Fábio Barbalho Leite

Pedro Bandeira Lins Lunardelli

No universo das contratações públicas, não é incomum que certas falhas aconteçam. Em alguns casos, é possível que essas sejam tão graves que acabem maculando completamente o contrato, ensejando, até mesmo, a aplicação de sanções aos seus responsáveis. Em outros casos, as falhas encontradas podem ser relevadas, principalmente por conta de fatores que envolvem o entendimento da norma, o exercício da discricionariedade e o contexto.
Essa possibilidade ganhou reforço normativo com a atualização ocorrida em 2018 à <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm">Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)</a>, notadamente em seu artigo 24, que determina que, no exercício da função de controle dos atos estatais, considere-se na avaliação da decisão tomada pelo gestor público as efetivas condições em que o mesmo a produziu, os desafios concretamente enfrentados e as finalidades públicas que se impunha curar.
Tributário dessa sólida orientação normativa, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tce-sp">Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP)</a> decidiu prover um recurso ordinário (TC-1007/003/09), promovido pela empresa contratada sob patrocínio da Manesco, para reverter anterior julgamento que entendera irregular contrato administrativo firmado ao cabo de licitação por críticas atribuídas ao procedimento licitatório.
Tendo por objeto a prestação de serviços de coleta e transporte de resíduos sólidos domiciliares e a coleta, transporte, tratamento e destinação final de resíduos sépticos dos serviços de saúde, o contrato tinha sido anteriormente condenado em motivação que destacava a ausência de pesquisa prévia de preços, e a fonte que deu origem ao orçamento básico, que impossibilitaria a verificação da compatibilidade dos preços celebrados com aqueles praticados à época; não divulgação do texto do edital quando retificado, pela mesma forma em que se dera a publicação do texto original, isto é, em jornal de grande circulação no estado e na região; indevida adoção do critério de julgamento das propostas pelo menor preço global, ressaltando uma aglutinação de serviços distintos no objeto contratual que, em nome da competitividade e economicidade, poderiam ter sido licitados em mais de um lote. Outros registros, como a exigência editalícia de comprovação de qualificação técnica operacional por meio de atestados juntamente com a apresentação de Certidão de Acervo Técnico (CAT) e a exigência de visita técnica em única data, também foram levantados, mas constaram apenas secundariamente no voto do relator.
Em junho de 2022, por meio de recurso ordinário, o caso foi levado ao crivo do Plenário do TCE-SP, que trouxe uma nova visão para a situação retratada, resultando na completa reversão do julgamento.
O plenário da Corte de Contas bandeirante entendeu que seria possível afastar a ocorrência referente à ausência de pesquisa prévia de preços, tendo em vista a existência de consulta formal realizada perante três empresas atuantes no meio, contendo informações suficientes para elaboração de propostas. Do mesmo modo, vislumbrou que o novo texto editalício não trouxera alterações capazes de influir na formulação de propostas pelos licitantes interessados no certame, sem mencionar que sete licitantes chegaram a retirar o instrumento convocatório.
Em relação à aglutinação de serviços nos moldes do objeto licitado, reconheceu-se que o procedimento era permitido quando do momento da contratação. Quanto à visita técnica em única data e exigência de apresentação de atestados acompanhados de Certidão de Acervo Técnico (CAT) para qualificação técnica operacional, relevou-se a crítica diante da habilitação de seis licitantes no certame. As irregularidades remanescentes também foram afastadas.
A decisão proferida pelo plenário da Corte de Contas é um exemplo de situação emblemática envolvendo o uso irretocável da razoabilidade para o exame das contratações públicas. Isso se verifica quando certas falhas, como aquelas relacionados à previsão da qualificação técnica e visita técnica pelo edital, são relevadas em razão do pouco, senão irrelevante impacto que ocasionaram para a contratação. Afinal, se seis empresas efetivamente participaram da concorrência, revelava-se rigor excessivo e contraproducente julgar irregular todo um procedimento em que houvera efetiva disputa, as regras não tinham sido questionadas pelos interessados, ademais sem inabilitações por conta das supostas cláusulas irregulares.
Não existindo prejuízo concreto, bem concluiu o novo julgado que deve ser preservado o procedimento licitatório e o contrato: meras imperfeições que não impediram o atingimento dos fins da licitação, nem que causaram danos ao erário, não devem levar ao julgamento de irregularidade ou a aplicação de sanções desproporcionais. Tal precedente é relevante e deve ser considerado em ulteriores análises contratuais pelo TCE-SP, principalmente pela lúcida aplicação da LINDB.

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JOTA

Possibilidade de relevar falhas contratuais ganhou reforço normativo com a atualização da LINDB em 2018

A razoabilidade na avaliação das contratações públicas sob a ótica do TCE-SP

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