Mariana Monte Alegre de Paiva

Lucas Barbosa Oliveira

No mês de junho de 2021, a chama de uma das principais discussões previdenciárias dos últimos anos se reacendeu. Se, por um lado, ganhou combustível no âmbito do Poder Judiciário, com decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro, recebeu um balde de água fria com a mais recente Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) da Receita Federal do Brasil (RFB). Vejamos os últimos desdobramentos sobre o tema.
Em 2/6/2021, foi publicada decisão monocrática de relatoria do ministro Herman Benjamin do STJ (Recurso Especial nº 1.940.120/RS), dando “parcial provimento ao Recurso Especial para excluir da incidência da contribuição previdenciária a rubrica referente à verba auxílio-transporte (vale-transporte)”.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Uma leitura direcionada apenas desse trecho final da decisão poderia sinalizar que se trata de apenas mais um dentre o amplo repertório de julgados do Tribunal que caminham no mesmo sentido, sinalizando “o entendimento consolidado de que a verba auxílio-transporte (vale-transporte), ainda que paga em pecúnia, possui natureza indenizatória, não sendo elemento que compõe o salário, assim sobre ela não deve incidir contribuição previdenciária”.
A complexidade da questão, porém, ficou ainda mais evidente quando, uma semana depois, em 9/6/2021, foi publicado o Acórdão de relatoria do Ministro Gurgel de Faria (Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.894.150/RS), tratando exatamente do mesmo tema<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Em ambos os casos recentemente analisados pelo STJ, frise-se que os contribuintes ingressaram com medida judicial para afastar a incidência das contribuições previdenciárias sobre os benefícios de vale-transporte e vale-alimentação, abrangendo tanto a parte custeada pelos empregadores quanto a parte custeada pelos próprios empregados (os chamados “descontos em folha”).
A nosso ver, há pelo menos dois pontos consideravelmente controversos, que parecem não ter sido devidamente examinados e discutidos na ocasião dos julgamentos. O primeiro diz respeito à restrição imposta na modalidade de concessão do vale-alimentação. O segundo trata do tratamento conferido aos descontos em folha.
Com relação ao vale-alimentação, o entendimento dos Ministros foi no sentido de que incidem as contribuições previdenciárias sobre o benefício pago de forma habitual em dinheiro ou em tíquetes, conforme suposta jurisprudência da Corte.
Ocorre que estes não são exatamente os termos da jurisprudência do STJ. De fato, não se trata de aspecto totalmente pacífico, mas, em diversas ocasiões, o Tribunal já afastou a incidência das contribuições previdenciárias sobre os valores de auxílio alimentação pagos na forma de tíquetes ou cartão, apontando que essa forma se aproxima mais do fornecimento de alimentação in natura do que propriamente do pagamento em dinheiro, não havendo diferença relevante entre a empresa providenciar alimentos aos empregados diretamente em suas instalações ou entregar-lhes o vale para que possam se alimentar nos restaurantes conveniados.
É bem verdade que a Lei de Custeio da Previdência Social (Lei n° 8.212/1991) ainda estabelece que somente a parcela in natura do vale-alimentação não integra a base de cálculo, o que resultou, num primeiro momento, no entendimento jurisprudencial de que somente o fornecimento de gêneros alimentícios ao empregado diretamente pela empresa não teria natureza salarial.
Esse entendimento, que já vinha sendo superado pela jurisprudência (inclusive do STJ), ganhou força com a Reforma Trabalhista, na medida em que a CLT passou a prever expressamente que as importâncias recebidas a título de auxílio-alimentação (exceto o seu pagamento em dinheiro) não deverão incorporar ao salário ou servir de base de incidência das contribuições previdenciárias, a despeito da inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Inclusive, em janeiro de 2019, a RFB editou a Instrução Normativa nº 1.867/2019<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> para dispor expressamente que o auxílio alimentação (gênero) não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias, exceto quando o pagamento se dá em dinheiro. Sendo assim, nos parece que o recente posicionamento do STJ não leva em consideração os recentes desdobramentos do tema, deixando de reconhecer o que atualmente está inclusive expresso na própria legislação.
<blockquote class="jota-article__eye">Já com relação aos descontos em folha, parece que esse ponto deixou de ser endereçado pelo STJ em ambas as ocasiões. Apesar de fazer referência ao termo “descontos” em diversas passagens nos dois precedentes recentes, o Tribunal não se debruçou inteiramente sobre todos os argumentos que foram levantados pelo contribuinte.</blockquote>
