José Paulo Dorneles Japur

Rafael Brizola Marques

No dia 19 de agosto de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação nº 72/2020 dispondo sobre a padronização dos relatórios apresentados pelo administrador judicial em processos de recuperação judicial.
As funções deste auxiliar do juiz no processo de recuperação judicial estão elencadas no art. 22, incisos I e II, da Lei nº 11.101/2005 (LRF). Dentre elas, cabe ao administrador judicial fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial (art. 22, II, alínea “a”), apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor (art. 22, II, alínea “c”) e apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação (art. 22, II, alínea “d”). Também cabe ao administrador judicial a elaboração da relação de credores de que trata o § 2º, do art. 7º, da LRF, a partir da verificação dos créditos, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Porém, a LRF diz pouco sobre a forma e o conteúdo da verificação de créditos e dos relatórios de fiscalização do devedor e do processo a serem realizados pelo administrador judicial. É neste contexto que a novel Recomendação do CNJ pretende contribuir com os juízes responsáveis pela condução de recuperações judiciais por todo o território nacional.
Após enfatizar a importância da verificação de créditos para a celeridade e a transparência do processo, a Recomendação dispõe em seu art. 1º as informações mínimas que o relatório de verificação de créditos deve conter, enquanto o seu Anexo I apresenta um modelo a ser seguido.
A Recomendação realça a importância do Relatório da Fase Administrativa para a transparência do processo de recuperação judicial. O modelo sugerido determina sejam expostos pelo administrador judicial a relação dos credores que apresentaram divergências ou habilitações de créditos, os valores dos créditos indicados pelo devedor, os valores apontados pelos credores em suas respectivas divergências ou habilitações, bem como os valores finais encontrados que constarão do edital.
Prevê-se ainda seja exposta a exposição sucinta dos fundamentos para a rejeição ou acolhimento de cada pedido. Também atribui ao administrador judicial o dever de juntar o Relatório da Fase Administrativa de verificação de créditos aos autos, além de mantê-lo em sítio eletrônico criado para este mister.
Inobstante a pertinência dos apontamentos trazidos pela Recomendação, talvez o Ato Normativo pudesse ter feito alguns acréscimos importantes como assentar ser de rigor que o administrador judicial atue proativamente na verificação de créditos. Embora sua atividade não se confunda com a de um auditor, para além de analisar as habilitações e as divergências apresentadas pelos credores, curial que o administrador judicial cheque a contabilidade do devedor a fim de perquirir a higidez dos créditos incluídos na relação do art. 51, III, da LRF. Também deixou de pontuar a pertinência de o Relatório da Fase Administrativa destacar especial atenção a questões que usualmente geram altercações entre os interessados no concurso, v.g, as cessões de créditos.
Adiante, o art. 2º, do Ato Normativo, recomenda que o modelo de relatório mensal de atividades constante do anexo II seja adotado por todos os administradores judiciais em recuperações judiciais. Exsurge de tal modelo que o administrador judicial deve dispensar especial realce aos créditos extraconcursais.
Prevê-se que o relatório do auxiliar do juízo deverá não apenas informar a existência, mas especialmente a evolução (após o ajuizamento da recuperação judicial) de tributos, de cessões fiduciárias de títulos, de alienações fiduciárias, de adiantamento de contrato de câmbio (ACC) e de obrigações em geral.
Com isso, a Recomendação atribui especial relevância ao passivo não sujeito e ao endividamento acumulado após a deflagração do procedimento judicial, como indicativos importantes sobre as perspectivas de êxito do projeto recuperacional.
Por se tratar de país de dimensões continentais, por certo a Recomendação do CNJ não deverá ser encarada como um modelo rígido, tampouco estanque. Ao revés, servirá como verdadeiro standard ou ponto de partida para que o administrador judicial customize o relatório mensal de atividades, conforme as especificidades da recuperação judicial em curso.
Aliás, o § 1º do art. 2º refere ter o administrador judicial total liberdade para inserir no relatório mensal de atividades outras informações que julgar necessárias, registrando ser mandatório apenas a padronização de capítulos sugerida pela recomendação, observação que indicia o objetivo do CNJ em parametrizar informações para uma base de dados nacional sobre processos de insolvência.
Em seguida, talvez o trecho da recomendação do CNJ a causar maior altercação na comunidade jurídica foi a orientação aos administradores judiciais de apresentarem aos magistrados, na periodicidade que estes  julgarem apropriada em cada caso, Relatório de Andamentos Processuais, informando as recentes petições protocoladas e o que se encontra pendente de apreciação pelo julgador (art. 3º) e Relatório dos Incidentes Processuais, que conterá as informações básicas sobre cada incidente ajuizado e em que fase processual se encontra (art. 4º).
