF, por maioria de votos (7x4), decidiu  que o ICMS deve compor a base de cálculo da CPRB, fixando a seguinte tese: "É constitucional a inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB".
O principal argumento que justificou a mudança de entendimento do tribunal<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> foi a faculdade da opção pela CPRB (em substituição à Contribuição Previdenciária Patronal) e a consequente necessidade de observância do conceito infraconstitucional de receita bruta estabelecido pelo artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.973/2014.
Analisando a decisão, não nos parece que a faculdade pela opção de um regime de tributação diferenciado justifique a alteração da definição do conceito de receita bruta conforme entendimento outrora adotado pelo STF em sede de repercussão geral.
Também não nos parece que o disposto no artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.973/2014, deva prevalecer sobre o conceito constitucional de receita bruta definido pelo STF em caráter de repercussão geral.
Sobre este ponto, destacamos que, em julgamento recente, nos autos da Reclamação nº 35.572<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, de relatoria do ministro Luiz Lux, a 1ª Turma do STF se manifestou no sentido de que o entendimento adotado para o PIS e a Cofins no RE 574.706 se aplica, inclusive, após a edição da Lei nº 12.973/2014. O trecho transcrito a seguir, extraído do voto proferido pelo ministro relator, é esclarecedor:
"Dos trechos acima transcritos se verifica claramente que a conclusão a que chegou o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, por se fundar em interpretação direta de dispositivos constitucionais, independe da disciplina legal da matéria, de modo que, salvo na hipótese de emenda à Constituição, não parece ser possível que alteração legislativa superveniente pudesse proceder à inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento. Saliente-se que é a legislação infraconstitucional que deve ser interpretada à luz dos dispositivos constitucionais e não o contrário.
Ademais, verifico que foi objeto de consideração pelo Pleno a sucessão de normas infraconstitucionais de regência da questão, uma que vez que o acórdão paradigma foi firmado já sob a vigência da Lei Federal 12.973/2014, em outubro de 2017."
O cenário descrito acima nos permite afirmar que, atualmente, o STF admite a aplicação de dois conceitos distintos para a definição do que seja a receita bruta prevista no já mencionado artigo 195, inciso I, alínea b da Constituição Federal.
Diante dos pronunciamentos nos três Recursos Extraordinários aqui mencionados, podemos resumir a situação da seguinte forma: (i) o ICMS não compõe a receita bruta (nem o faturamento) para fins de apuração do PIS e da Cofins e (ii) o ICMS compõe a receita bruta para fins de apuração da CPRB.
Essa situação não nos parece razoável. Ao decidir discussões análogas (para não dizer idênticas) de maneiras distintas, o STF está, em nossa visão, enfraquecendo o sistema de precedentes instituído pelo Código de Processo Civil<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> e contribuindo para um ambiente de imprevisibilidade e insegurança jurídica em nosso ordenamento jurídico.
Se o próprio STF não segue os seus precedentes, quem seguirá?
<hr />
O episódio 52 do podcast Sem Precedentes discute os bastidores e as desconfianças envolvendo o caso Lula no Supremo Tribunal Federal. Ouça:
https://youtu.be/1T8EYyNCQeM
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais:
"I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(...)
<ol>
<li>
b) a receita ou o faturamento;"
</li>
</ol>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Vide ementa do julgado: "TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. Cofins – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento."
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Vide súmulas  nº 68 e 94 do STJ, atualmente canceladas.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> O acórdão foi publicado em 02/10/2017. Atualmente aguarda-se o julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Chegamos a essa conclusão analisando os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, disponíveis quando da elaboração deste artigo.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Ag. Reg. No Ag; Reg. na Reclamação 35.572/RS. Ministro relator Luiz Fuz. Primeira Turma. DJ. 22/06/2020. DJE 21/10/2020.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Vide artigos 926 e 927 do CPC.

Fachada Supremo Tribunal Federal

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JOTA

Ao decidir discussões análogas de maneiras distintas, STF enfraquece sistema de precedentes instituído pelo CPC

A surpreendente constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB

Ao decidir discussões análogas de maneiras distintas, STF enfraquece sistema de precedentes instituído pelo CPC