Anna Paula Sutter

A fatura de energia elétrica está de novo no centro de uma ladainha: a redução da base de cálculo do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços</a> (ICMS).
Em 23 de junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 estipulou, dentre outras, a não incidência de ICMS sobre os serviços de distribuição e transmissão e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.
Só que ao contrário do que se esperava, os consumidores de grande parte dos Estados ainda não puderam sentir o reflexo dessa redução nas suas faturas. E qual a razão? A operacionalização das mudanças depende de ações ainda não completamente implementadas por todos os Estados.
E segundo o art. 155, II da Constituição Federal<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, a regulamentação do ICMS cabe exclusivamente aos Estados e ao Distrito Federal. No caso do setor elétrico, as faturas de energia elétrica sujeitam-se, ainda, às determinações regulatórias da Agência competente, restando pouquíssima, senão nenhuma margem discricionária para o agente emissor.
De forma objetiva, sabe-se que a Constituição Federal, nos incisos II e III do art. 146<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, delega à Lei Complementar a competência para definir tributos e suas bases de cálculo.
E nos casos de competência concorrente, a previsão constitucional do §2º do art. 24<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> só autoriza os Estados e o Distrito Federal a complementarem as normas gerais federais, que tem eficácia plena<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Porém, não é o que se vem observando na controvérsia em questão. Como os entes estaduais discordam das novas normas gerais impostas pela LC 194/2022 há resistência à sua aplicação, em razão das perdas de arrecadação do tributo.
E, por isso, os Governadores dos Estados de Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Sergipe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Distrito Federal, ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.195 pretendendo, inclusive em medida cautelar, sustar os efeitos da redução das alíquotas e da base de cálculo do ICMS.
De fato, resolver conflitos de competência legislativa concorrente é tema complexo, a cargo do Supremo Tribunal Federal, que irá aferir se uma legislação viola o limite constitucional ou afronta legislação federal com medidas contrárias.
Mas esse debate nem sempre consegue ser tão objetivo quanto a previsão constitucional de suspensão da eficácia da lei estadual dado a lei geral federal.
E, no meio dessa discussão, o Departamento de Proteção e de Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) surpreendeu as distribuidoras de energia elétrica com o Despacho nº 2.282/2022<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, que as proíbe de incluir a cobrança de ICMS sobre as parcelas excluídas pela LC194/2022 nas faturas de energia, sujeitando-as à multa diária.
Em suma, a SENACON, ao invés de atuar nas ações ajuizadas pelos Estados ou adotar medidas judiciais para afetar as leis estaduais vigentes, cominou obrigação impossível às concessionárias: a de não cumprir leis em vigor.
E, embora as distribuidoras tenham apresentado as informações competentes e indicado as ações adotadas, o que inclui o protocolo de consultas fiscais com este fim, mês passado, a SENACON emitiu novas notificações, em processo de averiguação, requisitando até declaração de alteração do cálculo do ICMS.
Basicamente, a redução da base de cálculo forçada diretamente nas faturas de energia, por ação de parte incompetente e ilegítima, somente sujeita as concessionárias de serviços públicos a possíveis contingências tributárias milionárias, o que se traduz como assunção de novos riscos à concessão.
E na via inversa, caso a concessionária decida descumprir a decisão da SENACON, está sujeita ao pagamento de multa diária expressiva.
A verdade é que seja qual for a condução empresarial escolhida, caso o estado atual das coisas permaneça no tempo – a concessão de serviço público será impactada, o que pode vir a refletir na tarifa paga pelos consumidores.
Para este caso, a recente nomeação do Dr. Wadih Nemer Damous Filho para o cargo de Secretário Nacional do Consumidor, poderá – mais do que nunca – pôr em prática a justa expectativa dos consumidores à imediata redução das faturas de energia e das próprias distribuidoras que advogam por uma tarifa menor.
O novo Secretário assume a pasta com a importante missão de voltar os holofotes aos legítimos solucionadores da questão, já que às Distribuidoras cabe somente o repasse dos valores arrecadados de acordo com as normas vigentes.
E enquanto isso, sabe-se que na ADI 7.191 que trata do ICMS sobre combustíveis, os Estados acordaram por instituir grupo de trabalho para discutir a base de cálculo do ICMS sobre energia pelos próximos 120 dias.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
<ol>
<li>
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (...)”
</li>
</ol>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)
<ul>
<li>
1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
</li>
<li>
2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
</li>
</ul>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://in.gov.br/web/dou/-/despacho-n-2282/2022-426164195">https://in.gov.br/web/dou/-/despacho-n-2282/2022-426164195</a>

Torres de transmissão de energia elétrica

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JOTA

Um clássico caso entre discurso e a prática

A saga da base de cálculo do ICMS nas faturas de energia elétrica

Lei Complementar determina a não incidência de ICMS sobre serviços de distribuição e transmissão vinculados às operações com energia elétrica