João Carlos Cochlar

Nesses últimos dias de dezembro, observamos vários indicadores que apontam para a capacidade de os Estados Unidos expandirem sua jurisdição para além de suas fronteiras. A crescente globalização não trouxe como resultado uma só jurisdição internacional multilateral, mas a disputa das várias jurisdições nacionais pelo poder de, ao decidir conflitos, fazer prevalecer seus interesses. E os Estados Unidos estão ganhando.
O Brasil precisa jogar o jogo. É essencial para a retomada de crescimento do Brasil uma jurisdição competitiva e eficiente. Mas fatos recentes demonstraram uma expansão jurisdicional norte-americana, em potencial detrimento da brasileira, em pelo menos três searas: mercado de capitais, combate ao crime internacional e proteção do meio ambiente.
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No meio societário, a Bolsa de Nova York é cada vez mais um chamariz econômico. O Nubank fez lá sua primeira oferta pública de ações. Atingiu o valor inicial de US$ 41,5 bilhões, equivalente a R$ 230 bilhões. Outras gigantes brasileiras já seguiram o caminho. XP Investimentos, PagSeguro e Stone Pagamentos já foram. Captaram bilhões de dólares na abertura do capital. Mais outras, como a Natura, consideram fazer o mesmo.
Há um potencial êxodo em curso. Décadas atrás, por outras razões, houve um êxodo interno, da Bolsa do Rio para a Bovespa. A manipulação impune de ações gradativamente esterilizou o ambiente para investimentos no Rio, que migraram para São Paulo.
Mas hoje, por estímulos diversos, observa-se uma troca de São Paulo por Nova York. O que se busca é, além de capital, transparência, estabilidade, previsibilidade, segurança jurídica e lucros mensuráveis em dólar.
Ocorre que os bônus da Bolsa de Nova York trazem um ônus. Nova York é também um chamariz jurisdicional. Traz embutido, cada vez mais concretamente, a capacidade de juízes nova-iorquinos decidirem sobre os destinos das empresas do Brasil. Basta que haja apenas uma porta de entrada para que a jurisdição americana possa entrar em toda a companhia. É como se valesse um novo princípio metajurídico: "no investment without jurisdiction". Quanto mais empresas se inscrevem na Bolsa de Nova York, mais jurisdição os EUA detêm sobre as companhias brasileiras. Embraer e Petrobras, sobretudo, que o digam.
E não é só no ambiente societário. A expansão norte-americana vai mais longe, como no combate ao tráfico internacional de drogas. O exemplo mais recente é da ordem executiva do presidente Joe Biden, que autorizou a inclusão do PCC na lista de organizações criminosas que sofrerão sanções dos EUA. USA v. PCC.
A ordem é aplicável para quaisquer organizações estrangeiras da lista, e as sanções vão desde o bloqueio de bens nos Estados Unidos até impedimento de transações financeiras que estejam sob a jurisdição norte-americana, que se expande progressivamente em eficácia e abrangência. Tanto é verdade que, poucos dias depois, os EUA anunciaram sanções contra indivíduos e empresas que financiavam a rede terrorista Al Qaeda no Brasil.
Na área ambiental também. A herança da ideologia e anti-eficiência do ex-ministro Ricardo Salles, reforçada por obtusa política externa, contribuiu para a expansão americana, que fez o que se esperava de qualquer governo. No início da gestão Bolsonaro, os Estados Unidos notificaram o Brasil sobre a exportação ilegal de madeira, tendo inclusive procedido em diversas apreensões.
Mas o que se queria era vender o Brasil como país fácil de vender madeira nobre de origem duvidosa. Os alertas foram ignorados. Várias operações foram desencadeadas pela Polícia Federal, como a notável Handroanthus, do delegado Alexandre Saraiva, que fez apreensão histórica de madeira da Amazônia. Juízes, entretanto, determinaram sua devolução. O Supremo Tribunal Federal (STF) agiu rápido para impedir a determinação dos magistrados do Pará e do Amazonas. Acabou que a reação do Judiciário mais contundente até aqui foi a abertura neste mês de procedimento disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz paraense.
Os órgãos de controle brasileiros estão perdendo em competitividade. A busca por uma autossuficiência jurisdicional brasileira pode ser crucial para a retomada do crescimento.
Isso também aponta que a ineficiência do controle não é um destino. É uma escolha política do governo. Como bem destacou Candido Bracher, no caso ambiental, a implementação da lei é fundamental para a proteção da floresta e o resgate da nossa credibilidade ambiental. É preciso resgatá-la, mas isso só não basta.
E qual é o risco para o Brasil de não ter uma jurisdição competitiva?
A expansão norte-americana, a ideologização do governo brasileiro e a ineficiência de seus órgãos de controle e judiciais são parceiros na retração jurisdicional brasileira.
Globalização não é só competição econômica e financeira. É competição de jurisdições, ou seja, poder de decidir legalmente. Seja na via administrativa, pelo Executivo. Legislativa, pelo Legislativo. E judicial, pelo Judiciário.
Há uma retração jurisdicional no direito societário, no combate ao crime internacional e no direito ambiental. Pode haver em outras áreas. O Brasil somente terá chances de competir quando a tensão entre os Poderes não for autossabotadora. A integração entre as polícias, uma gestão estável da economia e o combate vigoroso contra o desmatamento, por exemplo, são um início.
O que mais pode tornar o Brasil mais competitivo?

foto dados flickr

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JOTA

Brasil está menos competitivo no mercado de capitais, no combate ao crime internacional e na proteção ambiental

A retração da jurisdição brasileira

Expansão dos EUA, ideologização do governo brasileiro e ineficiência de órgãos de controle são parceiros na retração da jurisdição brasileira