Poucos dias depois, novos eventos surpreenderam. Primeiro, uma decisão favorável do STJ, de relatoria do Ministro Og Fernandes, nos autos do Recurso Especial nº 1.939.757/SC, publicada em 18.6.2021, reconheceu expressamente que os valores descontados dos empregados para o custeio do vale-transporte, auxílio-alimentação e plano de assistência à saúde possuem natureza não remuneratória<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Logo em seguida, em 23/6/2021, a RFB editou a Solução de Consulta COSIT nº 96, consolidando o entendimento anterior (postulado na Solução de Consulta COSIT nº 4/2019) e deixando claro, novamente, sua posição contrária ao tema<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Pela análise da referida Solução de Consulta, a RFB concluiu que o valor descontado dos empregados comporia o conceito de salário-de-contribuição. A conclusão é a de que a “tributação recai sobre a remuneração devida ao empregado em retribuição pelos serviços por ele prestados, antes de serem efetuadas as deduções relativas às coparticipações em tais benefícios”.
Entendemos, entretanto, que a RFB ainda não endereçou o principal ponto controvertido, o qual foi muito bem delineado na última decisão do STJ (Recurso Especial nº 1.939.757/SC). A legislação previdenciária, por técnica legislativa, determina que certos valores não integram a base de cálculo por estarem fora do campo de incidência das contribuições previdenciárias. Logo, não se trata de discussão sobre valores líquidos versus valores brutos, como consta no inteiro teor da Solução de Consulta COSIT nº 96.
A RFB afirma que a “parcela remuneratória devida em retribuição ao trabalho prestado deve ser tributada, ainda que percentual desse valor não componha o montante líquido do pagamento, por exemplo, o valor descontado no salário do empregado a título de coparticipação para constituição do vale-transporte”. No entanto, deixa de tecer comentários sobre o fato de que os benefícios têm a natureza jurídica não salarial, independente de quem arca com o valor, seja a empresa ou o empregado.
A nosso ver, tais benefícios, como um todo, estão fora do campo de incidência das contribuições previdenciárias, nos termos da Lei n° 8.212/1991. No caso específico destes benefícios, os quais estão em geral decompostos em duas parcelas, é claro que tais parcelas têm, indiscutivelmente, a natureza jurídica não salarial, independente de quem arca com o valor.
Estes pontos estão sendo devidamente questionados pelos contribuintes, tanto no âmbito administrativo como no âmbito judicial.
Como se observa da análise dos recentes precedentes, o tema ainda é bastante polêmico, sendo necessário acompanhar de perto o seu desenvolvimento, considerando que inúmeros outros processos discutindo o mesmo objeto deverão ser direcionados aos Tribunais Superiores no futuro próximo.
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<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. PAGAMENTO EM ESPÉCIE OU EM PECÚNIA. HABITUALIDADE. INCIDÊNCIA.
<ol>
<li>
Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3).
</li>
<li>
Consolidou-se na Seção de Direito Público desta Corte Superior o entendimento de que incide Contribuição Previdenciária sobre a verba relativa ao desconto de adicional auxílio-alimentação, pago em espécie ou em pecúnia, com habitualidade.
</li>
<li>
Agravo interno desprovido”.
</li>
</ol>
<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (...)
<ul>
<li>
2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.
</li>
</ul>
<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Alterando diversos pontos da Instrução Normativa nº 971/2009, sobre tributação previdenciária.
<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> “(...) A recorrente indica ofensa aos arts. 22, § 2º, e 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991, bem como divergência jurisprudencial. Sustenta que os valores descontados do empregado para o custeio do vale-transporte, auxílio-alimentação e plano de assistência à saúde possuem natureza não remuneratória. (...)
Ocorre que a jurisprudência desta Corte Superior segue no sentido da não incidência de contribuição previdenciária sob as rubricas vale-transporte e auxílio-alimentação, devido à natureza indenizatória, mesmo na sistemática do custeio compartilhado (entre empregador e empregado, por meio de descontos). No ponto: REsp 1.940.120/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 2/6/2021.”
(REsp 1.939.757 – SC, Relator Ministro OG Fernandes, 17.6.2021).
<a href="applewebdata://8AA3DE77-7073-4446-ACFD-39DB5539BAC7#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> No mesmo sentido, a RFB já havia editado Soluções de Consulta COSIT nºs 4/2019 e 58/2020, além da Solução de Consulta Disit SRRF04 nº 4.021/2020

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JOTA

Análise crítica de recentes decisões do STJ sobre vale transporte (VT), vale alimentação (VA) e Plano de Saúde

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