Igor Bueno

Mariana Filgueiras

Um dos fatos estilizados do desenvolvimento econômico é o aumento da parcela do setor industrial no valor adicionado total. Porém, desde a década de 1980, a economia brasileira vem apresentando queda histórica na participação da indústria no PIB. A perda de espaço desse segmento na geração de riqueza do país mantém ainda um intenso debate, pois o setor industrial possui um papel fundamental no crescimento econômico.
A partir dos anos 2000, o Brasil retomou a agenda de política industrial, implementando ações voltadas para estímulo à indústria. Um dos focos prioritários foi o Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), no qual se observou uma forte convergência entre as políticas industrial, de inovação e de saúde.
No âmbito do CEIS, a indústria farmacêutica foi um dos setores mais atendidos por programas governamentais voltados à promoção da capacidade tecnológica e produtiva. Nessas ações adotou-se ampla gama de instrumentos financeiros de apoio à inovação para o setor que constituíram uma política de caráter sistêmico. Tais instrumentos envolveram não somente o fomento direto às atividades de PD&amp;I nas empresas, mas também outras formas de estímulo, como a revisão do marco regulatório e o uso do poder de compra governamental. Esse conjunto de instrumentos foi importante para induzir o aumento da capacidade de inovação das farmacêuticas nacionais na produção de medicamentos.
O fortalecimento das empresas desse setor foi precedido de importantes mudanças no arcabouço regulatório e institucional: a sanção da Lei da Propriedade Industrial, a estruturação de ambiente regulatório estável e confiável por meio da criação da Anvisa, e a promulgação da Lei dos Genéricos. Esses fatos contribuíram nas duas últimas décadas para um processo de transformação estrutural das empresas.
Alguns programas específicos para o setor farmacêutico implementados pelo BNDES e pela Finep contribuíram também para essa alteração estrutural. O Profarma, lançado em 2004 pelo BNDES, teve por objetivo contribuir para a redução da vulnerabilidade da Política Nacional de Saúde e promover a articulação entre as políticas industrial e de saúde, através do financiamento de investimentos de capital e de inovação. Em 2007 foi implementada a segunda fase do programa, renovada em 2013, incorporando a biotecnologia entre os objetivos.
Em 2013 a Finep lançou o Programa Inova Saúde (PIS), no âmbito do Plano Inova Empresa, com objetivo de apoiar projetos de PD&amp;I em fármacos obtidos por processos de síntese química, biotecnológico e extrativo para o desenvolvimento de medicamentos em atendimento às demandas do SUS. O foco deste Programa foi apoiar o desenvolvimento de novos produtos biológicos alinhados à lista de produtos estratégicos do Ministério da Saúde. Para isso, a Finep articulou seus instrumentos financeiros com o mecanismo de compra pública da pasta, reduzindo o risco de desenvolvimento dos projetos.
Sob a ótica da oferta, os projetos foram submetidos à Finep e os recursos públicos alocados de acordo com o grau de inovação, risco tecnológico e relevância social. A Finep fez uso da subvenção econômica, um dos instrumentos mais eficazes para induzir o processo de inovação nas empresas. Ele é estratégico para apoiar etapas relacionadas à pesquisa e fases iniciais do processo de inovação onde as externalidades relativas ao conhecimento ou o risco tecnológico tendem a ser maiores. O mecanismo de crédito foi utilizado para apoiar projetos inovadores num contexto macroeconômico favorável e de alta liquidez, o que permitiu adotar taxas de juros abaixo da taxa básica do mercado.
Em relação ao instrumento de demanda, o Ministério da Saúde estabeleceu o mecanismo de aquisição denominado Parceria para o Desenvolvimento Produtivo. O modelo proposto fez o Estado exercer sua função de comprador, por meio da centralização de compras do SUS, com transferência de tecnologia. Este instrumento se apresentou como uma política de demanda de grande impacto no setor e se caracterizou elemento central nos investimentos realizados pelas empresas.
Nota-se, portanto, que foi constituída uma conjuntura favorável ao estímulo do setor farmacêutico, em especial àqueles relacionados aos medicamentos biológicos. Em relação aos resultados do PIS, destaca-se a absorção de tecnologias por parte das empresas nacionais para atuação na rota de produção de biofármacos, e para o ministério a aquisição de anticorpos monoclonais desenvolvidos e produzidos no país. Em junho de 2019, a Anvisa registrou o primeiro anticorpo monoclonal indicado para o tratamento de cânceres hematológicos, como o linfoma não Hodgkin e a leucemia linfocítica crônica, produzido por uma empresa brasileira. Trata-se de produto de alto valor agregado, com elevado benefício terapêutico para o paciente e com redução de custos para o sistema de saúde.
O PIS propiciou uma nova forma de utilizar os instrumentos de apoio à inovação, através do uso combinado de crédito, subvenção econômica e compra pública. O PIS contribuiu para elevar o grau de inovação nas empresas inicialmente e, consequentemente, estimulou um efeito de segunda ordem caracterizado pelo acúmulo de novas competências e pelo aumento das receitas de inovação. Nesse aspecto, argumenta-se que o uso combinado da compra pública do ministério com os instrumentos de oferta da Finep foi capaz de elevar o patamar da estrutura produtiva e de inovação desse segmento no país.
A continuidade do fortalecimento e do apoio dessa indústria é importante para que se busque cada vez mais um direcionamento dos investimentos em atividades de maior risco tecnológico. O desafio de construir uma indústria farmacêutica brasileira capaz de resolver as necessidades do SUS, melhorar o acesso de medicamentos para população e concorrer com as multinacionais exige forte coordenação entre os atores do sistema nacional de inovação.
Após os problemas provocados pela pandemia de Covid-19, tendo o Brasil vivenciado um contexto de questionamento à ciência e de restrição aos recursos para P&amp;D, o atual momento é oportuno para restabelecer as iniciativas de estímulo ao CEIS de forma ampla, dado que as agendas de política industrial e inovação vêm sendo retomadas. O CEIS responde por cerca de 10% do PIB e é estratégico para o crescimento industrial e desenvolvimento do país.
No último dia 6 de julho, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) propôs uma nova política industrial para o país, organizada por meio de missões que se constituem desafios da sociedade brasileira. O CEIS é uma das missões, tendo como foco a redução das vulnerabilidades do SUS e a ampliação do acesso à saúde.
Em linha com essa agenda de retomada de ações de desenvolvimento industrial, o Ministério da Saúde volta a ser o formulador central da política de saúde e articulador institucional, através da <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/como-o-complexo-industrial-da-saude-busca-unir-interesses-publicos-e-privados-24042023">recriação do GECEIS</a> (Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde). Esse fato demonstra o compromisso no sentido de recompor um ambiente fértil e propício à PD&amp;I.
Soma-se a isso, a conquista recente de garantia dos recursos integrais do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) obtida por meio do PLN 1 de 2023 e a aprovação da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11540.htm">Lei 11.540/2007</a>, que alterou a remuneração dos empréstimos do FNDCT. Tais marcos colocam a Finep novamente como ator central no processo de reconstrução no campo da CT&amp;I e na discussão dos investimentos necessários para o estabelecimento de um novo parque industrial no país.
A partir da experiência na execução da política de fomento à PD&amp;I, a Finep atuará com outras instituições do governo para estruturar iniciativas capazes de estimular o desenvolvimento de novos projetos estratégicos de inovação para o CEIS e, assim, contribuir para aliar o crescimento econômico às demandas da saúde pública e questões sociais do Brasil.
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Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da Finep.

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JOTA

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