Gabriel Pinheiro Chagas

Buscando se adequar às disposições da nova <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-licitacoes">Lei de Licitações</a>, o município de São Paulo editou o <a href="https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-62100-de-27-de-dezembro-de-2022">Decreto 62.100</a>, de 27 de dezembro de 2022, em que aponta as diretrizes para os processos de contratações públicas no âmbito de sua competência.
Embora a regulamentação municipal reproduza, em grande medida, os comandos da Lei 14.133/21, alguns pontos do decreto destoam da essência da lei e da própria regulamentação federal já produzida, já que deixa de abordar alguns dispositivos fundamentais para a eficácia do novo regime licitatório.
Nesse ponto, chama a atenção o esvaziamento do critério de julgamento por técnica e preço, que apesar de estar detalhado na legislação federal foi tratado de maneira lacônica pela regulamentação municipal, abrindo uma possiblidade interpretativa de que a composição da nota técnica e seus requisitos de avaliação seriam de competência discricionária por parte do gestor.
Examinando o inciso II do art. 37 da Lei 14.133/21, que aborda os requisitos de composição das notas técnicas a serem atribuídas pela banca de avaliação, percebe-se que o legislador elencou os seguintes critérios mínimos a serem observados: (i) demonstração e conhecimento do objeto; (ii) metodologia e programa de trabalho; (iii) qualificação das equipes técnicas e (iv) relação dos produtos que serão entregues.
A leitura do dispositivo não permite concluir que os requisitos são de aplicação isolada ou discricionária, já que não faz qualquer ressalva acerca de uma utilização dos critérios declinados. Isso leva à constatação de que todos os quesitos estabelecidos devem ser aplicados concomitantemente no momento da composição da nota das propostas técnicas submetidas a julgamento, dada a falta de alternativas ou variações a respeito da forma de aplicação daqueles critérios.
Essa interpretação é reforçada pela <a href="https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-mgi-no-2-de-7-de-fevereiro-de-2023">Instrução Normativa 2</a>, de 9 de fevereiro de 2023, editada pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que estabelece em seu art. 13 que o edital com critério de julgamento por técnica e preço deverá conter, no mínimo, a composição da nota na proporção prevista em lei e os procedimentos para a ponderação e a valoração da proposta técnica representados pelos critérios de avaliação previstos no art. 37, inciso II da Lei 14.133/21<a href="#_ftn1" name="_ftnref3">[1]</a>.
Tanto a lei quanto a regulamentação federal têm como cerne o reconhecimento de que os critérios de avaliação da proposta técnica são de aplicação conjunta, o que vincula os demais entes federativos a adotarem o mesmo parâmetro de cômputo das notas no julgamento por técnica e preço, em função do caráter geral da lei de licitações.
No entanto, diferentemente do que se consolidou na própria lei e na regulamentação federal, o Decreto 62.100/22 do município de São Paulo se limita a dizer que “o edital poderá estabelecer pontuação mínima para as propostas técnicas (art. 44, §2º)”, deixando de indicar qualquer critério no cômputo das notas técnicas, em uma conclusão diversa com o que se extrai da lei geral.
É perceptível o esvaziamento da técnica e do preço no âmbito da regulamentação do município de São Paulo em comparação com o que determina a Le 14.133/21, à medida que o decreto cria uma nova competência discricionária ao excluir qualquer critério objetivo e vinculativo da estrutura da nota técnica, o que permite ao gestor municipal atribuir notas a partir de seus critérios pessoais ou em padrões insuficientes para se apurar a capacidade técnica do licitante.
A nota técnica é fundamental para o êxito de uma licitação na modalidade técnica e preço. Sua composição deve ocorrer a partir dos critérios mínimos já estabelecidos em lei, sem que a existência de cada um deles em edital seja uma faculdade do gestor, como se denota da redação do Decreto 62.100/22.
Somente a partir de elementos objetivos e previamente estipulados de pontuação se consegue apurar, sob o ponto de vista técnico, se aquela proposta é adequada ao objeto do certame. Justamente em razão disso, o legislador estabeleceu os quatro critérios mínimos que devem ser observados pela banca de avaliação, os quais devem vincular a atuação do avaliador no que concerne à atribuição das notas técnicas.
Tais critérios mínimos e vinculativos deixaram de constar do decreto paulistano, desnaturando não só a essência da lei geral acerca da técnica e preço, como potencializando o risco de firmar contratações falhas e inseguras do ponto de vista técnico, caso as notas técnicas não obedeçam a um padrão objetivo de quesitos a serem pontuados.
O Decreto 62.100/22 precisa ser revisto quanto à forma de atribuição das notas técnicas, a fim de garantir não apenas sua adequação à norma geral, mas também contratações públicas mais eficazes e menos arriscadas para o município de São Paulo.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a><a href="#_ftnref1" name="_ftn3">[1]</a> Em texto anterior, submetido à consulta pública, a Instrução Normativa dizia que os critérios previstos no inciso II do art. 37 da Lei 14.133/21 deveriam ser aplicados “conforme o caso, denotando uma possibilidade de serem considerados parcialmente. Após o encerramento da consulta pública, a expressão foi retirada do texto, deixando-o de acordo com a essência da lei.

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JOTA

Município edita Decreto 62.100, que deixa de abordar dispositivos fundamentais para eficácia do novo regime licitatório

A regulamentação da nova Lei de Licitações em São Paulo

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