As orientações a respeito de tais relatórios estampam o constante elastecimento que as funções do administrador judicial vêm sofrendo desde a edição da LRF em 2005. Busca-se, através de tais relatórios, organizar a tramitação desses procedimentos, sabidamente complexos em virtude da multiplicidade de partes e dos variados temas neles dirimidos. Especialmente nas varas não especializadas, a sistematização das pendências existentes nos autos pelo auxiliar do juiz importa em ganhos de eficiência e de celeridade na condução dos procedimentos de reestruturação empresarial.
É o que Daniel Carnio Costa consagrou como “função transversal” do administrador judicial:
“(...) É função transversal do administrador judicial agir verdadeiramente como auxiliar do juízo na condução do processo (e não como advogado que se manifesta nos autos mediante intimação). Assim, deve o administrador judicial estar em permanente contato com o magistrado, alertando-o de fatos e circunstâncias relevantes do processo, mesmo que não tenha sido intimado para tanto.
Deve o administrador judicial fiscalizar o cumprimento dos prazos processuais por todos os agentes envolvidos no caso, alertando o juízo com a antecedência necessária para que as questões sejam decididas tempestivamente. Assim, não deve o administrador judicial aguardar que a serventia judicial certifique o decurso de determinado prazo e publique a referida certidão para somente depois disso requerer ao juiz a providência necessária ao bom andamento do feito. O atraso resultante da burocracia judiciária e do excesso de trabalho das serventias judiciais certamente impactará negativamente o resultado do processo. Por isso que o administrador judicial deve agir de forma a neutralizar esse atraso, antecipando ao magistrado a ocorrência esses fatos processuais relevantes e garantindo a tempestividade e a efetividade das decisões judiciais.”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
A elaboração do relatório de andamentos processuais e do relatório de incidentes processuais são práticas surgidas como espécie de diferencial de qualificadíssimos administradores judiciais, medidas hoje obrigatórias, em especial às empresas especializadas que atuam nas varas de direito recuperacional dos grandes centros. São um plus ao labor ordinário do administrador judicial.
Seja como for, urge obtemperar que este movimento de hipertrofia das funções do administrador judicial deve ser levado em consideração no estabelecimento de sua respectiva remuneração. É que o legislador infraconstitucional, ao dispor no art. 24 da LRF que a remuneração do administrador judicial não deveria exceder 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial, fê-lo atento às funções típicas previstas pelo texto do art. 22 da LRF durante um período de 30 (trinta) meses (soma dos períodos do stay e da fiscalização judicial de cumprimento do plano).
Concluímos que a Recomendação nº 72/2020 reafirma o propósito do CNJ de modernizar e de incrementar a eficiência da atuação do Poder Judiciário em matéria de insolvência, bem como realça a relevância da atuação do administrador judicial para a adequada prestação jurisdicional nos processos de recuperação judicial e falência.
Visando democratizar o conhecimento dos magistrados que atuam nas Varas Especializadas de Direito Empresarial dos grandes centros, o Ato Normativo colabora com inúmeros juízes que, em razão da falta de recorrência de processos desta natureza sob suas jurisdições, por vezes desconhecem o que esperar e exigir de seus auxiliares.
Este propósito vai ao encontro da advertência de João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea ao reforçarem a importância do papel do administrador judicial especialmente enquanto auxiliares de juízos não especializados:
“Um juiz inexperiente na matéria concursal com o auxílio de um administrador judicial competente pode bem conduzir uma recuperação judicial ou falência. Mas o juiz mais experimentado nesta área tendo ao seu lado um administrador judicial despreparado, negligente ou mal-intencionado terá grandes dificuldades na condução do processo.”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Espera-se que tal Recomendação do CNJ seja prestigiada pelas Corregedorias Gerais de Justiça dos Tribunais Estaduais e do Distrito Federal no sentido de orientar seus magistrados a exigir a observância aos comandos do Ato Normativo pelos administradores judiciais nas recuperações judiciais em curso. Mais do que isso, almeja-se que sirva de balizador seguro a indicar aos magistrados o que é um trabalho ótimo, bom, regular e ruim de um administrador judicial, guiando nomeações futuras.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> COSTA, Daneil Carnio. Disponível em: &lt;<a href="https://www.migalhas.com.br/InsolvenciaemFoco/121,MI287610,61044-O+administrador+judicial+no+projeto+de+lei+1022018+Nova+lei+de">https://www.migalhas.com.br/InsolvenciaemFoco/121,MI287610,61044-O+administrador+judicial+no+projeto+de+lei+1022018+Nova+lei+de</a>&gt;. Acessado em 26 de julho de 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SCALZILLI, João Pedro, SPINELLI, Luis Felipe e TELLECHEA, Rodrigo. Remuneração do Administrador Judicial in Recuperação judicial, falência e administração judicial. Editora D’Plácido. 333

cnj-2020

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JOTA

Recomendação dita sobre a padronização dos relatórios apresentados pelo administrador judicial nos processos

A Recomendação nº 72/2020 do CNJ e a democratização de boas práticas

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