Andréa Duek

Ao longo dos últimos nove meses, a <a href="https://beta.jota.info/tudo-sobre/receita-federal">Receita Federal</a>, por meio do novo órgão implementado para julgamento da pena de perdimento, o Cejul, tem buscado fortalecer o diálogo com os mais variados segmentos que tratam tanto do processo administrativo quanto da matéria que especificamente contextualiza e fundamenta a aplicação da pena de perdimento.
O escopo deste artigo é a reflexão do leitor sobre os primeiros resultados da concepção do Cejul nas bases estabelecidas pelos tratados internacionais, estampados por lei.
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O órgão iniciou, efetivamente, suas atividades em novembro de 2023. Pode-se dizer que as alterações estabelecidas na Lei 14.651, de 23 de agosto de 2023<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, ao Decreto-Lei 1.455, de 7 de abril de 1976, para a aplicação e o julgamento da pena de perdimento já obtiveram substanciais resultados.
Os números extraídos destes primeiros meses de funcionamento retratam a forma pela qual o disciplinamento do órgão, muito criticado antes mesmo da sua implementação, tem agregado novos contornos aos atores que lidam diuturnamente com as apreensões e retenções as quais estão submetidas à respectiva penalidade.
Apesar de o Cejul ter sido constituído para dar efetividade às adaptações do Brasil a acordos internacionais, em que é signatário<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, fato é que sua implementação tem gerado muitos debates não só acadêmicos, mas também perante especialistas que trabalham e atuam na área.
A pergunta que faço ao leitor neste momento é sobre quais resultados se esperam de um modelo de julgamento que abarque o devido processo legal. O rito em instância única, por exemplo, presente antes do Cejul, no Decreto-Lei 1.455/1976, reiteradamente reconhecido como constitucional em decisões judiciais, sempre foi debatido pela doutrina. E neste passo, como era para o leitor lidar com o modelo anterior? Seria possível extrair deste modelo a evolução e os resultados que o Cejul, em pouco tempo de existência, possui condições de apresentar à sociedade?
Retornando um pouco para o que pensa uma parte da doutrina, ou seja, que a Constituição Federal brasileira traz como direito fundamental a busca da tutela jurisdicional<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. E, portanto, se considerar que a instância independente tratada na CQR seria o Poder Judiciário, sequer haveria necessidade de implementar o Cejul.
Neste caso, restaria ao âmbito administrativo e ao próprio contribuinte apenas uma fase do pleito administrativo junto às administrações aduaneiras, tendo como instância independente o Judiciário. Após o leitor percorrer este artigo, poderá refletir melhor sobre as características do Cejul e sua construção e legitimidade de posição perante o contexto aduaneiro.
Para melhor posicionamento das reflexões é importante se observar os importantes números, os projetos atuais e os futuros projetos de iniciativa do Cejul nestes primeiros nove meses de existência. Para tanto, importante relembrar, inicialmente, o que estabelece a Convenção de Quioto Revisada (CQR/OMA)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, em seu Anexo Geral, Capítulo 10, disposições sobre o direito de recurso, cabendo destacar a norma 10.5: "Quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira".
Na citada convenção e nove meses depois da construção do Cejul, sim, o órgão traz resultados, consolidados e nacionalizados. Hoje se sabe qual o tipo de perdimento que possui maior impacto no acervo; qual o tipo de mercadoria que mais é objeto da pena de perdimento e a busca pela uniformização jurisprudencial, bem como o potencial para a elaboração de súmulas por meio do Pleno Cejul está cada vez mais próximo.
O Cejul nasceu com a função de estabelecer verdadeiro liame para o consensualismo, como tratei em artigo anterior<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, diante de uma nova postura adquirida pela Administração Tributária federal, nos últimos anos, a nosso ver, mais dialógica e comunicativa. Entre os objetivos desta nova estrutura está o de sedimentar sua jurisprudência e tratar questões controversas e muitas vezes lacunosas, as quais por décadas tiveram decisões possivelmente conflitantes.
Na verdade, sequer possuímos um estudo comparativo de como era o antes. O Cejul, mesmo sendo um órgão recente, com apenas nove meses de existência, já nasceu atuando fortemente em prol da eficiência, transparência e segurança jurídica. O julgamento em dupla instância, sem contar as diligências realizadas para melhor deslinde da questão posta, já produziu neste curto espaço de tempo cerca de 1.000 decisões e acórdãos entre 1ª e 2ª instância. Abaixo seguem os gráficos com os resultados de julgamento proferidos pelo Cejul:
Enaj – monocrática – 1ª instância (novembro 2023 a julho 2024)  
<img class="aligncenter wp-image-510989 size-full" src="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/08/result-2024.png" alt="" width="522" height="277" />
Câmara Recursal – colegiada – 2ª instância (novembro 2023 a julho 2024) 
<img class="aligncenter wp-image-510990 size-full" src="https://portal.jota.info/wp-content/uploads/2024/08/result-julg.png" alt="" width="526" height="254" />
Observa-se que tais resultados e com o Cejul trabalhando com um quantitativo de julgadores tanto na Enaj quanto na Câmara Recursal limitado ao número máximo de integrantes das referidas câmaras, ainda não chegou à sua plenitude e pode, em mais um curto espaço de tempo, alcançar resultados muito mais expressivos.
A transposição da autoridade julgadora para o novo órgão e não mais permanecendo na unidade aduaneira fiscalizadora, em pouquíssimo tempo, já traz um novo olhar e a mudança de perspectiva, pelos próprios resultados estampados nos gráficos comprova se a ressignificação do julgamento da pena de perdimento por meio do Cejul está ou não valendo a pena.
Cumpre reiterar que o Cejul possui todos os seus julgadores investidos em mandato; existe a possibilidade de o contribuinte ou seu representante legal encaminhar sustentação oral por áudio/vídeo gravado à Câmara Recursal – o que neste período ocorreu cinco vezes; publicação das pautas no DOU e das atas no sítio da Receita Federal<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Além disso, o ementário dos seus acórdãos, encontra-se publicado no sistema Normas RFB, conforme disposto na Portaria Normativa MF 1005, de 2023<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
A complementação dos normativos pela Secretaria Especial da Receita Federal também tratou de prestigiar a uniformidade dos entendimentos por meio da edição de súmulas administrativas, representativas de suas decisões reiteradas e uniformes<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. E vai além, estabelecendo regimentalmente a obrigatoriedade de sua observância por parte de seus integrantes. Portanto, após nove meses e quase mil decisões, já é possível vislumbrar novos projetos, entre eles, a possibilidade de regulamentar a sessão de Pleno no âmbito da Receita Federal.
Muito se buscou e se criticou a necessidade do julgamento independente e imparcial para a penalidade de perdimento. E tal feito, necessário, apresentou resultados que hoje encontram-se estampados neste artigo. Sim, por tanto tempo o perdimento não conseguiu ter a notoriedade que merecia e agora, fruto da confluência de objetivos nas tratativas brasileiras em ambientes internacionais, amplia sua importância, moderniza e especializa seu processo de trabalho por meio do Cejul<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>. Mais que isso, apresenta importantes resultados, na busca pelo consenso e não o litígio.
Por último, não menos importante, ao longo destes nove meses, o Cejul investiu fortemente na capacitação dos seus julgadores, por meio do projeto CejulCapCast, recepcionando elenco de expoentes do processo tributário e da área aduaneira, entre acadêmicos, auditores fiscais da Receita Federal e operadores do Direito Aduaneiro e do Processo Tributário, em que há a participação de todos os seus integrantes em conjunto com os convidados.
O dinamismo do CejulCapCast propicia aos seus integrantes atualização técnica permanente, em consonância com o trabalho que exercem. O evento, com cerca de duas horas de duração, tem sido um aliado no deslinde de decisões complexas, tornando-se mais uma experiência exitosa para os integrantes do Cejul, que, em razão do seu caráter nacional, possui relevante diversidade de julgadores, que passam a ter aprendizado completo.
Neste sentido, pode-se concluir que o Cejul se firmou como órgão técnico, especializado, com perspectivas uniformizadoras de casos divergentes e de interpretação de textos normativos, capaz de ressignificar o julgamento da pena de perdimento, tendo por objetivo o consenso e não o litígio?
Nada melhor que, através do debate de ideias, a discussão acadêmica e operacional jurídica se propaguem por meio de caminhos plurais, objetivando justamente encontrar o ponto de equilíbrio, tal qual as palavras de Sergio André Rocha: “A segurança jurídica não está exclusivamente no texto constitucional ou legal, mas igualmente na sua interpretação/aplicação pelos órgãos de aplicação do Direito”<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Lei 14.651, de 23 de agosto de 2023. <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14651.htm">https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14651.htm</a> [acesso em 19/12/2023]
