Bolívar Moura Rocha

Há um ano, exatamente, escrevi este artigo, que decidi não enviar para publicação porque pareceu, com mais reflexão, precipitado. Não era. Aí vai o texto.
É possível que estejamos próximos de um processo de impeachment - que, se exitoso, levará Michel Temer ao Palácio do Planalto. Esse desfecho agrediria o bom senso: como pode o Vice, ele próprio beneficiário direto do desvio que teria derrubado Dilma Rousseff, herdar a Presidência da República?
Vamos por partes. É possível que o carreamento criminoso de dinheiro da Petrobras para o PT seja uma invenção coletiva de Paulo Roberto, Youssef e Barusco - os próximos passos da Operação Lava-Jato dirão. Supondo, no entanto, que a massa de provas engrosse em lugar de dissipar-se, como tudo indica que ocorrerá, será inevitável a abertura de processo de impeachment.
Esse será o caso ainda que a Presidente alegue ignorância dos atos criminosos - o que corresponde a admitir que nunca se interessou por conhecer a origem de meio bilhão de reais carreados para o partido pelo qual, por duas vezes, elegeu-se Presidente da República. É que para a caracterização dos crimes de responsabilidade de que tratam a Constituição Federal e a lei do impeachment basta a culpa, ou negligência; não é necessário que tenha havido dolo, ou intenção, por parte da Presidente.
Na verdade Dilma sequer poderá valer-se da alegação de que desconhecia os fatos. A legislação eleitoral prevê expressamente que o candidato é solidariamente responsável, ao lado do tesoureiro do partido, pela veracidade das informações financeiras e contábeis da campanha. Trata-se da mesma lei que veda o recebimento de recursos (lícitos, que dirá de origem criminosa) de empresas concessionárias de serviços públicos.
O Presidente da Câmara declarou que não dará seguimento a eventual pedido de impeachment, porque os fatos que o justificariam teriam ocorrido em mandato anterior. A depender da pressão que sofra, ele não hesitará em superar esse aspecto formal. Ambientes de comoção política fazem saltar das páginas dos livros de direito para o mundo real o tão comentado caráter político do processo de impeachment. Em 1992 fui expectador privilegiado desse fenômeno, na qualidade de assistente informal de meu pai, advogado de Fernando Collor em seu julgamento no Senado.
O impeachment não avançaria, comenta-se também, porque a perspectiva de uma presidência moribunda e dependente representa o cenário ideal para o PMDB. Há lógica aí, mas penso, uma vez mais, que ela tenderia a ser atropelada pela virulência da indignação. Com efeito, poderia haver maior atentado à legitimidade das eleições presidenciais que a brutal transferência criminosa de dinheiro da Petrobras para o PT, e seu emprego na campanha?
Mas e Michel Temer? Seria chocante ver a Presidente afastada em razão desses fatos; e fazer de seu companheiro de chapa, também beneficiário dos recursos desviados, seu sucessor. Nas ações fundadas no direito eleitoral, a queda do chefe do executivo por violação a regras de financiamento de campanha arrasta também o vice. É o que manda o senso de justiça.
Caso assuma a Presidência, Temer deveria renunciar. Essa ideia soará lunática – quem concebe um político abandonar a Presidência da República precisamente quando esta lhe cai no colo? Talvez não o seja. Aos olhos do Vice, a perspectiva de tornar-se, ele próprio, a partir do primeiro dia de seu mandato e com todo o vigor, objeto do interesse da imprensa, ministério público e judiciário, fará a hipótese assumir contornos menos absurdos. A renúncia permitiria a escolha do governo por meio de eleições diretas não comprometidas. Teria a vantagem adicional de afastar a acusação de golpismo que acompanha qualquer discussão sobre impeachment: o próprio PT poderia, naturalmente, disputar novamente a Presidência.
Impeachment seguido de renúncia, ou dupla renúncia. Trata-se de perspectiva tão improvável quanto traumática, pelo que representaria de convulsão política. Talvez seja o preço a ser pago, no entanto, para purgar a podridão generalizada que alcançou nossa democracia representativa.

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JOTA

Esse é preço a ser pago para purgar a podridão generalizada que alcançou nossa democracia representativa

A renúncia de Michel Temer

Esse é preço a ser pago para purgar a podridão generalizada que alcançou nossa democracia representativa