Pergunte ao professor

A redução salarial da MP 936/20 prejudica comissionistas mistos?

Como evitar o êxodo de talentos, já que haverá diminuição da parte fixa recebida pelos profissionais?

insignificância, MP
Vitrine de loja de roupas (Crédito: Pixabay)

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  # pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 30 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► Como fica a hipótese de redução salarial prevista na MP 936/20 no caso de comissionistas mistos. Como fazer para evitar o evitar o êxodo de talentos?

Resposta ► Com a palavra, o Professor André Gonçalves Zipperer

Após o Decreto Legislativo nº 6, de 20.3.2020, que reconheceu estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, diversas alterações legislativas na área trabalhista eram esperadas, de forma a se minimizar impactos econômicos originados pela paralisação total ou parcial de diversas atividades. Paralisações estas que se pautam na preservação de bem maiores: saúde pública e a vida.

Após a tentativa frustrada de prever suspensões de contratos prevista na MP 927/2020 (22.3.2020), que foi revogada pela MP 928/2020 (23.3.2020), em 1º de abril veio a MP 936/2020, mais detalhada, que possibilitou a redução de salário e jornada, bem assim a suspensão de contratos. Importante mencionar o tripé em que se sustenta a referida Medida Provisória: (i) preservar o emprego e a renda; (ii) garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e (iii) reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Atentando para o fato de que a preservação é da renda do trabalhador, permitindo que, de alguma forma, ele receba valores, as novas regras instituíram o chamado Benefício de Preservação do Emprego e da Renda a ser pago tanto nos casos de redução de salário e jornada (máximo de 90 dias), quanto em casos de suspensão contratual (máximo de 60 dias, que podem ser fracionados em dois períodos de 30 dias).

Referido benefício deve ser pago com recursos da União Federal e tem como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. Insta frisar que o benefício não tem como pressupostos para sua concessão qualquer período aquisitivo, tempo de vínculo empregatício ou mesmo número de salários recebidos.

É certo que o benefício, levando-se em conta a base de cálculo mencionada, tem como valor: (i) no caso de redução salarial, o percentual desta (que pode ser exclusivamente de 25%, 50% ou 70%); (ii) em caso de suspensão do contrato, pode ser 100% do valor do seguro-desemprego (utilizado apenas como referência) ou de 70% para o caso de empregados de empresas que em 2019 (ano-calendário) tiveram receita bruta superior a quatro milhões e oitocentos mil, pois, em tais casos, o empregador fica obrigado a pagar uma ajuda compensatória mensal no montante de 30% do salário do empregado. Esta ajuda compensatória, aliás, tem natureza indenizatória para fins trabalhistas (ou seja, não integra o cálculo de outras parcelas, tal como FGTS), não integra base de cálculo de IR, nem INSS e demais tributos que incidem sobre a folha. E, finalmente, pode ser excluída do lucro líquido para fins de IR da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre este lucro, no caso de pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real. De bom tom lembrar, outrossim, que esta ajuda compensatória, fora a hipótese citada, em que o empregador é obrigado a efetuar seu pagamento, pode ser estipulada para os outros casos de suspensão e redução salarial.

Dentro dos termos da MP, para os trabalhadores que recebem até R$3.135,00, a redução salarial e de jornada e a suspensão podem ser pactuadas por acordo individual escrito entre empregado e empregador. A mesma regra de acordo individual vale para aqueles trabalhadores chamados de hipersuficientes desde a Reforma Trabalhista, ou seja, aqueles com diploma superior e salário mensal igual ou superior a duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social. Para aqueles trabalhadores que ficam numa chamada faixa intermediária, quais sejam, aqueles que tenham salário superior a R$3.135,00 e menor que dois tetos do Regime Geral da Previdência Social – ou, ainda, mesmo com valor superior a dois tetos, mas sem diploma de nível superior, exceto redução de salário e jornada de até 25% -, é certo que as demais hipóteses de redução ou mesmo de suspensão necessitam de negociação coletiva. Ressalte-se que, observados os parâmetros já apontados em todo o texto, as estipulações podem ser por negociação coletiva. A MP, de toda sorte, trouxe a necessidade de, mesmo no caso de acordos individuais, estes serem comunicados ao sindicato laboral em dez dias de sua celebração.

