Luiz Henrique Krassuski Fortes

Ana Carolina A. Caputo Bastos

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<li> Introdução: a democracia, a barbárie e o seu antídoto</li>
</ol>
Em dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de belo exercício de diálogo com as críticas da academia, da sociedade civil e até mesmo dos demais Poderes, aprovou uma das mais importantes modificações em seu regimento interno. A Emenda Regimental nº 58/2022<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, ainda não publicada, significou, antes de tudo, autocrítica e atuação propositiva em busca de correções na arena decisória da Corte (como sinalizado pela análise feita pelo JOTA<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>).
O fato de a Emenda Regimental ter sido fruto de deliberação colegiada – e praticamente unânime – também é digno de nota. A bem da verdade, procurou-se fazer um ajuste de rota quanto aos poderes monocráticos e de agenda (docket power) antes pulverizado entre os julgadores. E, ao mesmo tempo, desenhou-se um caminho procedimental para juízos monocráticos – a serem devolvidos automaticamente para análise do Plenário – capazes de outorgar a prestação de uma adequada, efetiva e tempestiva tutela da Constituição.
Na Emenda é possível ver dois grupos de reformas: de um lado, as mudanças (i) que preveem a regra de prevalência do colegiado (e.g. submissão automática das monocráticas à sessão subsequente ou reinclusão automática após pedidos de vista), e sobre as quais mais se tem falado; de outro, (ii) a reforma do Plenário Virtual que permite a deliberação sobre a existência ou não de Repercussão Geral (RG) no Recurso Extraordinário (RE), trazendo-o para um regramento mais próximo do existente para o Plenário Virtual para julgamentos de mérito na Corte<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Como se sabe, é uma antiga crítica à prática da Corte a inexistência de previsibilidade mínima quanto à duração concreta dos pedidos de vista, que muitas vezes se convertiam em “perdidos de vista”, arrastando-se por anos em razão de uma decisão individual e não do colegiado. A reforma impede que isso volte a acontecer, prestigiando uma dinâmica mais célere no processo decisório do STF. Ganham os jurisdicionados e, também, os demais atores do sistema de justiça que atuam perante o Tribunal. Afinal, apenas para ficar em um exemplo, as manifestações orais feitas pelos advogados e pela Procuradoria-Geral da República logo no início do julgamento, bem como os debates havidos entre os julgadores, permanecerão atuais<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
A tônica da reforma, portanto, é uma elegante sofisticação de práticas e a reforma institucional do Plenário da Corte, de modo a aumentar a democracia (deliberação interna e externa) do órgão colegiado a que a própria Constituição confiou a sua proteção. Os bons ventos de um convite democrático.
Veio, porém, o infame 8 de janeiro de 2023. A barbárie, vista ao vivo e com incredulidade por todos nós que já servimos na Suprema Corte e atuamos perante seus colegiados, partiu vidros e corações, mas não rompeu jamais com a esperança de concretização do projeto democrático e republicano estampado na Constituição. Tentou-se pôr abaixo o prédio; mostrou-se a solidez de sua estrutura, formada por pessoas imbuídas da nobre missão de guardar a Constituição.
Os órgãos deliberativos covardemente atacados em Brasília (Planalto, Câmara, Senado e Supremo) ostentam, cada um, as cores da nossa bandeira, concretizando simbolicamente a separação e harmonia de Poderes. Juntos carregam os anseios da nação, sua riqueza multicolorida, seus desafios, contradições e possibilidades de redenção.
O Plenário do STF, amarelo como nossa bandeira, estará pronto para a abertura do ano judiciário de 2023, reconstruído agora com especial significado. No retorno à normalidade dos trabalhos judiciários, cabe também pensarmos na outra reconstrução a que aludiu a Emenda Regimental nº 58/2022, e que constitui parte dos objetivos do plano estratégico de nossa Suprema Corte<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Assim, neste momento de reconstrução, é sobre a reforma do Plenário Virtual da RG que nos debruçamos neste artigo, de forma propositiva e democrática. Contra a barbárie que nada constrói, apenas há um antídoto: o aprimoramento da democracia e de suas instituições por meio do diálogo.
<ol start="2">
<li> O julgamento da preliminar de existência de RG e sua importância democrática e sistêmica</li>
</ol>
Como já sinalizamos em escritos anteriores<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, o RE é o instrumento processual mais democrático de acesso à Corte, bastando, para tanto, a demonstração pelo recorrente – e a aquiescência pelo Tribunal – de que as questões constitucionais veiculadas no recurso são dotadas de relevância e transcendência naquele momento histórico.
