Hélio Nascimento

No início de fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento sobre os limites da coisa julgada diante da eficácia retroativa da declaração de (in)constitucionalidade superveniente ao trânsito em julgado da demanda. De acordo com a tese fixada nos temas nos 881 e 885 da Repercussão Geral (RG), as decisões proferidas pelo STF em controle abstrato de constitucionalidade ou em sede de repercussão geral interrompem, automaticamente, os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado, salvo aquelas proferidas pelo STF em controle incidental antes da instituição do regime de repercussão geral (31/12/2004). 
Num dos recursos representativos da controvérsia que resultou na fixação das teses, o contribuinte teve o direito de não recolher Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) por força de decisão judicial que declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 7.689/1988. Porém, em 2007, o STF, ao julgar a ADIn nº 15, concluiu que essa Lei é constitucional. Por isso, entendeu o Pretório Excelso que os efeitos dessa declaração de constitucionalidade retroagem ao caso daqueles contribuintes, obrigando-lhes novamente a recolher a contribuição social, porque a coisa julgada antes operada, segundo o STF, soçobra diante da eficácia declaratória superveniente de (in)constitucionalidade proferida pela Suprema Corte em controle abstrato. Assim, exarado o acórdão, o prazo prescricional para pretender o recolhimento do tributo volta a fluir desde o início — em razão do sentido claramente técnico da locução “interrompem a eficácia temporal das decisões transitadas em julgado”. 
Considerando as forças expansiva, reflexa, vinculante e erga omnes dessa tese fixada pelo STF, pujantes desde a publicação da decisão — vide que a Excelsa Corte, no julgamento que proibiu uso do amianto crisotila (ADIn’s nos 3.470 e 3.406), adotou a abstrativização do controle difuso, dispensando a edição de Resolução, pelo Senado, para conferir eficácia erga omnes a esses dois recursos extraordinários dos temas nos 881 e 885 —, deduz-se, mutatis mutandis, que o mesmo raciocínio construído no precedente vigorará para os casos opostos. É dizer, quando o STF declarar a inconstitucionalidade de determinado tributo em sede de controle abstrato, o contribuinte poderá pretender a repetição do indébito desde a publicação do acórdão da declaração de inconstitucionalidade, que interrompe a contagem do prazo prescricional. 
Exemplos claros dessa hipótese são o tema RG nº 16 e a decisão proferida na ADIn nº 4.411/MG (relator ministro Marco Aurélio, j. 18.ago.2020, DJe-235: 24.set.2020). No primeiro caso, julgado pelo Plenário em 2017, o STF — exercendo controle incidental com repercussão geral expressamente destacada — desproveu recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo, afirmando que a prevenção e o combate a incêndio estão contidos na prestação de segurança pública, financiada pela arrecadação dos impostos: 
"A segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se no campo da atividade precípua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de taxa para tal fim". 
Em 2020, o STF novamente se pronunciou sobre o tema, desta vez em sede de controle abstrato, quando declarou a inconstitucionalidade da taxa de prevenção e combate a incêndio. Em abril de 2022, quando concluído o julgamento, a Corte modulou a eficácia temporal dessa declaração de inconstitucionalidade, fixando a seguinte tese: 
"Após o voto-vista do ministro Roberto Barroso, que divergia parcialmente do ministro Marco Aurélio (Relator), para propor a modulação dos efeitos da decisão de mérito, para que tenha eficácia a partir da data de publicação da respectiva ata de julgamento (01.09.2020), estando ressalvados 1) os processos administrativos e as ações judiciais pendentes de conclusão até a referida data; 2) os fatos geradores anteriores à mesma data em relação aos quais não tenha havido pagamento, no que foi acompanhados pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Cármen Lúcia e Luiz Fux (presidente; do voto do ministro Edson Fachin, que acompanhava o voto do relator, negando provimento aos embargos de declaração; e dos votos dos ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que acompanhava o voto do ministro Alexandre de Moraes no sentido de acolher parcialmente os embargos declaratórios, para conferir efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados da Lei Estadual 6.763/1975, a partir da data de publicação da ata de julgamento dos presentes embargos declaratórios, o julgamento foi suspenso para proclamação do resultado em sessão presencial".  
Em síntese, o STF, tanto no controle incidental após a instituição da repercussão geral quanto na fiscalização abstrata de normas, declarou a inconstitucionalidade da taxa de prevenção e combate à incêndio. Contudo, e diferentemente do que ocorreu em favor da Fazenda em 2023, os efeitos dessa inconstitucionalidade valem para os casos posteriores a 1º de setembro de 2020. Ou seja, após essa data, o recolhimento de taxa de incêndio por Estados e municípios é indevido. 
A despeito dessa decisão, o Estado do Rio de Janeiro continuou a exigir adimplemento nos exercícios financeiros de 2021, 2022 e 2023[1]. Nem mesmo a indicação legislativa nº 480/2021, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), persuadiu o gestor fluminense a cumprir a determinação vinculante da Suprema Corte e abster-se de recolher o tributo reconhecidamente indevido. Na mesma linha, uma ação popular ainda esperança o reconhecimento, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de que a decisão do STF se aplica, sim, em favor de todos os contribuintes fluminenses desde setembro de 2020. 
Esse desprezo à decisão do STF pelo Estado do Rio de Janeiro faz parecer que os efeitos retroativos da declaração de (in)constitucionalidade e elisivos da coisa julgada servem apenas para favorecer a pretensão arrecadatória do Fisco. Certamente, não foi o que decidiram os onze ministros. Contudo, até o momento, a postura do Rio de Janeiro sugere que, em matéria tributária, não importa o posicionamento da jurisprudência do STF, o resultado dos julgamentos nem a eficácia vinculante das decisões: o contribuinte sempre será cobrado. 
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[1] Confira os valores e as datas de vencimento da taxa de incêndio em 2023 no Estado do Rio. Extra, Rio de Janeiro, 30.11.2022. Disponível em: <a class="Hyperlink SCXW165147351 BCX0" href="https://extra.globo.com/economia-e-financas/suas-contas/castelar/confira-os-valores-as-datas-de-vencimento-da-taxa-de-incendio-em-2023-no-estado-do-rio-rv1-1-25618660.html" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://extra.globo.com/economia-e-financas/suas-contas/castelar/confira-os-valores-as-datas-de-vencimento-da-taxa-de-incendio-em-2023-no-estado-do-rio-rv1-1-25618660.html</a>. Acesso: 22.02.2023.  
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