Rafael Henrique Fortunato

Em 2016, em face da grave crise econômico-financeira havida, as concessionárias de serviço público ingressaram no judiciário requerendo a renegociação dos contratos de concessão.
Recentemente, a pandemia de Covid-19 provocou a mesma reação por parte dos concessionários de serviços públicos. Como decorrência, houve queda drástica das receitas, o que levou a um agravamento de seus passivos regulatórios.
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Com efeito, a queda na demanda desses serviços fomentou duas importantes discussões: uma em torno da impossibilidade da continuação da sua prestação de forma adequada e outra sobre o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Para alguns desses contratos, o reequilíbrio econômico-financeiro da equação não será capaz de solucionar o problema de concessões inviáveis<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> (expressão utilizada pelo professor Marçal Justen Filho), o que fatalmente levará a uma precarização da prestação dos serviços públicos e à consequente imputação da pena de caducidade ao concessionário.
Assim, tendo em vista a crise de 2016 e a sua capacidade de desestruturar os contratos de parcerias, a Administração Pública julgou necessária a criação de uma nova realidade institucional para lidar com o problema financeiro que as concessionárias enfrentavam e que levaria fatalmente ao default dos seus contratos. Nesse contexto, foi criado o instituto da Relicitação, para possibilitar a extinção amigável de contratos de parceria.
A Relicitação é, pois, um mecanismo que tende a afastar o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Esta mensagem é reforçada no art. 14, caput, da Lei, ao dispor que “a relicitação de que trata o art. 13 desta Lei ocorrerá por meio de acordo entre as partes, nos termos e prazos definidos em ato do Poder Executivo”. Nela há uma redução da distância negocial entre o Poder Concedente e a concessionária, com o objetivo principal de assegurar a continuidade da prestação dos serviços.<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
<blockquote class="jota-article__eye">O mecanismo surge para acrescer, ao arcabouço normativo das agências, mais uma forma de horizontalizar sua relação com o privado, legitimando a negociação do exercício da prerrogativa imperativa da autoridade reguladora, fomentando um profícuo ambiente ao desenvolvimento da regulação consensual.</blockquote>
No entanto, apesar da importância do instituto da Relicitação, há de se considerar os seus  efeitos econômicos, seja porque ela gera externalidades positivas, uma vez que torna as concessões públicas mais atrativas e facilita, com isso, a entrada de novos investidores, seja porque gera um risco moral (moral hazard) para o poder público, já que a todo tempo o concessionário pode fazer a conta financeira de qual seria o melhor momento para saída do contrato, que não necessariamente será aquele previsto no edital para o término da concessão.
Neste sentido, os futuros concessionários podem se aventurar em contratações nas quais não tenham expertise ou capacidade, contando que, diante da sua “inviabilidade”, possam valer-se de um término consensual.
A Lei nº 8.987, de 1995, previu a caducidade como ferramenta para extinção contratual advinda da inadimplência do concessionário. A declaração de caducidade, por sua vez, pode trazer, além do estigma do fracasso ao gestor que executou o processo, um considerável prejuízo à sociedade, que deixará de ter o serviço adequadamente prestado durante o curso do processo.
Assim, o processo de Relicitação, de acordo com a sua exposição de motivos (EMI n.º 00306/2016 MP MTPA da MP n.º 752/2016), é uma “alternativa inovadora de 'devolução coordenada e negociada' da concessão, evitando-se o processo de caducidade, muitas vezes moroso e com longa disputa judicial, em que, normalmente, os usuários da concessão são os principais penalizados pela má prestação do serviço até a conclusão do processo”.
É inegável que o surgimento do instituto traz uma sofisticação da matriz de risco dos contratos de parcerias - a partir da sua introdução no ordenamento jurídico, o investidor tem no seu menu de opções uma saída menos traumática do contrato de concessão.
