Felipe Tavares

Cintia Leal M. de Araújo

Desde a aprovação do Novo Marco do Saneamento, Lei nº 14.026/2020, a regulação econômica dos serviços de água e esgoto tomou notoriedade jamais vista. Toda essa repercussão sobre o tema possui diversos fatores causais, sendo eles integralmente ou parcialmente atribuídos à evidência que o setor tomou com a promulgação da nova lei.  
O Novo Marco do Saneamento identificou como um dos principais gargalos o baixo nível de atendimento de esgoto e água da população brasileira, com índices globais de 56% em esgoto e 85% em água. Outro ponto crítico que o Novo Marco do Saneamento identificou foi o ambiente regulatório heterogêneo no Brasil. 
Para endereçar os gargalos citados, a nova legislação definiu metas de universalização até 2033 e atribuiu à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>) o papel de editar Normas de Referência para o setor de saneamento básico brasileiro. 
Dados os recentes projetos de concessão e privatização, abriu-se uma grande discussão a respeito dos modelos regulatórios, seja ele contratual ou discricionário, e o possível peso que cada modelo possui sobre a geração de valor nos projetos. 
O modelo de regulação contratual tem base teórica alicerçada na premissa de que os setores de infraestrutura não suportam a concorrência na prestação do serviço, uma vez que os setores são marcados por serem Monopólios Naturais. 
Dada a estrutura naturalmente monopolística no mercado, a busca pelo bem-estar da sociedade pela concorrência seria inviável. Assim, surgiu-se a ideia de ao invés de buscar a concorrência no mercado, buscar-se-ia a concorrência pelo mercado, garantindo a captura do bem-estar social já no ano todos contratos. 
Neste modelo, o papel do regulador é reduzido, pois o contrato passa a ser o acordo social que carrega as premissas de bem-estar, devendo estas serem preservadas e garantidas ao longo da vigência do contrato, pois quaisquer desvios em relação a esses parâmetros afetaria a capacidade de prestação do serviço com qualidade e, por sua vez, feririam o bem-estar social. 
O modelo contratual precifica a valor presente o bem-estar social estimado que seria gerado ao longo do contrato, sendo este benefício antecipado via redução de tarifas ou pagamento de outorgas. 
Por sua vez, modelo de regulação discricionária foi desenvolvido para uma situação em que se tem uma estrutura de custos operacionais ineficientes, em que o regulador tem a missão e o dever de buscar ao longo do tempo do contrato a convergência para uma estrutura de custos operacionais eficientes. Isto é, o regulador atua para garantir a convergência para a estrutura eficiente ao longo do tempo, onde o processo de maximização do bem-estar social é dado ao longo do período de vigência do contrato. 
Neste modelo, o regulador define um horizonte de estabilidade do contrato, sendo este o ciclo tarifário. O ciclo tarifário, portanto, representa o horizonte temporal de estabilidade da tarifa, ou na linguagem mais moderna, do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Ao final dos ciclos, o regulador revisa a forma como a tarifa é calculada e garante um novo horizonte de estabilidade tarifária, sendo este processo repetido periodicamente até o fim do contrato. 
Como pode ser percebido, a principal semelhança entre os modelos de regulação é a busca pelo bem-estar da sociedade, sendo esta busca focada na materialização de uma estrutura de custos operacionais eficientes, possibilitando serviços de qualidade com tarifas módicas para o usuário.  
No modelo contratual, bem-estar social é dado a valor presente. Já no caso discricionário, esse bem-estar é capturado de forma parcelada, ao longo dos ciclos tarifários.  
Portanto, o ponto é, em teoria, a sociedade ganha nos dois modelos, pois o bem-estar social é garantido. Mas as divergências ente os modelos é o que marca a divisão dos apoiadores dos modelos.  
No modelo contratual, como já mencionado, a estrutura regulatória é mais enxuta, pois todos os pontos de discussão estão descritos no contrato, inclusive os pontos imprevisíveis, pois a matriz de riscos visa endereçar o comportamento das partes nos casos que podem afetar o contrato, mas que são imprevisíveis. 
Além da matriz de riscos, podem existir outros mecanismos contratuais para discutir periodicamente alguns pontos do contrato, inclusive parâmetros que podem afetar a tarifa, como é o caso das Revisões Ordinárias previstas nos novos contratos do BNDES. 
Já no caso do modelo discricionário, todos os componentes que afetam o equilíbrio econômico-financeiro da operação são revisitados periodicamente. De forma mais simples, é como se a tarifa fosse desmontada e montada de tempos e tempos, sendo o horizonte de estabilidade o ciclo tarifário. 
Nesse caso, são postas diversas metodologias e procedimentos de revisão, podendo citar: Custos Operacionais, Custo de Capital, WACC, Receitas Irrecuperáveis, Perdas Aparentes e Não Aparentes (o nome pode variar dado o setor), dentre outros tópicos. 
Esse modelo exige uma atuação maior do regulador e dos operadores ao lidar com todas essas metodologias, passando a ser o coração da operação, pois toda a viabilidade da operação é rediscutida nesses momentos de revisão. Desta forma, caso algo fique fora do lugar, por todo o ciclo tarifário o operador terá que viver com esse ônus, podendo inclusive inviabilizar a operação. 
Assim, criado um ambiente tão complexo e repleto de metodologias e regras a serem calibradas periodicamente com técnicas de fronteira do conhecimento acadêmico, a função objetivo do operador deixa de ser prestar serviço para a população, mas sim contar com um time de especialistas que consegue provar por modelo matemático/estatístico que a receita regulatória deve ser igual a X. 
O ambiente de incertezas gerado por essa regulação complexa e imprevisível é o que faz o modelo contratual ser a saída para acalmar os ânimos dos investidores que precisam analisar a capacidade de geração de valor dos projetos no longo prazo. 
Isso não quer dizer que o modelo contratual seja perfeito, pois a busca por um modelo mais rígido, onde o rito de interação entre titular e operador se torna todo contratualizado, também gera custos de transação para os operadores.  
Dessa forma, observa-se que existe mais de uma forma de estabelecer a regulação do serviço, e que ela vai depender basicamente do tipo da prestação do serviço (prestação direta, contratos de programa ou contratos licitados), bem como da maturidade regulatória.  
Cada um desses modelos têm suas vantagens e desvantagens. O modelo de regulação discricionária é mais complexo, e demanda uma atuação intensa do regulador, mas que por outro lado, se bem implementado, garante que ajustes sejam feitos na metodologia e que o operador seja sempre incentivado na busca dos custos eficientes. Por outro lado, o modelo de regulação contratual tem a vantagem de ser mais simples, de mais fácil implementação e garante uma maior previsibilidade, incentivando a concorrência no setor que opta por essa metodologia, por outro lado, dificulta ajustes ao longo do tempo, e caso grandes mudanças de tecnologia e novos ganhos de eficiência sejam obtidos, não haverá compartilhamento com a sociedade. 
Mesmo com todos os custos de transação, o modelo contratual ainda se mostra uma saída a maximização da atração de capital para as operações de infraestrutura, pois os custos acarretados com a incerteza e insegurança regulatória é maior do que os custos de transação que o modelo contratual pode trazer. Além disso, um ponto central que deve ser observado é a grande necessidade de capital a ser investido e a importância da atratividade do setor e concorrência entre potenciais interessados para que tenhamos os investimentos necessários à universalização. 
Os desafios do saneamento básico são enormes, especialmente se quisermos realmente cumprir a meta trazida pelo Novo Marco do Saneamento, de universalizar os serviços de água e esgoto até 2033. Para tal, sabemos que precisamos investir cerca de R$ 750 bilhões nessa década que segue e sem que haja segurança em relação às regras do jogo e estabilidade regulatória, jamais alcançaremos esse objetivo.

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JOTA

Dados os recentes projetos de concessão e privatização, abriu-se uma grande discussão sobre os modelos regulatórios

A regulação econômica do saneamento e a geração de valor nos projetos

Dados os recentes projetos de concessão e privatização do saneamento, abriu-se uma grande discussão sobre os modelos regulatórios