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre a questão da aderência do Brasil à CQR ver Sergio André Rocha, <a href="https://www.conjur.com.br/2024-jan-22/o-cejul-e-a-convencao-de-quioto-revisada/">https://www.conjur.com.br/2024-jan-22/o-cejul-e-a-convencao-de-quioto-revisada/</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> A Convenção de Quioto Revisada (CQR/OMA), em vigor internacional desde 03/02/2006, conta com 134 membros. Sobre a CQR/OMA, remete-se a: BASALDÚA. Ricardo Xavier. El Convenio de Kyoto Revisado: Antecedentes y Principios Aduaneros Involucrados. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro III. São Paulo: Aduaneiras, 2022, p. 81-120; e MORINI, Cristiano. A Convenção de Quioto Revisada e a Modernização da Administração Aduaneira. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Lex, 2015, p. 163-198.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Andréa Duek: <a href="https://www.conjur.com.br/2024-jan-28/cejul-traz-novo-modelo-de-consensualismo-para-a-pena-de-perdimento/">https://www.conjur.com.br/2024-jan-28/cejul-traz-novo-modelo-de-consensualismo-para-a-pena-de-perdimento/</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> <a href="https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/atas-e-pautas/camaras-recursais-2013-atas-e-pautas-de-julgamento">Câmaras Recursais – Atas e Pautas de Julgamento — Receita Federal (www.gov.br)</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> <a href="https://atosdecisorios.receita.fazenda.gov.br/consultaweb/index.jsf">Suite de Aplicativos RFB (fazenda.gov.br)</a>
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Portaria RFB 348, de 01 de setembro de 2023.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Leonardo Correa Lima Macedo; Liziane Angelotti Meira e Rosaldo Trevisan <a href="https://www.conjur.com.br/2024-jul-09/por-um-contencioso-aduaneiro-especializado/">https://www.conjur.com.br/2024-jul-09/por-um-contencioso-aduaneiro-especializado/</a>
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Sergio André Rocha. <a href="https://www.conjur.com.br/2024-jun-17/interpretacao-de-textos-normativos-tributarios-quebra-cabeca-ou-caixa-de-lego/">https://www.conjur.com.br/2024-jun-17/interpretacao-de-textos-normativos-tributarios-quebra-cabeca-ou-caixa-de-lego/</a> : Essas reflexões, mesmo que não tragam uma novidade ou uma abordagem essencialmente nova do tema, são importantes para chamar nossa atenção para o fato de que é ingênua a pretensão de que haja uma única norma extraível a partir de textos normativos.
DUEK, Andréa. <a href="https://www.conjur.com.br/2024-jan-28/cejul-traz-novo-modelo-de-consensualismo-para-a-pena-de-perdimento/">https://www.conjur.com.br/2024-jan-28/cejul-traz-novo-modelo-de-consensualismo-para-a-pena-de-perdimento/</a>
MACEDO, Leonardo Correa Lima; MEIRA, Liziane Angelotti e TREVISAN, Rosaldo
<a href="https://www.conjur.com.br/2024-jul-09/por-um-contencioso-aduaneiro-especializado/">https://www.conjur.com.br/2024-jul-09/por-um-contencioso-aduaneiro-especializado/</a>
ROCHA, Sergio André. <a href="https://www.conjur.com.br/2024-jan-22/o-cejul-e-a-convencao-de-quioto-revisada/">https://www.conjur.com.br/2024-jan-22/o-cejul-e-a-convencao-de-quioto-revisada/</a>
_____________________<a href="https://www.conjur.com.br/2024-jun-17/interpretacao-de-textos-normativos-tributarios-quebra-cabeca-ou-caixa-de-lego/">https://www.conjur.com.br/2024-jun-17/interpretacao-de-textos-normativos-tributarios-quebra-cabeca-ou-caixa-de-lego/</a>
TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Lex, 2015, p. 163-198. A Convenção de Quioto Revisada (CQR/OMA), em vigor internacional desde 03/02/2006, conta com 134 membros. Sobre a CQR/OMA, remete-se a: BASALDÚA. Ricardo Xavier. El Convenio de Kyoto Revisado: Antecedentes y Principios Aduaneros Involucrados. In: TREVISAN, Rosaldo (org.). Temas Atuais de Direito Aduaneiro III. São Paulo: Aduaneiras, 2022, p. 81-120; e MORINI, Cristiano. A Convenção de Quioto Revisada e a Modernização da Administração Aduaneira.
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14651.htm">https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14651.htm</a>
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm">https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm</a> artigo 5º, inciso XXXV
<a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-normativa-mf-n-1.005-de-28-de-agosto-de-2023-506328565">https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-normativa-mf-n-1.005-de-28-de-agosto-de-2023-506328565</a>
<a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=133173">http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=133173</a>
<a href="https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/atas-e-pautas/camaras-recursais-2013-atas-e-pautas-de-julgamento">Câmaras Recursais – Atas e Pautas de Julgamento — Receita Federal (www.gov.br)</a>
<a href="https://atosdecisorios.receita.fazenda.gov.br/consultaweb/index.jsf">Suite de Aplicativos RFB (fazenda.gov.br)</a>

Superintendência da Receita Federal, em Brasília.

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JOTA

Será que valeu a pena implementar o Cejul?

A ressignificação do julgamento da pena de perdimento

Cejul, órgão implementado para julgamento da pena de perdimento, busca fortalecer diálogo com seguimentos do processo administrativo