A solução encontrada pelo Governo Federal foi elogiada principalmente por aqueles que recebem padrão remuneratório menor, mais próximo ao salário-mínimo. Afinal, para estes trabalhadores, o padrão salarial é praticamente mantido.

Há, no entanto, um determinado grupo de trabalhadores que tende a ser o mais afetado com esta solução que é aquele que tem uma parte maior de sua remuneração variável. É o caso dos comissionistas mistos, que recebem, além do salário fixo, uma parte da remuneração na forma de comissões sobre as vendas realizadas.

Em período de isolamento social e suspensão de atividades, em não havendo vendas, corolário lógico não haverá também o respectivo pagamento das comissões sobre elas. A Medida Provisória, no entanto, protege somente o salário-fixo.

Com efeito, o cálculo da redução da redução salarial possibilitada pela MP 936 trata tão-somente do salário-fixo, e não da remuneração variável, o que se justifica, justamente, pela ausência de vendas nesse período.

Isso acaba sendo um tanto perverso para os comissionistas mistos, pois a redução do padrão remuneratório é muito maior a se considerar, afinal, além de não haver vendas no período de ausência de negócios, ainda haverá uma redução salarial na parte fixa que poderá, ao final, não ser compensada pelo auxílio emergencial.

Ressalte-se que nem mesmo uma interpretação extensiva da expressão “benefício”, prevista no art. 8º, § 2º, I, da MP 936, poderia ser utilizada para manter o padrão remuneratório, eis que este se refere, basicamente, àqueles tratados pelo art. 468 da CLT, como refeições, cestas básicas e planos de saúde custeados pela empresa.

A interpretação também extensiva da expressão “salário”, enquanto remuneração total, também naufraga, não só pela ausência das vendas no período, quanto pela inviabilidade de critérios objetivos de cálculo da média a ser utilizada no período.

Em outros casos de suspensão do contrato de trabalho, como ocorre, v.g., com a licença gestante prevista na Constituição Federal, a legislação é expressa na manutenção do padrão remuneratório (fazendo menção à média dos últimos 6 meses do salário variável), conforme leitura dos artigos 392 e 393 da CLT. Não cabe, porém, neste caso, a ampliação da interpretação da lei que nada trata no particular.

Lado outro, as comissões pagas pelas vendas já realizadas antes do período de redução salarial ou suspensão do contrato de trabalho continuam sendo devidas, pois são exigíveis quando já ultimadas as transações a que se referem (art. 466 da CLT), além de haver expressa previsão contratual, devendo serem pagas no mês acordado.

A questão, no entanto, pode ser amenizada através da adoção pelas empresas da chamada ajuda compensatória mensal, prevista no art. 9º da MP 936, paga também por liberalidade da empresa, fora do modelo obrigatório. Segundo esse dispositivo, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória.

Este valor deverá ser aquele definido no acordo individual pactuado ou em negociação coletiva, tendo por conseguinte natureza indenizatória, de modo que não integrará a base de cálculo do imposto sobre a renda.

De mais a mais, como já foi dito alhures, tal montante não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários, além da base de cálculo do valor devido ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS,  podendo também ser excluído do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

Seria uma forma de estimular também a retenção de talentos na empresa, complementando de forma voluntária a remuneração destes profissionais para que os mesmos não sejam tão prejudicados.

Desta forma, procura-se preservar a saúde financeira de um profissional importante, retendo-o junto à empresa em momento de dificuldade, o que também pode beneficiá-la no futuro evitando a recontratação de novos profissionais que desconhecem os procedimentos internos, além de evitar gastos com treinamento.