Assim, para além do interesse dos litigantes na solução do conflito, impõe-se o dever de se demonstrar a relevância da questão constitucional sob os prismas econômico, político, jurídico ou social. E, ao mesmo tempo, evidenciar como e o porquê de a discussão da questão constitucional pela Corte permitir o oportuno desenvolvimento do direito por meio da edição de um precedente constitucional sobre a matéria, revelando, assim, sua transcendência<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Esse fato mostra que há uma importante antessala ao julgamento de mérito do RE, em que se discute a idoneidade do instrumento processual por meio do qual se busca conduzir esse debate (i.e.: o acórdão recorrido e o recurso interposto possuem o grau de sofisticação factual e argumentativa necessária para se discutir a relevância e a transcendência da questão constitucional a ser debatida pelo STF?).
Ademais, a decisão sobre a RG, inclusive sobre sua inexistência, possui inúmeras implicações sistêmicas, podendo representar um importante instrumento de diálogo com a sociedade, como temos sustentando publicamente desde o final de 2018.
Afinal, uma decisão negativa de RG pode sinalizar que é necessário que o debate continue a se desenrolar na ambiência dos demais Poderes (diálogo inter poderes), ou, ainda, nas demais instâncias do Poder Judiciário, resolvendo conflitos sistêmicos (intra judiciário) sobre a competência para edição de precedentes sobre a matéria, decorrentes da natural sobreposição de funções entre o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ)<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>-<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Não obstante sua importância histórica, é fato que o Plenário Virtual para julgamento da preliminar de RG possui inúmeros gargalos democráticos em seu funcionamento, tais como a dificuldade de participação efetiva dos demais potenciais afetados pelo conteúdo decisório que produz<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Feito o registro, se é fato que, também em postura dialogal, o STF já vinha dando ótimos sinais na busca por trazer maior visibilidade à antessala procedimental da RG (e.g. o lançamento de nova página específica em seu site<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>, trazendo acesso mais rápido a inúmeras informações sobre o instituto), a Emenda Regimental nº 58/2022 surge como notícia alvissareira.
<ol start="3">
<li> Os bons ventos da Emenda Regimental nº 58/2022 e três propostas para a reconstrução do colegiado virtual da preliminar de RG</li>
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Como se pode perceber até aqui, está-se diante de uma oportunidade de ouro para aprimoramento democrático do principal instrumento de acesso ao STF. Feito o diagnóstico, de forma propositiva, temos três sugestões, duas de índole material e uma de processual quanto à edição das novas regras e funcionamento do Plenário Virtual da RG.
Em primeiro lugar, uma vez lançado o voto sobre a RG pela Relatora ou pelo Relator, que não tenha início imediato e automático a deliberação virtual entre os Ministros, mas seja disponibilizado um prazo que funcionaria como “vistas à sociedade” para o debate da questão.
O prazo da “vista social”, que poderia variar entre 5 (cinco) e 15 (quinze) dias úteis, deve ser pensado para viabilizar a participação espontânea da sociedade civil, pedidos de intervenção como amicus curiae de representantes adequados para a discussão da matéria e até mesmo manifestação sobre a desnecessidade ou inadequação de uma decisão do STF sobre o tema. A ideia, ao fim e ao cabo, é democratizar ainda mais a discussão sobre o acervo de questões constitucionais que estão pendentes de análise na Corte.
Em segundo lugar, seria importante que, tal como acontece atualmente com o julgamento no Plenário Virtual de mérito, seja possível o envio de sustentações orais pelos advogados das partes – e pelos amici curiae admitidos com tais poderes específicos – circunscrita, no entanto, não ao mérito da controvérsia, mas apenas e tão-somente sobre a relevância e a transcendência da questão constitucional específica posta no RE.
Por fim, e em terceiro lugar, sugere-se ao STF que permita um diálogo maior com a sociedade civil sobre a própria edição das regras que passarão a reger o Plenário Virtual da RG antes de elas entrarem em vigor. Isso pode se dar, por exemplo, por meio de audiência pública, convocação de especialistas na matéria, ou qualquer outro canal de democratização sobre a elaboração dessas balizas procedimentais do Plenário Virtual.