Sempre bom lembrar que a excessiva alocação de riscos na parte privada pode comprometer o projeto ou mesmo reduzir o número de licitantes. Por sua vez, uma alocação equivocada pode levar a renegociações contratuais ou ao término antecipado do contrato. Por esse motivo, os riscos devem ser suportados pela parte mais capaz de gerenciá-los, ou ainda, segundo Grimsey &amp; Lewis, deve-se considerar a parte com melhor acesso a instrumentos de cobertura, maior capacidade para diversificação e o menor custo para suportá-los.<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
O contexto da crise econômica atual revelou a impossibilidade de se buscar a completude contratual, a complexidade dos contratos de infraestrutura associada ao tempo de sua duração torna impossível a celebração de contratos nos quais as partes possuam todas as informações na partida, dividam todos os riscos de forma objetiva e não estejam sujeitas à fatores imprevisíveis, capazes de alterar o seu equilíbrio inicial.
O professor João Maurício Adeodato afirma que existe um abismo gnoseológico entre o evento real, o pensamento e a expressão linguística, esse abismo é ainda maior no mundo da estruturação de projetos de infraestrutura, onde aquilo que foi idealizado se distanciará do desenho do projeto e mais ainda do disposto no contrato.
Essa “incompletude” deliberada dos contratos de concessão, expressão utilizada pelo professor Marcos Nóbrega, está ligada ao princípio da atualidade, consagrado no artigo 6º, §2º, da Lei nº 8.987/1995. Deliberadamente, são deixadas lacunas quando os custos dessa previsão em conjunto com a improbabilidade de ocorrerem superam àqueles de se permanecer silente ou porque as partes realmente não previram a possibilidade de o risco se verificar.<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> Esses fatores irão se traduzir na teoria econômica dos contratos incompletos — incomplete contract theory.
Nesses termos, o surgimento do instituto da Relicitação foi importante para revelar à Administração Pública a necessidade de se pensar em soluções inovadoras e ao mesmo tempo consensuais, capazes de transmitir segurança jurídica ao gestor que irá se deparar com os graves problemas decorrentes das crises econômico-financeiras.
O regime geral anterior à Lei no 13.448, 2017, dispunha de um cardápio mais restrito para enfrentar os problemas de default contratual. O surgimento do instituto da Relicitação trouxe um componente econômico relevante para a tomada de decisão do poder público. Decidir entre aplicar a pena de caducidade, reestruturar o contrato e levá-lo novamente a licitação, ou relicitá-lo acarretará impactos socioeconômicos que devem ser ponderados, inclusive sob a perspectiva do risco moral (moral hazard) que essa decisão pode gerar.
Várias questões surgiram e irão surgir com o instituto da Relicitação que, pela sua atualidade, complexidade ou mesmo pela carência de doutrina e jurisprudência, fazem com que o tema mereça um aprofundamento por parte dos operados do direito.
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<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Utiliza-se termo do Prof. Marçal Justen Filho, que definiu que em determinadas situações o prosseguimento da concessão seria inviável. A inviabilização da concessão de serviço público e o cabimento de sua extinção. In Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, vol. 26, set./out., 2016.
<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> VASCONCELOS, Adalberto Santos de. Relicitação: comentários sobre a lei 13.448/2017, in: https://www.agenciainfra.com/blog/relicitacao-comentarios-sobre-a-lei-13-448-de-2017/. Acesso em 10 de maio de 2020.
<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> GRIMSEY, D. &amp; LEWIS, M. K. (2002) Evaluating the risks of public private partnerships for infrastructure projects. International Journal of Project Management, v. 20, n.2, p. 107–118.
<a href="applewebdata://C3C757EF-1541-41CE-9DCC-0347399A8191#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> NÓBREGA, Marcos. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 7, n. 25, abr./jun. 2009.

Contrato

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JOTA

Relicitação é, pois, um mecanismo que tende a afastar o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado

A relicitação dos contratos de parceria

Relicitação é, pois, um mecanismo que tende a afastar o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado