Giovana Andrade de Oliveira

Antes da popularização do telefone, a maneira mais comum de as pessoas se comunicarem a distância era pelo envio de um telegrama, em que se cobrava um valor por cada palavra escrita, sendo comum que as mensagens fossem abreviadas para economizar. A tecnologia disponível, pela sua natureza, restringia a comunicação.
Com o surgimento da internet, foram sendo criadas plataformas de redes sociais, dentre elas Orkut, Facebook, MSN, Instagram, Twitter e o TikTok, que as pessoas utilizam não só para mandar mensagens e se comunicar, mas também para fazer publicações de texto, postar fotos e vídeos, dentre outros. O progresso da tecnologia permite hoje a comunicação sem limites.
A popularização desses meios de comunicação trouxe diversas inovações e benefícios; no entanto, também trouxe diversos desafios, como o surgimento dos crimes virtuais, criação de perfis falsos, disseminação de notícias falsas, ataques antidemocráticos, sendo necessária a criação da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm">Lei 12.965</a>, aprovada em 2014, popularmente conhecida como <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a>, que regulamentou o tema.
Nesse contexto, a referida norma estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Contudo, o art. 19 da lei está sendo objeto de discussão, em que o <a href="https://www.jota.info/stf">STF</a> julgará o Recurso Extraordinário 1.037.396, que originou o Tema de Repercussão Geral 987.
O leading case que originou o Tema 987 foi o <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5160549">RE 1.037.396</a> e, na origem, a ação foi ajuizada pela sra. Lourdes Pavioto em face de Facebook Serviços Online do Brasil LTDA., em que a autora buscava a retirada de um perfil falso criado em seu nome na referida rede social, o qual estaria ofendendo pessoas próximas a ela, inclusive a sua própria irmã, tendo ela denunciado o perfil ao Facebook, que se manteve inerte.
Assim, a autora requereu a procedência dos pedidos, a fim de que o Facebook excluísse o perfil do site, bem como a condenação em danos morais e a disponibilização do IP (internet protocol), para identificação do responsável pela criação do perfil falso.
Foi proferida sentença julgando parcialmente procedente o pedido inicial para determinar a exclusão do perfil falso criado em nome da autora da conta, bem como para determinar que o Facebook fornecesse informação referente aos dados de IP do computador a partir do qual foi produzido o perfil falso.
Apreciando os recursos interpostos pelas partes, a 2ª Turma Recursal de Piracicaba (SP) deu-lhes provimento para condenar o Facebook ao pagamento de indenização por danos morais e para desobrigá-lo do fornecimento do IP.
A Turma Recursal entendeu que, apesar da sentença fundamentar-se no art. 19 da Lei 12.965/14, condicionar a retirada do perfil falso somente após ordem judicial específica para fins indenizatórios, na dicção do artigo, significa isentar os provedores de aplicações de toda e qualquer responsabilidade indenizatória, fazendo “letra morta” do sistema protetivo haurido à luz do CDC.
Desse modo, após ter os seus embargos de declaração rejeitados pela Turma Recursal, o Facebook interpôs recurso extraordinário, defendendo a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, que originou o Tema 987, alegando violação aos incisos II, IV, IX, XIV e XXXV, do art. 5º e ao art. 220, caput e §2º, da CRFB/88, os quais asseguram as garantias da liberdade de manifestação e expressão, da vedação à censura, do direito à informação e os princípios da legalidade e da reserva de jurisdição.
O STF reconheceu a repercussão geral do caso, entendendo que haveria que se definir se, à luz dos princípios constitucionais e da Lei 12.965/14, a empresa provedora de aplicação de internet possui os deveres de (i) fiscalizar o conteúdo publicado nos seus domínios eletrônicos; (ii) de retirar do ar informações reputadas como ofensivas mediante simples notificação extrajudicial; e (iii) de se responsabilizar legalmente pela veiculação do aludido conteúdo antes da análise pelo Poder Judiciário.
Assim, o STF decidirá acerca da constitucionalidade do art. 19 da Lei 12.965/14, o qual determina que, para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros, é necessário que haja prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo.
A discussão desse tema não é simples. Há os que defendem que a necessidade de que todos os pedidos de remoção de conteúdo sejam levados ao Poder Judiciário não parece razoável e efetiva, eis que cria um ônus excessivo ao usuário, que precisa ingressar com uma ação judicial, muitas vezes demorada.
Por outro lado, a retirada de conteúdos e exclusão de perfis somente por parte dos provedores de internet também não parece razoável, tendo em vista que os provedores, com medo de responsabilização civil, podem querer retirar todos os conteúdos denunciados do ar, criando uma censura prévia e de natureza privada.
Nesse caso, pode parecer que há um conflito entre o princípio constitucional da vedação à censura e da liberdade de expressão e os direitos à privacidade, intimidade, honra e à imagem. No entanto, não há que se falar em violação à liberdade de expressão quando há cometimento de crimes ou quando uma pessoa se utiliza de um perfil não identificado para denegrir a imagem de outras pessoas e até mesmo da pessoa por quem está se passando.
Assim, no caso concreto que originou o Tema 987, a solução não dependia de uma ponderação de direitos, uma vez que se estava diante de um perfil falso criado com o objetivo de se passar pela sra. Lourdes e insultar pessoas próximas a ela, bem como denegrir a sua imagem.
Logo, não há que se falar em liberdade de expressão da pessoa que criou o perfil falso, não sendo necessária uma apreciação judicial, pois não havia direitos em conflito. Em casos como esses, por exemplo, o Facebook poderia ter excluído a conta, a partir das denúncias da sra. Lourdes de que aquele perfil não era dela, sem necessidade de ordem judicial.
E, ainda, nesses casos em que o cometimento de crime é notório ou que o perfil não é identificado, não é razoável que haja a obrigatoriedade de uma decisão judicial determinando a exclusão da publicação ou do perfil, e, assim, que o usuário tenha que ingressar com uma ação judicial para que ocorra a retirada.
Isso porque as plataformas de redes sociais já realizam uma análise sobre conteúdos e publicações que ofendem as diretrizes da plataforma, por exemplo. Logo, os provedores de internet já possuem legitimidade para analisar as publicações e retirá-las da plataforma.
Criar um perfil não identificado para denegrir a imagem de outras pessoas não viola as diretrizes da plataforma? É inegável que sim.
Não obstante, em casos de evidente ocorrência de crime, ameaça aos direitos da personalidade, ou quando o perfil é claramente não identificado, é possível que os provedores de internet possam retirar a publicação ou excluir o perfil sem necessidade de ordem judicial, tendo em vista que não há liberdade de expressão nesses casos, logo, não há conflito de direitos fundamentais.
Os provedores de internet devem prevenir a violação aos direitos fundamentais, e com isso, retirar os conteúdos que são notoriamente falsos, fraudulentos, antidemocráticos ou violadores de direitos fundamentais, principalmente quando realizados por contas não identificadas.
Assim, o Judiciário ficaria responsável por ordenar a retirada ou exclusão quando ocorresse fundada dúvida sobre o teor do conteúdo e não em quase todas as hipóteses, como é hoje, ressalvados alguns casos, como a retirada de publicações de imagens, vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, sem autorização de seus participantes, em que os provedores de internet já possuem o dever de retirar sem ordem judicial, nos termos do art. 21 da Lei 12.965/14.
Ou seja, não estariam os provedores de internet obrigados a fiscalizar toda e qualquer informação que é publicada ou compartilhada pelos usuários, uma vez que seria um ônus excessivo, podendo colocar em risco a liberdade de expressão. Entretanto, poderiam retirar ou excluir as publicações sem respaldo no exercício da liberdade de expressão, como nos casos em que ocorrem diversas denúncias dos usuários, prática de ilícitos e compartilhamento de informações notoriamente equivocadas ou vexatórias.
Assim, o provedor de internet não realizaria uma análise sobre todos os conteúdos compartilhados e publicados em sua plataforma, mas, a partir de uma denúncia interna, por exemplo, e comprovado que aquele conteúdo é ilícito, ofensivo ou falso, possui o dever de retirar da plataforma o conteúdo, sem necessidade de ordem judicial.
O tema da responsabilização dos provedores de internet é motivo de discussão em todo o mundo. Na Alemanha, em 2018, foi aprovada a Lei de Vigilância das Redes, em que há normas atribuindo aos provedores de aplicação da internet o dever de remover conteúdo manifestamente criminoso no prazo de 24 horas, contadas da denúncia unilateral de internautas, sob pena de multas. Caso não haja crime manifesto, o prazo estende-se para sete dias.
Já nos Estados Unidos, neste ano, a Suprema Corte julgou dois casos envolvendo a responsabilização dos provedores de internet por publicações de usuários.