É certo que a resiliência de nossa Suprema Corte mostra que a democracia não foi abalada pela violência que testemunhamos no início de 2023. Que possamos colaborar para que a democracia processual constitucional saia ainda mais fortalecida neste momento de reconstrução dos Plenários.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em &lt;<a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=499670">https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=499670</a>&gt;. Acesso em 20 jan. 2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em &lt;<a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/o-que-muda-no-stf-com-a-nova-regra-para-devolucao-de-vista-28122022">https://www.jota.info/stf/do-supremo/o-que-muda-no-stf-com-a-nova-regra-para-devolucao-de-vista-28122022</a>&gt;. Acesso em 20 jan. 2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Como se sabe, o Plenário Virtual de mérito <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/stf-sugestoes-para-o-aperfeicoamento-do-plenario-virtual-06082021">merece aprimoramentos</a>, mas já é muito mais refinado em termos de possibilidade de participação social e accountability do que o veterano Plenário da preliminar de RG.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Tamanha poderia ser a demora na retomada do julgamento que, não raro, o STF admitia a renovação da sustentação oral, inclusive em razão de mudanças na composição da Corte.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Plano Estratégico da Gestão 2022/2023, Ministra Rosa Weber, 1ª Edição, 2022, p. 18: “Objetivo Estratégico 1 – OE1: Otimizar o processo decisório. Meta: Disponibilizar novo Plenário Virtual da Repercussão Geral no STF Digital, com vistas a modernizar o processo de trabalho e possibilitar maior publicidade e transparência quanto à afetação de temas ao plenário. Isso se dará por meio de nova arquitetura de solução em plataforma única, que permitirá a estruturação de dados, dentro do contexto da produção de temas no STF, e a evolução contínua em termos tecnológicos”. Disponível em &lt;<a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=499346">https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=499346</a>&gt;. Acesso em 20 jan. 2023.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em &lt;<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/decisoes-mais-importantes-do-stf-em-2020-das-quais-voce-nao-ouviu-falar-02022021">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/decisoes-mais-importantes-do-stf-em-2020-das-quais-voce-nao-ouviu-falar-02022021</a>&gt;. Acesso em 20 jan. 2023.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> FACHIN, Luiz Edson; KRASSUSKI FORTES, Luiz Henrique, Repercussão geral do recurso extraordinário: dever de demonstração da transcendência e relevância da questão constitucional, Revista de Processo Comparado, São Paulo, V. 7, 1, p. 227-252, jan./jun. 2018.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> KRASSUSKI FORTES, Luiz Henrique. Como aprimorar o funcionamento da repercussão geral? Um diálogo com Luís Roberto Barroso e Frederico Montedonio Rego. In: MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang. Processo Constitucional. São Paulo: RT, 2019. p. 826-827: “Em realidade, a decisão negativa de repercussão geral não significa propriamente a ausência completa de dignidade constitucional da questão levantada, mas sim configura instrumento para permitir a não sobreposição de competências entre os órgãos jurisdicionais, bem como evitar uma concentração indevida de trabalho – e poder – nas mãos do STF. Afinal, ao afirmar que a questão exige majoritariamente interpretação da lei, esse tipo de decisão permite que se harmonizem duas categorias que geralmente não têm as suas fronteiras bem delimitadas pela doutrina e pela jurisprudência: de um lado, a interpretação da legislação infraconstitucional à luz dos comandos constitucionais (interpretação de acordo com a Constituição, imposição do Estado Constitucional a todos os órgãos investidos de jurisdição); de outro, a técnica de decisão em sede de controle de constitucionalidade (‘a interpretação conforme à Constituição’), a que aduz, por exemplo, o art. 28 da Lei 9.868/1999. Assim, a decisão negativa de repercussão geral serve também como definição acerca de qual órgão jurisdicional será competente naquele momento para dirimir aquela específica controvérsia dotada de colorido constitucional, ainda que mediato. Vale frisar, ainda, que se, por um lado, a questão sobre permitir que os demais órgãos cristalizem sua própria interpretação antes de a questão ser decidida pela Corte Suprema constitui um dos principais motivos identificados pela doutrina para a não concessão de certiorari, de outro, ela se torna ainda mais relevante em sistemas jurídicos que possuem outras cortes supremas responsáveis pela fixação de precedentes para assegurar a igualdade e segurança jurídica. No Brasil, em que o reconhecimento da repercussão geral abre oportunidade inclusive para a suspensão da jurisdição em todo o território nacional, a questão torna-se ainda mais premente”.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Sobre os efeitos indesejáveis dessa sobreposição e as inconsistências que geram no nosso sistema de precedentes, confira-se: “O STF pode[ria] rever a jurisprudência do STJ?”. Disponível em &lt;<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/o-stf-poderia-rever-a-jurisprudencia-do-stj-08122022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/o-stf-poderia-rever-a-jurisprudencia-do-stj-08122022</a>&gt;. Acesso em 20 jan. 2023.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Não por outra razão, no XI Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em 2022, aprovamos o Enunciado nº 729, no sentido de que “a submissão do tema para deliberação pelo plenário virtual da repercussão geral deve ser previamente publicizada, de modo a viabilizar a participação de interessados nessa fase processual”.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Disponível em &lt;<a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=498528">https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=498528</a>&gt;. Acesso em 20 jan. 2023.

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JOTA

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