No caso Gonzalez vs. Google, a família de Nohemi Gonzalez, que foi morto em Paris em 2015, tentou responsabilizar o Google, que é dono do YouTube, alegando que as mensagens da facção terrorista Estado Islâmico foram comunicadas por meio daquele canal, argumentando que a imunidade da Seção 230 da Lei de Decência das Comunicações não protegeria as empresas de mídia social da responsabilidade de ajudar e incitar terroristas sob a Lei Antiterrorismo.
A Seção 230 da Lei de Decência das Comunicações, criada em 1996, protege os provedores de serviços de internet de serem responsabilizados por qualquer conteúdo postado por terceiros em suas plataformas, sendo uma hipótese de imunidade dada aos provedores de internet. Desde 2020, o Congresso dos EUA apresentou vários projetos de lei para revogar ou reescrever a Seção 230.
Nesse sentido, no referido caso Gonzalez vs. Google, a corte deveria julgar se as recomendações direcionadas pelos algoritmos de uma empresa de mídia social estariam fora da responsabilidade da Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, pois elas equivaleriam a uma espécie de "editorialização".  No entanto, entendeu a Suprema Corte que não precisaria resolver a questão porque, de acordo com a decisão em Taamneh vs. Twitter, a maioria dos argumentos dos queixosos sobre a responsabilidade por ajudar terroristas falharia.
Em Taamneh vs. Twitter, julgado na mesma oportunidade que  o caso anterior, os parentes americanos de um homem que morreu no ataque na boate Reina, em Istambul em 2017, também tentaram responsabilizar as empresas de mídia social por ajudar e estimular o terrorismo, sob o argumento de que os provedores de internet ajudaram a espalhar o conteúdo do Estado Islâmico por meio de algoritmos de recomendação.
Contudo, a Suprema Corte decidiu que as empresas de mídia social não teriam ajudado ou estimulado um ataque terrorista do Estado Islâmico somente porque seus algoritmos recomendaram o conteúdo ou falharam em remover o conteúdo que recrutou membros e espalhou mensagens terroristas.
Desse modo, a corte decidiu que a hospedagem de conteúdo terrorista pelas empresas de mídia social, a falta de ação na remoção de seu conteúdo e os algoritmos que recomendaram seu conteúdo não foram suficientes para mostrar que ajudaram e instigaram os terroristas no ataque. Ou seja, para os juízes não ficou demonstrada uma relação de causalidade entre as publicações e os fatos relativos aos atos terroristas.
Nos Estados Unidos, a tendência maior é pela proteção à liberdade de expressão, a fim de evitar o chilling effect, que, na tradução livre, é o efeito inibidor, ou seja, a inibição ou desencorajamento do exercício de direitos legais pela ameaça de sanção legal. Já em países da Europa, como na Alemanha, em razão do legado da traumática experiência nazista, há um maior limite à liberdade de expressão.
Resta saber se o STF adotará o entendimento da Suprema Corte dos EUA, de que os provedores de internet não devem ser responsabilizados pela tolerância a abusos, ou se acompanhará a legislação alemã, entendendo que os provedores possuem o dever de remover conteúdo manifestamente criminoso, sem necessidade de ordem judicial.
Ou ainda, é possível que o STF adote um posicionamento intermediário, não exigindo que os provedores de internet fiscalizem e façam juízo de valor acerca dos conteúdos postados sem necessidade, mas também permitindo simples notificação do usuário interessado para que o conteúdo seja retirado das redes sociais.
Os provedores de internet devem promover a liberdade de expressão por meio de suas plataformas, mas, em simultâneo, precisam combater conteúdo ilícito, danoso, falso ou antidemocrático; afinal, a internet não pode ser uma “terra sem lei”.
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GUIMARÃES, Arthur. Suprema Corte dos EUA dá vitória a plataformas em caso sobre conteúdo de terceiros. 2023. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/suprema-corte-dos-eua-da-vitoria-a-plataformas-em caso-sobre-conteudo-de-terceiros-19052023
The First Amendment Encyclopedia. Communications Decency Act and Section 230 (1996). Disponível em: https://mtsu.edu/first-amendment/article/1070/communications-decency-act-and-section-2 30
The First Amendment Encyclopedia. Gonzalez v. Google (2023). Disponível em: https://mtsu.edu/first-amendment/article/2246/gonzalez-v-google
The First Amendment Encyclopedia. Twitter v. Taamneh (2023). Disponível em: https://mtsu.edu/first-amendment/article/2244/twitter-v-taamneh

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JOTA

STF acompanhará o entendimento da Suprema Corte dos EUA?

A responsabilidade dos provedores de internet sobre conteúdo de terceiros

STF acompanhará o entendimento da Suprema Corte dos EUA na questão da responsabilidade dos provedores sobre conteúdo de terceiros?